Um pensamento dividido, que flutuou, foi várias vezes a Bento Rodrigues antes de retornar às celebrações natalinas em Mariana, onde muitos tentavam afastar os ecos da tragédia de 5 de novembro e encontrar motivos para sonhar com um futuro melhor. Essa foi a tônica das festas nos novos lares de grande parte das 355 famílias desalojadas pelo rompimento da Barragem do Fundão. Mesmo vencida a brutalidade da forma como foram arrancados de casa e ainda que uma calmaria comece a se instalar para as cerca de 900 pessoas reassentadas em casas alugadas, o Natal foi um momento de muitas lembranças. Memórias de um tempo bom, de união, das conversas de fim de tarde embaixo de árvores frondosas e de coisas simples, como o cuidar da horta, das galinhas e do gado em uma comunidade que hoje só existe na memória dos sobreviventes. Por isso mesmo, o grande presente com que a maioria sonha talvez seja ganhar Bento Rodrigues de volta.
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Dúvidas sobre presença de metais na Bacia do Rio Doce impõem precauçãoIndenizações trazem alívio para famílias de Mariana na véspera de NatalEsperança e união marcam celebração do Natal de famílias atingidas por barragem em MarianaAcordo com a Justiça garante moradia e renda para vítimas de MarianaFim de 2015 está longe de encerrar desdobramentos da tragédia de MarianaSamarco diz que Barragem do Fundão não será reconstruída“Não temos do que reclamar. Estamos vivos. Mas se esta festa hoje fosse no Bento, a gente estaria dançando, brincando uns com os outros, numa alegria imensa”, contou uma das filhas de dona Efigênia, Conceição Aparecida Gonçalves, de 34, que levou uma torta de frutas para ceia. Ela lembra que, por lá, o Natal era assim: “A gente fazia a ceia em casa, todo mundo comia e depois as pessoas saíam visitando os vizinhos, parentes e amigos. Levávamos um doce ou um pedaço do ‘assado’ e também éramos presenteados”, disse. A mãe completa a frase de Conceição: “Aqui, a gente não conhece ninguém”.
Ontem, outra tradição foi mantida por famílias que deixaram o povoado e outras localidades de Mariana e Barra Longa afetadas pela enxurrada de lama. Como nem todos têm o costume de fazer a ceia na véspera do dia 25, a manhã foi de preparação em muitas cozinhas das casas alugadas pela mineradora Samarco para abrigar as vítimas da tragédia, antes hospedadas em hotéis de Mariana. Logo cedo, crianças já estreavam brinquedos, muitos deles enviados pela solidariedade alheia, e se divertiam com parentes reunidos para o almoço de Natal. Até para os pequenos, ver parte da família novamente reunida conforta o coração.
A VOLTA DA ALEGRIA
Para a menina Ketelly Natielly dos Santos, de 9 anos, que também precisou sair às pressas de Bento Rodrigues e hoje mora com os pais em um apartamento alugado na Rua Cônego Marcial Muzzi, em Mariana, o Natal trouxe de volta a alegria de brincar. “Ganhamos presentes.
Primos dela, Vitório Augusto dos Santos e Fabrício Liquesley dos Santos, ambos de 12, e Júlia Gabriele dos Santos, de 9, também brincaram com os presentes que ganharam. Os meninos receberam das mãos de um Papai Noel voluntário, da cidade de Santa Bárbara, na Região Central, duas bolas de futebol, enquanto Júlia ganhou um kit de maquiagem e uma corda. Mas a felicidade estampada no rosto das crianças também esbarra na tristeza da tragédia. “Se fosse possível, queria que as pessoas que perderam seus parentes pudessem tê-los de volta”, disse Vitório. Na casa das crianças, foi organizado churrasco no lugar das comidas típicas de Natal, e ontem todos esperavam por um delicioso almoço.
Mesa farta, mas com muitas cadeiras vazias
Das 355 famílias desalojadas por causa da tragédia, a Samarco informou ter realojado 351 em casas alugadas ou residências de familiares, o que soma 908 pessoas já transferidas. Para as quatro famílias ainda hospedadas em hotéis de Mariana, que somam oito pessoas, a mineradora organizou uma ceia de Natal no Restaurante Casarão Grill, no Centro da cidade colonial. Porém, o cardápio, que incluía peru, pernil, chester e arroz à grega, além de pudim e outras iguarias, só foi apreciado por três moradores desalojados de suas casas, que levaram dois acompanhantes. A permanência em hotéis é uma opção dos atingidos, que devem ir para casas ainda em janeiro.
Um deles é o pedreiro Tcharle do Carmos Batista, de 23 anos, que na segunda-feira começa a procurar uma moradia para ele, a mulher e o filho, de 8 meses.