"Dois por R$ 20. Mas só se levar agora, freguês!" – anuncia, com estardalhaço, o vendedor de travesseiros numa esquina da Rua Padre Pedro Pinto, em Venda Nova, em Belo Horizonte. Bom de conversa, ele diz que o seu produto vem de “fábrica”, tem qualidade e é muito mais barato do que em qualquer loja do ramo. Uma moradora do bairro apalpa a embalagem, examina em segundos a capa desenhada e aceita a oferta do camelô. “Parece legal, está tudo tão caro... Esses dois estão mais em conta”, afirma a mulher sob o olhar cúmplice do noivo. A voz do ambulante se mistura à de outros e se torna um grande coro na movimentada via da região, onde, às vésperas do Natal, sobra pouco espaço entre os estabelecimentos comerciais e a rua para a população andar. Em outros cantos da capital, inclusive no Centro, de onde os ambulantes haviam sido banidos (leia memória), é pública e notória a invasão dos camelôs vendedores de canecos térmicos e roupas, passando por eletrônicos e peças de decoração sem um pingo de origem artesanal.
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Reunião discute ação de camelôs no Centro de BHCamelôs aproveitam brecha e falta de fiscalização e invadem as estações do MoveLojistas reclamam do aumento de camelôs infiltrados entre hippies no Centro de BHCamelôs invadem polos regionalizados de Belo Horizonte e atuam livrementeNúmero de camelôs aumenta e desafia fiscalização no Hipercentro de BHGuarda Municipal vai combater camelôs que atuam em BHNa Praça Sete, no Centro, hippies e índios estão autorizados a vender artesanato, nos quarteiros fechados, com base numa liminar de 2012 e numa portaria de 28/11/2015, estipulando os locais nas regionais Barreiro, Centro-Sul, Nordeste, Noroeste, Oeste e Venda Nova. Mas debruçados sobre os tapetes, espalhados pelo chão, encontram-se também ambulantes com mercadorias nitidamente industrializadas. “Este caneco térmico por apenas R$ 10 está barato”, comenta um homem ao lado da mulher, ao escolher um com o escudo do seu time. Numa carrocinha, adesivos para unhas custam R$ 2 ou três por R$ 5.
No último domingo antes do Natal, a Feira de Artesanato da Avenida Afonso Pena tinha gente saindo pelo ladrão. Aproveitando a quantidade de compradores, dezenas de artesãos não cadastrados pela PBH ofereciam objetos artesanais, muitos criativos e de qualidade.
De acordo com o Código de Posturas de BH, no artigo 118, “fica proibido o exercício de atividades por camelôs, toreros e flanelinhas em logradouros públicos”. A infração implica multa de R$ 700 e apreensão imediata. O diretor da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL-BH) e presidente do Conselho da Savassi, Alessandro Runcini, os camelôs e toreros “nunca são bem-vindos, pois fazem uma concorrência desleal com os comerciantes que pagam impostos, aluguel e funcionários”. Ele explica que, no período natalino, os ambulantes aparecem em maior número nas vias públicas a exemplo de pedintes e população de rua.
Roupas íntimas, camisas do time do coração, tranças de cabelo sintético adornadas com pérolas falsas, brinquedos, óculos escuros, rádio, CDs e DVD, celular e carregadores dos aparelhos telefônicos, cigarros, peças tipo “camisa” para cachorro e uma infinita variedades de mercadorias estão nas bancas dos camelôs. São tantos ambulantes que algumas lojas tradicionais chegam a pôr carrinhos de compras enfileirados, na frente do estabelecimento, para demarcar seu território. Outras se valem de cavaletes ou fitas presas em cones. “Acho que perderam o controle. Os camelôs tomaram novamente conta da rua, então fica desse jeito”, diz a vendedora de uma loja. Ela confirma que os fiscais da PBH estiveram no local, no sábado pela manhã, e fizeram uma blitz apreendendo muitos produtos.
Presença por toda parte
Equipes da Polícia Militar e Guarda Municipal circulam na Rua Padre Pedro Pinto, onde os camelôs são presença marcante, mas os ambulantes não se sentem incomodados. “Aumentou muito o número de vendedores nos últimos dias, mas sábado tem sempre mais. Neste Natal, com esta crise, duplicou o tanto de gente vendendo”, comenta uma vendedora. Ela “jura” que está há muito tempo na área e acredita que haja lugar para todo mundo.
Se as calçadas estão apinhadas de ambulantes nesses dias, a presença deles poderá aumentar mais com a crise e o reforço de ambulantes de outros estados. Um camelô que bate ponto em frente a um shopping na Padre Pedro Pinto diz que é esperar para ver: “Sempre, antes do Natal, começam a chegar camelôs do Rio de Janeiro (RJ) e São Paulo (SP).
Em outras regiões da capital, a venda clandestina corre solta. No Bairro União, na Região Nordeste, camelôs aproveitam o movimento da saída do metrô, de um shopping e de uma grande loja para vender óculos, panos de prato, calcinhas, aventais de plástico, bonecos pendurados num varal, capas de celulares e carregadores, entre outros artigos. A esse comércio se associam churrasqueiros, vendedores de água mineral, mulheres muito idosas, que se locomovem com dificuldades para montar um tabuleiro de balas e outros homens e mulheres.
A PBH, via Secretaria Municipal Adjunta de Fiscalização (Smafis), informa que “a fiscalização abrange os vendedores licenciados e os irregulares (camelôs e toreros) e é realizada rotineiramente com plantões fixos e monitoramento por equipes móveis em pontos-alvo para essa prática, de acordo com o planejamento de cada regional, além de atendimento às demandas do cidadão”. E mais: “Outra importante ação da PBH é o projeto Fiscaliza BH. Equipes percorrem vias das nove regiões diariamente para combater a poluição visual, a sujeira e a obstrução do logradouro público. A Secretaria de Fiscalização também faz um trabalho integrado com o Centro de Operações da Prefeitura (COP-BH), com o monitoramento da cidade identificando todas as ocorrências que demandam intervenções das instituições integradas”.
Código da proibição
Na década de 1990, houve uma “explosão” da atividade de camelôs e toreros nas ruas e avenidas do Centro de Belo Horizonte. O cenário era parecido com um mercado persa, com gente de todo canto vendendo seus produtos de forma clandestina. Entre 1998 e 2002, a Prefeitura de BH cadastrou tais ambulantes a fim de transferi-los para locais adequados, como shoppings populares.