Linhares (ES) – As tentativas de contenção da lama e dos rejeito que vazaram da barragem da Samarco em Mariana e atingiram a foz do Rio Doce no Espírito Santo não impediram que os igarapés – berçários de caranguejos e de peixes – fossem tingidos de vermelho e nem que a maré levasse os detritos à parte norte da reserva ecológica de Comboios, o único ponto fixo de desova das tartarugas-gigantes no Brasil. É mais um santuário atingido pelo desastre, que já havia afetado 1 mil hectares de áreas de preservação permanente por onde passou, incluindo unidades como o Parque Estadual do Rio Doce. A primeira tentativa foi de barrar os resíduos com nove quilômetros de boias. A mineradora havia afirmado que a medida reteria 80% dos resíduos, mas praticamente todo material ultrapassou o obstáculo. E há outras dificuldades: máquinas que tentam alargar a foz atolam na areia e trabalham em ritmo lento. Em quanto isso, pescadores, moradores e ambientalistas aguardam com angústia a chegada da parte mais espessa da lama de mineração.
De acordo com Antônio de Pádua Almeida, chefe da Reserva de Comboios, do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), os ninhos das tartarugas que estavam próximos à foz do Rio Doce foram tirados previamente, para que a lama não os atingisse. Mas a chegada do material contaminado à parte norte do santuário ameaça outros ninhos. “Filhotes que nasceram conseguimos soltar no mar em outro ponto. Foi uma medida emergencial, mas não sabemos se vai ser suficiente para que eles não sejam contaminados e nem se isso vai alterar as rotas naturais de migração desses animais. Um desastre desse nunca aconteceu. Tudo o que fizemos é emergência para salvar o possível. Mas, se o grosso dessa lama vier e ficar depositado tanto na foz quanto nas praias, não sabemos o impacto que vai trazer para a biodiversidade”.
A Marinha do Brasil vem monitorando o avanço da lama, que já penetrou 20 quilômetros pelo mar. O oceano também já está vermelho de minério oito quilômetros ao sul da foz e 35 quilômetros ao norte. O navio Vital de Oliveira vai acompanhar os trabalhos de contenção e auxiliar nos estudos sobre os impactos do desastre na foz do Rio Doce e áreas marítimas adjacentes. A embarcação é equipada com três laboratórios e 30 equipamentos científicos e tem capacidade de mapear dados da atmosfera, oceano, solo e subsolo marinhos.
Com a abertura da foz por máquinas a serviço da Samarco, o rio ganhou um pouco mais de velocidade e tem conseguido vencer as ondas, mas quando a maré sobre, todo o material desenha nas praias marcas vermelhas, que deixam pescadores desolados por não poderem exercer sua profissão. “Desde que essa lama chegou, no sábado, eu não ponho mais o pé dentro d’água. Isso é a morte para um pescador que desde pequeno aprendeu a armar redes no encontro do Rio Doce com o mar. Não tenho trabalho, não levo mais peixes para casa. Meus filhos também não sabem mais o que fazer”, afirma o pescador Ademar Paulino Sampaio, de 55 anos. Como ele, moradores de Colatina (ES) estão revoltados. Ontem, grupos foram às ruas em protesto contra a falta de água na cidade. Houve enfrentamento com a polícia.
De acordo com o educador ambiental Carlos Sangália, do Projeto Tamar, de defesa das tartarugas marinhas, a população está angustiada por não saber a composição dos rejeitos, nem quando poderá voltar a usar a água. “O que deixa a gente mais apreensivo é justamente não saber se o peixe vai ficar envenenado e se água vai ficar imprópria para o consumo e por quanto tempo. Esse tipo de esclarecimento é que tinha que ser dado, já que a água do Rio Doce é também usada para o abastecimento humano e para a agricultura familiar. Se a lama mais grossa vier mesmo, os impactos serão incalculáveis.”
Em mais um sobrevoo sobre a área do oceano afetada, realizado ontem, técnicos do Instituto Estadual de Meio Ambiente (Iema) do Espírito Santo identificaram que a lama progrediu 3 quilômetros no sentido da capital, Vitória.
''A área afetada tende a se multiplicar''
O biólogo e pesquisador André Ruschi, diretor da Estação de Biologia Marinha Augusto Ruschi, de Aracruz (ES), uma das instituições de pesquisa ambiental mais antigas do país, afirma que os efeitos do desastre da Samarco sobre o ecossistema marinho só estão começando. Confirmando previsões feitas por ele ao Estado de Minas na semana passada, a poluição já afeta animais na costa. “Já aparecem gaivotas e outras aves marinhas mortas, por causa da contaminação neurológica”, afirmou. Segundo Ruschi, a mancha de lama provoca estragos em uma importante área, onde se reproduzem espécies como baleias, marlins, tubarões e tartarugas.
Qual é a situação no litoral do Espírito Santo?
Percorri a região e encontrei lugares onde a população está completamente desassistida e sem direção, pois não tem mais a pesca, não tem turistas, não tem nada. Até agora, foram cerca de 700 quilômetros quadrados atigindos no mar, mas essa extensão tende a se multiplicar. A área afetada vai se ampliar a cada movimentação das marés e do vento. Também vai se expandindo à medida que chegam mais rejeitos pelo Rio Doce. E a quantidade de material que ainda tem para descer é muito grande. A situação terá que ser monitorada por muito tempo. Nesse caso específico, se não for feito nenhum trabalho de limpeza, os impactos vão durar séculos.
Como está o trabalho de contenção dos danos?
A contaminação do mar por metais pesados pode gerar consequências sérias e perigosas, não somente para as plantas, peixes e animais, mas também para a saúde humana. Em decorrência desse desastre, poderão surgir muitas doenças no futuro. Mas, infelizmente, não estou vendo nenhum plano de contingência por parte dos órgãos responsáveis, que não têm competência técnica suficiente para atuar nas questões ambientais da forma como deveriam. Posso citar as secretarias estaduais de Meio Ambiente de Minas Gerais e do Espírito Santo, o DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral) e a Agência Nacional de Águas, que não conseguem exercer suas atribuições por falta de pessoal técnico e qualificado para decidir que medidas realmente devem ser tomadas. O Ministério Público tem muitas atribuições, mas também muitas limitações.
Como avalia a política de licenciamentos de mineradoras?
Defendo uma revisão geral dos licenciamentos às mineradoras. As empresas não têm planos de contingência (para o caso de acidentes).
De acordo com Antônio de Pádua Almeida, chefe da Reserva de Comboios, do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), os ninhos das tartarugas que estavam próximos à foz do Rio Doce foram tirados previamente, para que a lama não os atingisse. Mas a chegada do material contaminado à parte norte do santuário ameaça outros ninhos. “Filhotes que nasceram conseguimos soltar no mar em outro ponto. Foi uma medida emergencial, mas não sabemos se vai ser suficiente para que eles não sejam contaminados e nem se isso vai alterar as rotas naturais de migração desses animais. Um desastre desse nunca aconteceu. Tudo o que fizemos é emergência para salvar o possível. Mas, se o grosso dessa lama vier e ficar depositado tanto na foz quanto nas praias, não sabemos o impacto que vai trazer para a biodiversidade”.
A Marinha do Brasil vem monitorando o avanço da lama, que já penetrou 20 quilômetros pelo mar. O oceano também já está vermelho de minério oito quilômetros ao sul da foz e 35 quilômetros ao norte. O navio Vital de Oliveira vai acompanhar os trabalhos de contenção e auxiliar nos estudos sobre os impactos do desastre na foz do Rio Doce e áreas marítimas adjacentes. A embarcação é equipada com três laboratórios e 30 equipamentos científicos e tem capacidade de mapear dados da atmosfera, oceano, solo e subsolo marinhos.
Com a abertura da foz por máquinas a serviço da Samarco, o rio ganhou um pouco mais de velocidade e tem conseguido vencer as ondas, mas quando a maré sobre, todo o material desenha nas praias marcas vermelhas, que deixam pescadores desolados por não poderem exercer sua profissão. “Desde que essa lama chegou, no sábado, eu não ponho mais o pé dentro d’água. Isso é a morte para um pescador que desde pequeno aprendeu a armar redes no encontro do Rio Doce com o mar. Não tenho trabalho, não levo mais peixes para casa. Meus filhos também não sabem mais o que fazer”, afirma o pescador Ademar Paulino Sampaio, de 55 anos. Como ele, moradores de Colatina (ES) estão revoltados. Ontem, grupos foram às ruas em protesto contra a falta de água na cidade. Houve enfrentamento com a polícia.
De acordo com o educador ambiental Carlos Sangália, do Projeto Tamar, de defesa das tartarugas marinhas, a população está angustiada por não saber a composição dos rejeitos, nem quando poderá voltar a usar a água. “O que deixa a gente mais apreensivo é justamente não saber se o peixe vai ficar envenenado e se água vai ficar imprópria para o consumo e por quanto tempo. Esse tipo de esclarecimento é que tinha que ser dado, já que a água do Rio Doce é também usada para o abastecimento humano e para a agricultura familiar. Se a lama mais grossa vier mesmo, os impactos serão incalculáveis.”
Em mais um sobrevoo sobre a área do oceano afetada, realizado ontem, técnicos do Instituto Estadual de Meio Ambiente (Iema) do Espírito Santo identificaram que a lama progrediu 3 quilômetros no sentido da capital, Vitória.
''A área afetada tende a se multiplicar''
O biólogo e pesquisador André Ruschi, diretor da Estação de Biologia Marinha Augusto Ruschi, de Aracruz (ES), uma das instituições de pesquisa ambiental mais antigas do país, afirma que os efeitos do desastre da Samarco sobre o ecossistema marinho só estão começando. Confirmando previsões feitas por ele ao Estado de Minas na semana passada, a poluição já afeta animais na costa. “Já aparecem gaivotas e outras aves marinhas mortas, por causa da contaminação neurológica”, afirmou. Segundo Ruschi, a mancha de lama provoca estragos em uma importante área, onde se reproduzem espécies como baleias, marlins, tubarões e tartarugas.
Qual é a situação no litoral do Espírito Santo?
Percorri a região e encontrei lugares onde a população está completamente desassistida e sem direção, pois não tem mais a pesca, não tem turistas, não tem nada. Até agora, foram cerca de 700 quilômetros quadrados atigindos no mar, mas essa extensão tende a se multiplicar. A área afetada vai se ampliar a cada movimentação das marés e do vento. Também vai se expandindo à medida que chegam mais rejeitos pelo Rio Doce. E a quantidade de material que ainda tem para descer é muito grande. A situação terá que ser monitorada por muito tempo. Nesse caso específico, se não for feito nenhum trabalho de limpeza, os impactos vão durar séculos.
Como está o trabalho de contenção dos danos?
A contaminação do mar por metais pesados pode gerar consequências sérias e perigosas, não somente para as plantas, peixes e animais, mas também para a saúde humana. Em decorrência desse desastre, poderão surgir muitas doenças no futuro. Mas, infelizmente, não estou vendo nenhum plano de contingência por parte dos órgãos responsáveis, que não têm competência técnica suficiente para atuar nas questões ambientais da forma como deveriam. Posso citar as secretarias estaduais de Meio Ambiente de Minas Gerais e do Espírito Santo, o DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral) e a Agência Nacional de Águas, que não conseguem exercer suas atribuições por falta de pessoal técnico e qualificado para decidir que medidas realmente devem ser tomadas. O Ministério Público tem muitas atribuições, mas também muitas limitações.
Como avalia a política de licenciamentos de mineradoras?
Defendo uma revisão geral dos licenciamentos às mineradoras. As empresas não têm planos de contingência (para o caso de acidentes).
Vídeo: confira imagens da lama no litoral do Espírito Santo