“De morador de rua a poeta.” É com essa frase que Roberto Nascimento, um valadarense de 51 anos, resume o enredo da própria vida. O vício em crack o fez perder a família, os amigos de infância, o emprego, a autoestima e o sorriso. A vontade de vencer o vício e o contato diário com a literatura lhe devolveram a alegria. “Fui um sem-teto até fevereiro passado. Agora, ganho a vida negociando meus livros”, conta, orgulhoso, o autor de O poeta ambulante I e O poeta ambulante II – cada um custa R$ 5.
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Defesa Civil alerta para possibilidade de chuva forte em Belo Horizonte e região metropolitanaCasas que ficaram de pé em Bento Rodrigues viram alvo de ladrõesRepresentantes dos comitês integrantes da Bacia do Rio Doce visitam área da tragédiaCâmara de BH aprova projeto que institui Rua Literária na SavassiCasa em BH vai acolher filhos de usuárias de drogas de até 1 anoRoberto deixou Governador Valadares, na companhia da mãe e de três irmãos, quando criança. A família morou em bairros da Região Leste de BH, onde o rapaz estudou até a sexta série, se casou e teve três filhos. Já adulto, conheceu o crack. Logo se tornou um viciado. E seu casamento, de 20 anos, não resistiu aos problemas causados pela dependência da droga.
“Para bancar o consumo do crack, vendi até os aparelhos de celular dos meus filhos. A esposa me largou. Foi com as crianças – tenho duas meninas e um rapaz – para Salinas (Norte do estado). Já eu fui para a rua”, recorda. A droga também não lhe poupou o emprego de pedreiro. Foram dias e noites difíceis. “Fiquei debaixo de marquise por quase dois anos e meio.
Em 27 de fevereiro de 2013, numa abordagem policial, um sargento me disse que duas ou três pessoas, em cada 100 viciados, conseguem largar o crack. Daí eu pensei: ‘Sou um desses dois ou três’. O policial me levou para o programa SOS Drogas”. Amparado por especialistas, Roberto foi encaminhado ao Centro Mineiro de Toxicomania (CMT). E começou a frequentar a unidade do Bairro Cruzeiro do centro de referência em saúde mental (Cersam), cujo objetivo é ajudar o paciente a reconstruir a vida.
Viagens Foi lá que o valadarense começou a ter contato com a poesia. Das viagens da droga, ele passou a viajar nos textos de Gonçalves Dias (1823-1864) e Castro Alves (1847-1871). “Também nos de Vinícius de Moraes (1913-1980). Estudei apenas até a sexta série, mas sempre gostei muito de ler”, conta o rapaz, que começou a criar e a declamar versos. Os profissionais do Cersam o estimularam a publicar a primeira obra, concluída em 2014. A segunda foi lançada há poucos meses.
Uma das poesias tem a Lagoa da Pampulha, cartão-postal da capital, como pano de fundo. Batizado de O pato rodou, o texto sugere um final infeliz: “Eu fiquei imaginando/ O mistério da natureza/ Aquele pato nadando/ Quanta clama e sutileza/ Me lembrei do jacaré/ Me bateu uma tristeza”. Ele recorreu à fauna para outra poesia: “Tico-tico no fubá/ Sabiá na laranjeira/ Tartaruga tracajá/ Maritaca bagunceira/ A preguiça lá está/ Dormindo a tarde inteira”.
O texto foi batizado de Bichos do Mato, nome que faz Roberto se lembrar da época em que morava na rua: “Certa vez, fiquei 16 dias sem tomar banho. Parecia um bicho. Eu não aguentava o meu próprio cheiro. Usei a mesma cueca. Quando tomei banho, no terminal rodoviário de Belo Horizonte, fiquei assustado com a cor da água”.
Roberto agora trabalha em um novo projeto. Estimulado pela atriz, cantora, contadora de história e professora de literatura Jhê Delacroix, ele planeja publicar uma coletânea de cordel no próximo ano. “Percebi que ele tem tino para o cordel. Os cordelistas estão cada vez mais raros nos grandes centros urbanos”, conta a professora de literatura do Cersam.
Jhê adianta que o trabalho terá como tema a visão de um homem sobre o universo feminino, levando-se em conta os movimentos sociais. “É a visão dele, como homem, sobre o universo feminino, assim como o que as mulheres querem hoje em dia”, reforçou a professora.