Mariana – Um mês fora de casa. Um mês em que a vida depende de horários, vontades e até do dinheiro de terceiros. Para famílias que tiveram propriedades devastadas pela lama em Mariana, as perdas não se resumem à moradia: elas se transformaram em prisioneiras da tragédia. Privada de seus espaços, empregos e produções de subsistência, a maioria ainda não tem o mais básico dos direitos atendido: uma renda que permita um mínimo de autonomia na vida pós-desastre. Responsável pela tragédia, a mineradora Samarco se limita a informar que começou a distribuir o primeiro lote de 115 cartões que garantirão o auxílio mensal de R$ 788 por núcleo familiar, mais 20% por dependente. Porém, são cerca de 350 famílias à espera do rendimento. Isso sem contar o dinheiro com que os desabrigados contam para começar a reerguer suas vidas – R$ 10 mil –, com o qual a companhia não se comprometeu.
A casa de Sandra Quintão, de 43 anos, foi derrubada pelo tsunami de lama da Samarco. Abrigada num hotel, ela anseia que até a noite de Natal seja pelo menos pela transferida para um imóvel alugado: “A empresa não me deu essa garantia”, lamenta. A catástrofe também levou embora o emprego de Geralda da Penha Gomes de Almeida, de 57. Sem renda própria, a mulher agora depende da boa vontade de familiares até para comprar o creme de pele de que tanto gosta. “Não recebi o tal auxílio mensal”, queixa-se. Já Valdemar Martins, de 75, reclama da falta de privacidade:
“Eu morava sozinho e, agora, divido um quarto de hotel”.
Desde as 16h20 de 5 de novembro, quando houve o estouro da Barragem do Fundão, em Mariana, Sandra, Geralda, Valdemar e centenas de outros desalojados se tornaram reféns da incerteza e dos embates entre a mineradora e o Ministério Público. Os que continuam em hotéis precisam seguir as regras dos estabelecimentos. Diferentemente da vida que levavam até serem expulsos pela lama, agora têm horário para o café da manhã, almoço e jantar. Os que ainda não receberam o cartão com o auxílio mensal se veem obrigados a mendigar empréstimos de parentes e amigos.
Dona Sandra, a mulher que não pretende passar o Natal num quarto de hotel, sofre com a vida longe de Bento Rodrigues, o primeiro povoado devastado pela lama de minério. “Não sei quando vou sair daqui.” A sensação é de viver numa prisão, compara Geralda, a mulher que depende da boa vontade de parentes até para comprar um simples cosmético. “A gente fica preso no quarto. Se sai, há horário para voltar. Eu gostava da minha casinha, onde tinha as coisinhas da gente. Aqui não temos liberdade para nada”, constata.
Valdemar, que morava sozinho em Bento Rodrigues e agora divide com outro desalojado um quarto de hotel, reclama da falta de privacidade: “Esse negócio de toda hora apertar o interfone para entrar no hotel é difícil. Lá em casa, em Bento Rodrigues, as portas ficavam abertas o dia inteiro. A meninada entrava correndo pela da sala e saía pela da cozinha”. O auxiliar de topografia Carlos Arlindo dos Santos, de 33, é outro que não consegue se adaptar ao quarto de hotel e à perda da autonomia. “Não tenho liberdade nem para receber os amigos. Temos horário para visitas, como numa prisão.”
Até a sexta-feira, a Samarco havia transferido 115 famílias para imóveis alugados. “A empresa se comprometeu a aumentar o número de famílias transferidas a cada semana, de 25 para 50”, disse o promotor Guilherme Menghin, autor da ação que bloqueou R$ 300 milhões da conta bancária da mineradora para ser usados no reparo aos danos. Segundo o promotor, todas as casas precisam ser entregues com mobília.
A despesa com energia elétrica será custeada pelos moradores. Muitos vão usar o auxílio mensal para bancar a fatura. Mas o cartão para sacar o dinheiro é outra reclamação. Geralda da Penha, que ganhava a vida como babá, está na bronca. “Quando eu precisava de algo, tinha meu dinheirinho. A aposentadoria do meu marido era para outras despesas. Agora, tenho que ficar pedindo dinheiro a ele”, diz, referindo-se ao marido, Osvaldo de Almeida, com quem divide a rotina no hotel juntamente com a mãe, Rosa Gomes. O aposentado José do Nascimento de Jesus também aguarda o auxílio. “Não falaram para a gente quando vai chegar. Eu fazia bico de pedreiro e carpinteiro para completar a renda. O dinheiro faz falta. Difícil, né? Se eu quero comprar uma coisa, não posso. É ruim depender dos outros. Eu era feliz no Bento”.
José Emiliano, de 64, não disfarça a tristeza quando se lembra da vida de que foi arrancado no povoado. Lá, ele cultivava horta e cuidava de criações. “Eu não comprava legumes e verduras. Tinha galinhas. Vendia ovos. Agora vou ter que comprar tudo. E o valor do auxílio é baixo”, avalia. Os moradores reivindicam um mínimo de R$ 1,5 mil por família mais 30% por dependente. A Samarco ainda avalia a proposta.
ESPERANÇA Mas o que está ruim ainda pode piorar. A Samarco não deu garantia de que vai desembolsar uma quantia para que cada família recomece sua vida. Os moradores reivindicam o mínimo de R$ 10 mil. A mineradora, que em 2014 obteve faturamento de R$ 2,8 bilhões, se dispôs a pagar o valor desde que abatido de valores que eventualmente seja obrigada a pagar por dano moral e material a cada família, por meio de negociações que serão abertas em fevereiro de 2016.
O valor mínimo para que as famílias recomecem a vida é uma das cláusulas do termo de ajustamento de conduta (TAC) proposto pelo Ministério Público de Minas Gerais à companhia. O documento precisa ser assinado até quarta-feira, sob pena de o promotor Guilherme Meneghin arrastar as duas controladoras da Samarco – a brasileira Vale e a anglo-australiana BHP Billiton – para o processo principal que pede reparo aos danos.
"Se o TAC não for assinado, vou ajuizar a ação civil pública no dia seguinte", avisou o promotor, responsável pela liminar que bloqueou R$ 300 milhões da conta bancária da mineradora, há três semanas, como caução para garantir as obrigações financeiras da companhia. O TAC, avaliam as vítimas, é uma esperança para amenizar o sofrimento causado pela maior tragédia socioambiental do Brasil.
Enquanto isso...Samarco anuncia verba para ribeirinhos
Ribeirinhos de Minas Gerais e do Espírito Santo afetados pela lama da Samarco devem começar a receber, na sexta-feira, auxílio mensal da Samarco (R$ 788 por família, mais 20% por dependente e uma cesta básica). A quantia será destinada a pescadores e a quem ganhava a vida na extração de areia e pedras nos leitos atingidos. A mineradora anunciou ainda ter assinado termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público do Trabalho com o compromisso de não fazer dispensa em massa de empregados até 1º de março de 2016, bem como não rescindir contratos de prestação de serviços permanentes.
A casa de Sandra Quintão, de 43 anos, foi derrubada pelo tsunami de lama da Samarco. Abrigada num hotel, ela anseia que até a noite de Natal seja pelo menos pela transferida para um imóvel alugado: “A empresa não me deu essa garantia”, lamenta. A catástrofe também levou embora o emprego de Geralda da Penha Gomes de Almeida, de 57. Sem renda própria, a mulher agora depende da boa vontade de familiares até para comprar o creme de pele de que tanto gosta. “Não recebi o tal auxílio mensal”, queixa-se. Já Valdemar Martins, de 75, reclama da falta de privacidade:
“Eu morava sozinho e, agora, divido um quarto de hotel”.
Desde as 16h20 de 5 de novembro, quando houve o estouro da Barragem do Fundão, em Mariana, Sandra, Geralda, Valdemar e centenas de outros desalojados se tornaram reféns da incerteza e dos embates entre a mineradora e o Ministério Público. Os que continuam em hotéis precisam seguir as regras dos estabelecimentos. Diferentemente da vida que levavam até serem expulsos pela lama, agora têm horário para o café da manhã, almoço e jantar. Os que ainda não receberam o cartão com o auxílio mensal se veem obrigados a mendigar empréstimos de parentes e amigos.
Dona Sandra, a mulher que não pretende passar o Natal num quarto de hotel, sofre com a vida longe de Bento Rodrigues, o primeiro povoado devastado pela lama de minério. “Não sei quando vou sair daqui.” A sensação é de viver numa prisão, compara Geralda, a mulher que depende da boa vontade de parentes até para comprar um simples cosmético. “A gente fica preso no quarto. Se sai, há horário para voltar. Eu gostava da minha casinha, onde tinha as coisinhas da gente. Aqui não temos liberdade para nada”, constata.
Valdemar, que morava sozinho em Bento Rodrigues e agora divide com outro desalojado um quarto de hotel, reclama da falta de privacidade: “Esse negócio de toda hora apertar o interfone para entrar no hotel é difícil. Lá em casa, em Bento Rodrigues, as portas ficavam abertas o dia inteiro. A meninada entrava correndo pela da sala e saía pela da cozinha”. O auxiliar de topografia Carlos Arlindo dos Santos, de 33, é outro que não consegue se adaptar ao quarto de hotel e à perda da autonomia. “Não tenho liberdade nem para receber os amigos. Temos horário para visitas, como numa prisão.”
Até a sexta-feira, a Samarco havia transferido 115 famílias para imóveis alugados. “A empresa se comprometeu a aumentar o número de famílias transferidas a cada semana, de 25 para 50”, disse o promotor Guilherme Menghin, autor da ação que bloqueou R$ 300 milhões da conta bancária da mineradora para ser usados no reparo aos danos. Segundo o promotor, todas as casas precisam ser entregues com mobília.
A despesa com energia elétrica será custeada pelos moradores. Muitos vão usar o auxílio mensal para bancar a fatura. Mas o cartão para sacar o dinheiro é outra reclamação. Geralda da Penha, que ganhava a vida como babá, está na bronca. “Quando eu precisava de algo, tinha meu dinheirinho. A aposentadoria do meu marido era para outras despesas. Agora, tenho que ficar pedindo dinheiro a ele”, diz, referindo-se ao marido, Osvaldo de Almeida, com quem divide a rotina no hotel juntamente com a mãe, Rosa Gomes. O aposentado José do Nascimento de Jesus também aguarda o auxílio. “Não falaram para a gente quando vai chegar. Eu fazia bico de pedreiro e carpinteiro para completar a renda. O dinheiro faz falta. Difícil, né? Se eu quero comprar uma coisa, não posso. É ruim depender dos outros. Eu era feliz no Bento”.
José Emiliano, de 64, não disfarça a tristeza quando se lembra da vida de que foi arrancado no povoado. Lá, ele cultivava horta e cuidava de criações. “Eu não comprava legumes e verduras. Tinha galinhas. Vendia ovos. Agora vou ter que comprar tudo. E o valor do auxílio é baixo”, avalia. Os moradores reivindicam um mínimo de R$ 1,5 mil por família mais 30% por dependente. A Samarco ainda avalia a proposta.
ESPERANÇA Mas o que está ruim ainda pode piorar. A Samarco não deu garantia de que vai desembolsar uma quantia para que cada família recomece sua vida. Os moradores reivindicam o mínimo de R$ 10 mil. A mineradora, que em 2014 obteve faturamento de R$ 2,8 bilhões, se dispôs a pagar o valor desde que abatido de valores que eventualmente seja obrigada a pagar por dano moral e material a cada família, por meio de negociações que serão abertas em fevereiro de 2016.
O valor mínimo para que as famílias recomecem a vida é uma das cláusulas do termo de ajustamento de conduta (TAC) proposto pelo Ministério Público de Minas Gerais à companhia. O documento precisa ser assinado até quarta-feira, sob pena de o promotor Guilherme Meneghin arrastar as duas controladoras da Samarco – a brasileira Vale e a anglo-australiana BHP Billiton – para o processo principal que pede reparo aos danos.
"Se o TAC não for assinado, vou ajuizar a ação civil pública no dia seguinte", avisou o promotor, responsável pela liminar que bloqueou R$ 300 milhões da conta bancária da mineradora, há três semanas, como caução para garantir as obrigações financeiras da companhia. O TAC, avaliam as vítimas, é uma esperança para amenizar o sofrimento causado pela maior tragédia socioambiental do Brasil.
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Ribeirinhos de Minas Gerais e do Espírito Santo afetados pela lama da Samarco devem começar a receber, na sexta-feira, auxílio mensal da Samarco (R$ 788 por família, mais 20% por dependente e uma cesta básica). A quantia será destinada a pescadores e a quem ganhava a vida na extração de areia e pedras nos leitos atingidos. A mineradora anunciou ainda ter assinado termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público do Trabalho com o compromisso de não fazer dispensa em massa de empregados até 1º de março de 2016, bem como não rescindir contratos de prestação de serviços permanentes.