Aimorés, Baixo Guandu e Governador Valadares – Antes do rompimento da Barragem do Fundão, em Bento Rodrigues, as águas poluídas em quase toda a extensão de sua bacia hidrográfica, considerada uma das mais contaminadas do país, e as matas que desapareceram para dar lugar sobretudo a pastagens eram as agressões lentas que o Rio Doce vinha sofrendo ao longo de seu curso, mas que ainda não o tinham tornado inviável. Mas depois da tragédia ambiental de Mariana, em 5 de novembro, a situação é de total desesperança.
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Visão do Rio Doce tomado pela lama choca passageiros do trem da Vale entre BH e Vitória Segundo Semad, barragens do Fundão e de Germano seriam unidasCondições precárias de atingidos em Mariana impressionam inspetores da ONUPesquisadores apontam concentração elevada de metais pesados ao longo do Rio DoceDilma reitera compromisso com recuperação do Rio Doce e punição dos culpadosAo passar pelo rio pela primeira vez, segunda-feira, em Ipatinga, no Vale do Aço, o estudante Pablo Martins de Barros, de 24 anos, já esperava ver um rio devastado, mas se surpreendeu com o tamanho da destruição. “A gente reconhece que não há preservação aqui no Brasil e depois que soube que a barragem tinha se rompido, minha expectativa já era ruim. Meus pais falavam que quando fizeram essa viagem, só o rio mesmo ainda era bonito, pois tinha muita devastação”, disse. O jovem, que foi com uma amiga até Governador Valadares, onde pegaria um ônibus para ir ao show do cantor Luan Santana, em Teófilo Otoni, no Vale do Mucuri, lamenta que o Rio Doce chame a atenção pela sua agonia e não pela sua conservação. “Disseram que a água era clarinha, mas hoje, com essa lama que desceu, todos estão interessados em ver o estrago e não a beleza. Mais um lugar onde destruíram tudo”, critica.
Na saída de Belo Horizonte, ao longo da Avenida dos Andradas, a visão do Ribeirão Arrudas com sua água negra segue com os passageiros até o encontro com o Rio das Velhas, entre Sabará e Santa Luzia, outro local que parece puro esgoto, depois de passar por áreas de periferia com casas humildes e cachoeiras de pedra com lixo estocado em margens e rochas.
A realidade vista dos trilhos da EFVM deixou entristecido o pedreiro Roberto Júnior de Lima, de 42, que saiu de Betim para Governador Valadares a passeio e era um dos que mal podia acreditar no que se transformou o Rio Doce. “O que me deixa triste assim é ver que tudo isso aconteceu por causa da ganância. Por causa do dinheiro. Assusta ver até onde o homem vai e por cima de quê é capaz de passar por causa de sua ganância. Não se importa com vidas, o rio representa vidas para nós.
Mais adiante, antes da Estação Dois Irmãos, em Barão de Cocais, o trem passa sobre uma cratera com a extensão de 145 campos de futebol. São sequências enormes de degraus que descem centenas de metros até o fundo da cava aberta e servem de via para vários caminhões fora de estrada que circulam trazendo o minério de ferro para ser carregado em vagões de carga. A visão impressiona e faz com que muitos passageiros se levantem de seus assentos para ver de perto a grandiosidade da mina de Gongo Soco, da Vale, e que faz parte de uma fazenda importante para a história de Minas Gerais.
Da vila construída pelos ingleses no início do século 18 sobraram ruínas e algumas edificações, poucas delas visíveis do alto da estrada de ferro. Um dos pontos que ainda se pode reconhecer no meio do mato e dos coqueiros do cerrado é o antigo hospital da vila dos ingleses, estrutura que podia comportar oito leitos e onde historiadores encontraram instrumentos médicos como antigas seringas e frascos. O complexo fica dentro da área da mineradora e não é aberto à visitação.
Ao longo dos trilhos da EFVM, outro ponto notável são os montes de minério que brilham ao sol e se acumulam no chão de terra e nos barrancos.
Mais dramas ao longo da viagem
Em Caeté, as montanhas recobertas de mata atlântica dominam a vista do Parque Nacional da Serra da Gandarela, já criado mas ainda não implantado. Na sequência, os trilhos acompanham o curso do Rio Piracicaba, entre ranchos de lazer e pesca e fazendas. A paisagem bucólica cede lugar aos fornos e prédios da Arcelor Mital, em João Monlevade, o que desperta pouco interesse dos passageiros. Depois de Ipatinga, onde o Rio Doce se une ao Rio Piracicaba, logo após o parque industrial da Usiminas, com inúmeros vagões carregados de bobinas de aço, as águas ainda impregnadas de lama causam o maior choque aos passageiros.
Em Governador Valadares, a exuberância da mata atlântica, cujo verde contrasta com as águas barrentas do rio, desaparece e dá lugar aos pastos para alimentar o gado bovino. A cidade, de pouco mais de 270 mil habitantes, ainda sofre com os problemas de abastecimento de água. A concentração de lama ainda é grande e as filas para a distribuição de água mineral são comuns em vários pontos do município.
O drama de quem ainda sofre com a lama que vazou da Barragem do Fundão acompanha os trilhos da ferrovia. Em Tumiritinga, as pastagens estão vazias. O gado foi removido e os fazendeiros cercaram os acessos ao rio barrento, para que os animais não bebam a água e adoeçam. Em Resplendor, cidade totalmente dependente da água do Rio Doce, os caminhões-pipa tentam atender a população.
Já em terras capixabas, o problema se mantém. Em Baixo Guandu, a captação de água foi interrompida no Rio Doce e hoje a população é abastecida pelo Rio Guandu.
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