Belo Horizonte, que completa 118 anos no próximo sábado, é carinhosamente conhecida por parte de seus moradores por preservar características interioranas. É uma maneira bem mineira de abordar certas peculiaridades da cidade, como a sensação de que é praticamente impossível ir a algum lugar sem encontrar um conhecido. Mas o município virou metrópole já em seus primeiros 70 anos de vida e, de lá para cá, viu sua população quase triplicar. Não abandonou, porém, costumes antigos, como o passeio com as crianças, a leitura e o footing nas pracinhas, hoje repaginado sob a forma de práticas como a de esportes. Apesar da correria do dia a dia, as praças da cidade triunfaram sobre o lazer indoor e mantêm a tradição de funcionar como pontos de encontro, confraternização e relaxamento. É o que mostra o Estado de Minas na primeira de uma série de sete reportagens sobre o relacionamento dos habitantes de BH com sua casa, seus locais preferidos, seus costumes e preferências.
Há 20 anos, o aposentado do Banco do Brasil Décio Duarte de Moreira, 85 anos, é um dos frequentadores assíduos da praça da Assembleia, como é mais conhecida a Praça Carlos Chagas, recém-revitalizada. Três vezes por semana, ele faz caminhadas no local. Gosta de se sentar nos bancos, ficar na sombra e observar a vida acontecer enquanto lê um jornal. Moreira considera a praça “muito segura” e gostou muito da reforma. “Nunca vi um assalto ou um roubo aqui, mesmo antes da reforma. Mas, com a revitalização, a praça ganhou espaço e novos equipamentos para frequentadores de todas as idades.”
Prova disso está nos acompanhantes de Alexandre Rosa de Camargos, de 38, técnico em laticínios, que trabalha como gerente de Vendas. Morador do Bairro Nova Granada, ele sempre leva os filhos, Laura, de 2 anos e sete meses, e João Lucas, um ano e três meses, para brincar na praça da Assembleia. “O lugar ficou mais seguro e confortável. Venho sempre aos domingos com as crianças. O único problema aqui são os preços cobrados pelos vendedores ambulantes, mas isso faz parte”, conforma-se. Para ele, o maior desafio das praças da capital é a conservação do patrimônio. “Já arrancaram um cavalinho e arrebentaram o cinto de segurança do balanço das crianças menores”, lamenta.
E não dá para falar nesses pontos de encontro de Belo Horizonte sem lembrar que, por aqui, outro nome de praça é Liberdade. Que o diga a mãe de Gabriela, de 5, Sofia, de 3, e Ana Laura, de 1 ano e 9 meses, a fisioterapeuta Edna Martins de Lima, de 38. Na manhã de ontem, ela levou as crianças para passear na sede do mais novo circuito cultural da cidade, na Região Centro-Sul. Mesmo não sendo frequentadora assídua, ela diz que o lugar é muito bem cuidado, com jardins bonitos. “Gosto dos concertos e de exposições, como a Mostra Jorge dos Anjos. As crianças reclamam que aqui não tem brinquedos, mas acredito que a Praça da Liberdade não é um local para isso. Tenho muito boas impressões daqui”, comenta.
Da cultura para a tradição, o pipoqueiro Vicente de Paulo, de 57 anos, trabalha na Praça Duque de Caxias, em Santa Tereza, na Região Leste de BH, há 18 anos. Todos os dias ele bate ponto no local, a partir das 8h. Logo que chega, começa a preparar pipoca, amendoim e coquinho. Nesse meio tempo, já testemunhou muitos espetáculos e acredita que todos foram muito bons. “Só não gosto de chorinho”, pontua.
Na mesma região, na Praça Floriano Peixoto, a autônoma Maria da Conceição Norberto, de 62 anos, moradora do Bairro Cachoeirinha, descansa e pensa na vida. “É aqui que reflito sobre o que devo ou não fazer. Esta praça nos dá a oportunidade de meditar e de pensar em quem está longe, naqueles que estão doentes no hospital e de fazer uma prece por eles”, diz.
Para ela, o local é um “reconforto”, ponto de alegria e meditação. “Acho que essas palavras resumem o que sinto por esta praça. Se eu tivesse um namorado, seria para cá que viria com ele. A gente olha no entorno e sente a harmonia. Quem dera tivéssemos mais praças como esta. Se eu morasse aqui perto, acho que passaria mais tempo aqui do que na minha própria casa. Você não está vendo as cores? Lilás, verde, laranja... É fantástico”, declara. Para quem ainda não conhece as cores, fica o convite para conhecer mais esse atraente ponto de encontro dos belo-horizontinos.
O endereço da diversidade
Fundada há mais de 110 anos e revitalizada em 2010, a Praça Floriano Peixoto, no Bairro Santa Efigênia, tem tanta identificação com a cidade que já foi conhecida como Praça Belo Horizonte. Foi em 1930 que o local foi batizado com o nome atual, uma homenagem pelo 35º ano de morte do ex-presidente que hoje lhe empresta o nome. Está incluída na lista das 24 praças previstas na primeira planta da cidade e foi tombada pelo patrimônio histórico e cultural da capital em 1994. Em sua reforma, foram recuperadas características originais, como o desenho dos canteiros e passeios, as árvores e palmeiras, a configuração paisagística e os bancos.
O projeto também trouxe elementos para atender às necessidades dos frequentadores: foi o primeiro espaço público da capital a contar com brinquedos para crianças cadeirantes, com três opções: um balanço que permite o encaixe da cadeira de rodas, uma travessia mais baixa (ao alcance do cadeirante) e um painel com diferentes atividades.
Numa metrópole cada vez mais verticalizada e com menos espaço reservado para áreas verdes, é uma prova de que os belo-horizontinos estão redescobrindo e mantendo vivos esses pontos de convivência de bairros tradicionais. O local também é conhecido como praça Santa Efigênia ou praça do quartel, em razão da presença do 1º Batalhão da Polícia Militar. Com área de convivência, playground e local para realização de eventos culturais, é um espaço dinâmico para receber crianças e adultos.