Resplendor – A pequena Alice, de 3 anos, não disfarça a tristeza quando fala do "Uatu Nek", o rio em que ela diariamente tomava banho enquanto o pai, Itamar, tratava de garantir o pescado para ser servido no almoço e no jantar. “Não entro mais na água. A lama venenosa matou tudo”, diz a garotinha, da tribo Krenak, que desde antes da chegada de Pedro Álvares Cabral ao continente vive às margens do Rio Doce, como os brancos batizaram o curso d’água que agora fazem agonizar.
“Nossa relação com o rio é bem mais antiga. Sempre estivemos aqui. Hoje somos 450 pessoas e não usamos o leito apenas para o banho, para retirar o alimento do dia a dia. Há questões culturais e religiosas. E agora? Os krenak estão tristes, porque o Uatu Nek morreu”, desabafa Itamar. Ele e sua gente ocupam uma área de 4,9 mil hectares quadrados em Resplendor, no Leste de Minas, a 500 quilômetros de Belo Horizonte.
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Até a rotina da confecção das armas usadas na caça deixou de ser a mesma.
Na caminhada, Adauto avista, do outro lado do leito, os trilhos por onde as locomotivas da Vale puxam, todos os dias, centenas de vagões abarrotados com minério de ferro. Na semana em que houve o rompimento da barragem da Samarco, empresa que tem a Vale como uma das controladoras, os krenak fecharam a ferrovia por três dias.
A estrada de ferro corta a terra indígena entre o leito e o paredão desenhado por Alice. Na parte externa da rocha, há pinturas rupestres. Na interna, imensas cavernas. “Quem causou essa tragédia tem que resolver o problema.
COMBATE A ligação dos krenak com o Uatu começou antes da chegada das caravelas comandadas por Cabral. Por séculos, eles ocuparam parte do que hoje é Minas Gerais e o Espírito Santo. Foram combatidos por europeus e bandeirantes.
Nem mesmo o governo deu trégua. No fim da década de 1970, por exemplo, o regime militar expulsou os índios da área e construiu uma prisão a cerca de 500 metros do rio. “Quando o povo voltava, o governo expulsava novamente. Até que em 1979 houve uma grande enchente. A força d’água derrubou parte (dos imóveis) que construíram aqui. Os militares desistiram.