Belo Horizonte fecha o ano de 2015 travando uma guerra contra um antigo adversário – o mosquito Aedes aegypti. Mas, como se já não bastasse o fato de os casos de dengue terem mais do que quintuplicado em relação ao ano passado, saltando de 3.307 para 15.645, a cidade se vê diante de uma nova ameaça: a circulação do zika vírus, que é transmitido pelo mesmo mosquito e já é realidade no Nordeste do país. A relação do agente infeccioso com a microcefalia – que é a diminuição do perímetro cranioencefálico dos bebês – e com a síndrome de Guillain-Barré, que leva à paralisia dos músculos, já foi confirmada pelo Ministério da Saúde. A situação levou a União a determinar vistorias em 100% dos imóveis do país para eliminar criatórios do inseto. Em BH, o risco de epidemias culminou na decretação de estado de emergência para a infestação do mosquito. Um grupo formado por vários setores da administração municipal pretende varrer as áreas mais sensíveis da cidade, para evitar que surtos como o de microcefalia no Nordeste cheguem à capital mineira. Porém, apesar da mobilização, o trabalho será árduo, já que até mesmo prédios públicos sofrem com pontos de acúmulo de água, condição fundamental para a reprodução do transmissor.
ABANDONO Na Região Leste da cidade, a Estação José Cândido da Silveira, localizada no Bairro Santa Inês, é uma importante porta de entrada de pessoas que vêm da Região Nordeste do país, onde se concentra a maior incidência da microcefalia. Apesar de ser um ponto sensível, a aproximadamente um quilômetro da estação há potencial foco do mosquito. Trata-se de um veículo abandonado há mais de seis meses na Praça Coronel Assis Duarte. Com vidros quebrados, sem algumas portas e rodas, o veículo chama a atenção dos moradores, que temem que, com a chegada das chuvas, ele se torne mais um criadouro do Aedes aegypti. “Como o antigo dono da casa foi para os Estados Unidos e não tirou o carro, o novo morador o deixou aí”, relata Frederico dos Santos Vieira, dono de uma padaria localizada na mesma praça.
A pouco mais de dois quilômetros da estação, no cruzamento entre a avenida Itaituba e a Rua Pirassununga, um terreno baldio se transformou em um grande bota-fora de lixo e entulho. Lá é possível ver sofás e todo tipo de móveis, assim como pneus, baldes e vasilhas que acumulam água da chuva. Isso sem contar os próprios buracos do terreno, que também formam poças. Em frente a esse local está a Escola Municipal Padre Francisco Carvalho Moreira, cujos alunos ficam expostos às doenças transmitidas pelo mosquito.
Estado investiga doença paralisante
Depois do alerta disparado pelo surto de microcefalia no Nordeste e sua relação com o zika vírus, outra enfermidade que também tem relação comprovada com o zika fez pelo menos uma vítima em Minas Gerais. Um jovem de 16 anos foi diagnosticado com a síndrome de Guillain-Barré, problema neurológico que leva à paralisia dos músculos e pode até matar. O caso, ocorrido em Pedra Bonita, na Zona da Mata mineira, ainda não foi oficialmente notificado, segundo a Secretaria de Estado de Saúde (SES), apesar de a Gerência Regional de Saúde de Manhumirim (Zona da Mata) ter sido comunicada pela Casa de Caridade de Carangola, onde o adolescente foi atendido, para solicitar a medicação de alto custo.
A enfermidade representa mais uma ameaça atribuída ao mosquito Aedes aegypti por meio da transmissão do zika vírus, que em 2015 atormentou as autoridades de saúde de todo o país e também de Minas Gerais. Apesar de não ter sido notificada, a SES garante que é necessário investigar esse tipo de diagnóstico, justamente para saber se existe associação com o micro-organismo. O jovem deu entrada na Casa de Caridade de Carangola em 18 de dezembro e relatou que teve paralisia nas pernas, que irradiou para o quadril, braços e pescoço. Porém, com a administração da medicação indicada, ele conseguiu recuperar os movimentos e passa bem.
Força especial contra o vetor
Na luta contra o Aedes aegypti, este mês foi marcado pela decretação de estado de emergência em Belo Horizonte devido à infestação do mosquito. A Prefeitura de BH teme que o inseto possa causar uma epidemia de dengue e de zika vírus. Entre as linhas de combate traçadas pelo grupo criado pela administração municipal e coordenado pela Defesa Civil está a parceria com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) para convocar proprietários de casas fechadas e de lotes vagos que não forem limpos. A intenção é trabalhar com três pilares nos próximos seis meses, data de vigência do decreto de emergência: comunicação, mobilização e ampliação da força operacional.
Na vertente da comunicação, o objetivo é usar painéis de trânsito, visores do Move, o telefone 156 da prefeitura e faixas de pano nos bairros com maior infestação do mosquito da dengue, chikungunya e zika para veicular a necessidade de eliminação dos criatórios. No pilar da mobilização, a intenção é agregar as lideranças religiosas e entidades de classe para disseminar as informações necessárias ao combate do Aedes aegypti. Por fim, a capacidade operacional será ampliada. Agentes de saúde que vistoriam as casas ganham a companhia de funcionários da Defesa Civil e guardas municipais. A Superintendência de Limpeza Urbana (SLU) vai aumentar o número de veículos e trabalhadores nas ações de limpeza.
A Secretaria Municipal de Saúde da capital mineira destaca que em 2015 foram mais de 4 milhões de visitas domiciliares feitas pelos agentes de combate a endemias até o mês de novembro, 173 mutirões de limpeza até 23 de dezembro e 286 ações de mobilização das comunidades.
Já a Secretaria de Estado de Saúde afirma que em 2015 revisou as diretrizes para o enfrentamento de dengue, chikungunya e zika e fez seminários em todas as unidades regionais de saúde, orientando os municípios sobre como se preparar para o período de infestação. Houve repasse de R$ 36 milhões para ações de controle do vetor e em novembro foi lançada a campanha “10 minutos contra a dengue”, que convida cada cidadão a tirar 10 minutos por semana para vistoriar a própria casa em busca de criatórios do mosquito. A estimativa da prefeitura dá conta de que 86% dos criatórios na capital estão dentro das residências.
VISTORIAS
Sobre as situações levantadas pela reportagem nas ruas da capital, a Secretaria Municipal de Saúde informou que a retirada das carcaças de veículos das ruas da cidade está prevista em lei e envolve atuação da SLU. Quando necessário, é feito o tratamento contra o vetor da dengue, chikungunya e zika, com aplicação de biolarvicida. Sobre o terreno localizado na esquina da Avenida Itaituba com a Rua Pirassununga, o local é considerado um ponto estratégico. É vistoriado de 15 em 15 dias e tratado conforme a demanda. A secretaria está estudando ações para diminuir ou solucionar os problemas do local.
Por fim, o prédio do Ipsemg está sendo reformado e, segundo a pasta, é vistoriado frequentemente para identificar focos do mosquito. O local chegou a ser considerado ponto estratégico durante alguns meses, até que todas as solicitações de controle ambiental fossem atendidas. Neste mês foram três vistorias, atendendo a pedidos pelo telefone 156 (GP).
Prontuário
Os números das ameaças que voam com o Aedes
Casos de dengue confirmados em Minas
2014
49.360
2015
147.657 (até 21/12) +199%
Casos de dengue confirmados em BH
2014
3.307
2015
15.645
(até 21/12) +373%
Casos de microcefalia notificados que podem ter relação com zika vírus no Brasil *
2.782
Casos de microcefalia notificados que podem ter relação com zika vírus em Minas
52
Casos de microcefalia notificados que podem ter relação com zika vírus em BH
13
*As notificações de microcefalia começaram a ser obrigatórias a partir de 11 de novembro, segundo portaria do Ministério da Saúde, devido à circulação do zika vírus no Nordeste e ao surto da malformação cranioencefálica
Fonte: Ministério da Saúde, Secretaria de Estado de Saúde e Secretaria Municipal de Saúde