A Prefeitura de Belo Horizonte pretende acabar no mês que vem com uma possibilidade de moradia utilizada com frequência pela população de rua da capital mineira, que traz risco extremo de vida para os próprios moradores. As pessoas estão usando os vãos entre a parte superior do túnel da Lagoinha, destinada aos carros, e a parte inferior, onde circulam os ônibus, para dormir e deixar pertences variados, mas o acesso é difícil e a altura combinada com o movimento de veículos cria um cenário propício para tragédias. A intenção da prefeitura é colocar grades no local e evitar a presença dos moradores de rua, justamente por conta do risco. A Pastoral de Rua da Arquidiocese de Belo Horizonte sustenta que esse é um ambiente histórico de moradia e que se há quem procure dormir em um ponto tão inusitado e perigoso é porque faltam opções mais humanizadas para garantir a superação da situação de rua na cidade.
Ontem, funcionários da PBH estiveram no túnel para avaliar as condições dos lugares habitados pelos moradores de rua e medir os espaços usados atualmente. O objetivo é obter informações para a construção de grades, que vão impedir o acesso. A população em situação de rua aproveita a opção de engenharia usada na transição entre a cobertura do túnel dos ônibus e o piso da parte de cima, destinada aos carros. As vigas e chapas de aço criaram espaços que se assemelham a pequenos caixotes. Em um dos lados do túnel, os 12 lugares têm um acesso mais fácil, porém, mesmo assim perigoso. As pessoas usam pequenas escadas e pedaços de madeira para transitar entre a parte de cima do túnel e as entradas dos caixotes. Já do outro lado, os outros 12 espaços ficam mais longe de onde é possível caminhar, portanto, ninguém ocupa esses lugares.
Veja os trabalhos da prefeitura no local
Participaram da ação da prefeitura técnicos da Secretaria Municipal de Políticas Sociais, Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), Coordenadoria Municipal de Defesa Civil (Comdec) e BHTrans. Como o acesso ao local é muito difícil, principalmente pelo trânsito intenso, a BHTrans precisou desviar o fluxo para a entrada de um caminhão da Sudecap equipado com um guindaste. Esse veículo levou dois trabalhadores até os caixotes, que tiraram as medidas necessárias para a produção das grades. A coordenadora do Comitê de Políticas para a População em Situação de Rua de Belo Horizonte, Soraya Romina, disse que a ação foi motivada por uma vistoria de 20 de outubro da Defesa Civil, que classificou a área como de altíssimo risco. “Isso significa dizer que se algum deles se desequilibrar, usar álcool ou drogas, perder a capacidade motora e cair, não tem saída que não seja a morte”, afirma.
A responsável por conduzir as políticas destinadas aos moradores de rua diz ainda que, verificadas essas condições, a prefeitura tem que agir e não pode permitir a presença naquele local. “Estamos preparando uma ação para entrega dos pertences que estão no túnel e também estamos com nossas equipes mobilizadas para oferecer todas as opções, como bolsa-família, abrigos, retorno às atividades e cidades de origem e contato com a família. Se não quiserem sair da rua, eles têm esse direito, mas não podem permanecer nos vãos do túnel”, completa. A expectativa dos técnicos da prefeitura é que em cerca de um mês já seja possível começar a instalar as grades. A reportagem conversou com um morador de rua que lavava roupas em uma mina de água dentro do túnel. Ele disse que costuma dormir em outros lugares, mas conhece a maioria das pessoas que dormem nos caixotes. “Realmente é muito perigoso, já teve gente que caiu. Mas eu não acredito que as grades vão resolver. Assim que a prefeitura esquecer do túnel, elas serão retiradas pelos moradores”, afirma Luciano de Souza, de 40 anos.
A educadora social da Pastoral de Rua da Arquidiocese de Belo Horizonte, Claudenice Rodrigues Lopes, diz que, historicamente, os vãos do túnel da Lagoinha são usados pela população em situação de rua. Ela concorda que falta de segurança e acredita que é importante minimizar os riscos, mas chama a atenção para a falta de espaços mais adequados, capazes de absorver a demanda que ocupa o túnel hoje. “Se elas ficam nesses lugares tão inusitados que a gente nem imagina é porque faltam espaços de acolhimento mais humanizado na cidade. A prefeitura tem investido muito na regulação e controle do espaço urbano, mas falta investimento em condições que possibilitem a superação da condição de rua, que não sejam apenas paliativas e emergenciais”, afirma Claudenice.
Soraya Romina reconhece a necessidade de ajustes na estrutura disponibilizada pela prefeitura, principalmente na quantidade de pessoas que dormem em albergues, por exemplo, mas destaca que as 1,1 mil vagas em abrigos, repúblicas e albergues são muito expressivas e que a estrutura principal deve ser mantida. “Temos um albergue onde dormem 400 homens por noite. De fato, em um espaço menor as pessoas podem ser tratadas mais nas suas individualidades, tendo mais condições de superar a condição de rua”, completa.