Jornal Estado de Minas

Um ano novo incerto

Famílias expulsas de casa pelo mar de lama não acreditam deixar hotéis antes do Natal

Valquiria Lopes

Pedro Ferreira
Enviado especial



Mariana – A lama, que parece nunca acabar nos povoados atingidos pela avalanche de rejeitos da Barragem do Fundão e que continuam escorrendo por todo o Rio Doce até a foz, no Espírito Santo, dá a dimensão do drama que moradores, pescadores, ribeirinhos e todos os demais afetados pela tragédia de 5 de novembro continuam enfrentando. Muitos ainda precisam lidar com a dor de perder parentes e amigos e lutam para resgatar direitos básicos, como a moradia, a autonomia ou propriedades. Comum a todos é a urgência de restabelecimento de suas fontes de renda, uma batalha diária sem data para acabar. Pela frente, ainda há a dúvida se todas as 139 famílias vão conseguir sair dos hotéis e se mudar para casas alugadas e mobiliadas pela Samarco até o Natal, prazo que já é praticamente descartado pelo Ministério Público de Mariana, que acusa morosidade no processo por parte da empresa. Até sexta-feira, 115 famílias haviam sido realocadas. Diante da impossibilidade de voltar para suas próprias casas, os moradores de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, os mais afetados pela tragédia, sonham com novas vilas. Mas é uma realidade bem distante.


De acordo com o promotor Guilherme Sá Meneghin, da Promotoria de Mariana, a realocação das famílias é uma das exigências feitas pelo Ministério Público à Samarco, também obrigada a pagar auxílio financeiro que garante o saque de um salário mínimo por mês, mais o valor de uma cesta básica (R$ 338) e 20% do salário mínimo por dependente. Apesar do cumprimento das normas, o representante do MP afirma que a mineradora tem sido morosa na tomada de decisões, especialmente na mudança para casas alugadas.
“A empresa se comprometeu a realocar 50 famílias por semana. Se o prazo se cumprir, a expectativa é que até janeiro todas tenham se mudado”, disse, lembrando que o órgão está atento a todo o processo, principalmente por ter percebido que a empresa se mostrou, nos dias seguintes à tragédia, despreparada para atuar na solução dos problemas.


O promotor explica que R$ 300 milhões foram bloqueados em contas da Samarco para serem investidos em soluções definitivas para as famílias atingidas. “A reconstrução de novas vilas exigirá um processo mais longo e as discussões devem começar a partir do ano que vem, com a participação das vítimas”, disse. A presidente do Ibama, Marilene Ramos, destaca que, para além da reparação ambiental, é preciso que seja providenciada urgentemente uma indenização às pessoas afetadas ao longo de todo o Rio Doce e seus afluentes e que o abastecimento com água potável seja garantido plenamente.


Enquanto trabalham no recolhimento de provas que possam garantir a materialidade do dano ambiental, promotores e técnicos do Ministério Público de Minas Gerais já vislumbram os desafios futuros. De acordo com o coordenador do Núcleo de Resolução de Conflitos Ambientais do MP (Nucam), Carlos Eduardo Ferreira Pinto, o trabalho agora é unificar as ações nas esferas federal, estadual e municipal, nas 18 comarcas afetadas, para garantir início imediato da recuperação do rio e de seus afluentes. “Esse processo precisa ocorrer imediatamente”, afirmou. O promotor lembrou ainda que a esfera humanitária é, do mesmo modo, urgente.

RENDA Presidente da Associação dos Moradores de Bento Rodrigues e representante de todas as vítimas nas negociações com a mineradora, José do Nascimento de Jesus expõe a expectativa dos desabrigados de deixar o hotel até o Natal.

“Mas a gente sabe que é quase impossível, pelo andamento que está”, constatou Zezinho do Bento, como é conhecido. Segundo ele, não são todas as famílias que receberam o cartão de auxílio da Samarco, “Está dando em média R$ 1,2 mil a R$ 1,3 mil por família”, disse. “Se é moradia provisória, é melhor numa casa do que em hotel. O contrato de aluguel está sendo feito por um ano, justamente para que haja uma decisão definitiva, como reconstrução de um novo Bento, com todo mundo voltando a morar junto de novo”, acrescentou.


O lavrador José Geraldo Marcelino, de 42, a mulher dele, Luciene Araújo Lopes da Silva, de 37, e a filha Luciele Aparecida, de 11, deixaram o hotel ontem e foram morar em uma casa alugada. “Estamos felizes, mas a nossa felicidade só será completa no dia em que a gente voltar a ter nossa própria vida, com todo mundo de Paracatu de Baixo morando junto de novo. Queremos de volta a vida que a gente tinha”, disse Luciene. A mãe de José Geraldo, a aposentada Leontina Divina Marcelina, de 78, que vai continuar no hotel com o restante da família, chorou ao se despedir do casal e da neta, dos quais nunca havia se separado.


PREJUÍZOS José Geraldo conta ainda que na hora de fugir da lama saiu apenas com a bermuda que usava, sem camisa. “Deixei para trás mais de 100 galinhas, 12 cachorros e minhas ferramentas de pedreiro”, lamentou.

Luciene, que vende cosméticos, também teve toda a mercadoria levada pela lama e tenta agora receber pagamentos atrasados. A dona de casa conta que juntou dinheiro fazendo faxina para reformar a cozinha da casa. “Eu tinha acabado de colocar um balcão novo. O fogão eu tinha acabado de tirar da caixa, presente de uma prima”, disse Luciene, enquanto observava a casa onde vai viver por algum tempo. “Nada se compara à minha casa. Este ano, meu quintal deu até melancia. Eu gostava da minha rotina em Paracatu. Acordava cedo, fazia o café, mexia na horta e cuidava da casa”, comentou ela.

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