Faltando pouco mais de 15 dias para o Natal, vítimas do rompimento da Barragem do Fundão tentam enfrentar a dor causada pelo mar de lama que varreu povoados do mapa e se organizar para uma confraternização conjunta. O encarregado de obras Antônio Florêncio Lopes, de 40 anos, pretende reunir o máximo de moradores de Bento Rodrigues para que os remanescentes da comunidade celebrem juntos a noite natalina. “Não vai ser nada grande, nem de perto vai lembrar os anos anteriores em Bento, mas, quanto mais juntos estivermos, a chance de nos confortarmos é maior”, entende. Um desejo de superação invejável, especialmente para quem ainda ontem procurava por pertences soterrados pela lama, com a mulher, na comunidade que sumiu do mapa. O cunhado de Antônio, Weberton Arlindo dos Santos, de 35, também vasculhava escombros em busca de uma bolsa de documentos. Os dois já estão alocados em casas alugadas pela Samarco. Porém, nos hotéis, a tristeza é tão grande que alguns nem mesmo sabem se querem comemorar o dia 25 de dezembro.
Ajudado pela mulher, Keila Vardele, de 32, e pela filha Jennyfer, de 11, ele também procurava pertences em Bento Rodrigues, revolvendo a terra com uma enxada a cerca de 150 metros da casa em que morava. Foi onde foi parar uma geladeira e um guarda-roupas, reconhecidos por Weberton. “Depois de oito vezes, essa é minha última procura por restos da minha casa”, desabafou. O objetivo era encontrar a bolsa com documentos pessoais e dinheiro, que estava dentro do armário, semienterrado no meio de um lamaçal sem fim. “A única coisa que achei foi minha cachorrinha pinscher, que estava viva, mas só foi encontrada 20 dias depois de a barragem se romper. Ainda estamos meio sem saber o que vai acontecer. Mas Deus sabe o que faz”, disse ele, enquanto revolvia a lama a enxadadas.
HOTÉIS Os moradores que ainda seguem em hotéis de Mariana se dividem na hora de pensar no Natal. A tristeza por ter a vida confinada a um quarto e submetida a uma série de horários rígidos impede muitos de cogitar qualquer tipo de comemoração. É o caso da lavadora Maria Auxiliadora de Oliveira, de 54, que morava em Paracatu de Baixo com o marido. “Meu Natal sempre foi em casa, com meus cinco filhos, e em um grande almoço. Só conseguirei pensar nisso de novo quando Paracatu estiver reconstruído. Estou completamente sem cabeça e nem sei o que vai acontecer. É tudo muito triste”, desabafou.
O olhar de Aguinaldo Pereira, de 42, que era dono de um açougue em Bento Rodrigues, diz praticamente tudo sobre a situação que enfrenta. Ele espera que a Samarco o coloque em uma casa antes do Natal, para sair do confinamento do hotel com a mulher e os filhos Flávio, de 7, e Ana Beatriz, de 4. “No Natal, a gente sempre reunia vários parentes, e era isso que faríamos em Bento este ano. Se houver algum movimento para os moradores passarem juntos, vou querer participar, pois pelo menos o clima melhora um pouco. Hoje, fico perambulando pela cidade para ver se esqueço tudo o que aconteceu”, contou. Como já foi motorista, Aguinaldo começou a retomar contatos para voltar ao volante de um caminhão e recomeçar a tocar a vida. “A gente espera uma indenização para resgatar o próprio negócio”, completou.
As duas igrejas de Bento Rodrigues, subdistrito de Mariana mais devastado pela lama da Samarco, estão cercadas por tapumes de alumínio. O objetivo é proteger os locais durante a realização do trabalho de um grupo de arqueólogos, com base em um termo de ajustamento de conduta assinado entre o Ministério Público e a mineradora. O aposentado Raimundo Alves (foto), de 73, que perdeu tudo com o rompimento da Barragem do Fundão, era frequentador assíduo da Igreja de São Bento, praticamente soterrada pelo desastre, mas bem viva em sua memória. Ele lembra a posição de praticamente todas as imagens que faziam parte do acervo. “Aqui era o altar, ali do outro lado estão as duas pias batismais e lá na outra ponta ficava o São Benedito. Tinha também Santo Antônio, São Sebastião, Nossa Senhora Aparecida e São Bento. Eu rezava aqui de segunda a domingo, não falhava um dia. Aproveitei a passagem por aqui para rezar”, contou. Ao observar o cenário em volta, ele suspira por tudo o que já passou na comunidade onde nasceu e cresceu. “O que mais nos deixa tristes não são as perdas materiais, que estão embaixo dessa terra toda. Isso a gente reconstrói. O que mais incomoda é ver um lugar onde temos tantas boas memórias terminar deste jeito, completamente destruído”, completou.