“Vamos informar o histórico da construção, quem morou nela e quando foi tombada. Foram dois anos de intensa pesquisa para levantar as histórias ao longo da Rua da Bahia. A ideia é ligar os dois circuitos, da Praça da Estação ao eixo da Praça da Liberdade”, adiantou o arquiteto urbanista Leônidas Oliveira, presidente da Fundação Municipal de Cultura, acrescentando que os totens têm assinatura da designer Mariana Hardy, filha do arquiteto Álvaro Hardy, o Veveco (1942-2005).
As peças vão revelar curiosidades tanto sobre edificações que foram jogadas ao chão e deram lugar a arranha-céus quanto sobre aquelas que resistiram ao tempo. É o caso do imóvel onde hoje funciona o Centro de Referência da Moda de BH, na esquina com a Avenida Augusto de Lima. Erguida em 1914, a construção neogótica, em estilo manuelino, já abrigou a Câmara Municipal, uma biblioteca, a escola de arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o museu de mineralogia Professor Djalma Guimarães e a primeira rádio da cidade, a Mineira.
“A Rua da Bahia é o epicentro onde as primeiras ideias modernistas ocorreram, na década de 1920. São os espaços onde escritores como Carlos Drummond de Andrade, Pedro Nava, entre outros, se encontravam para discutir poesia, literatura...”, conta Marconi Drummond, um dos curadores da mostra Horizonte Moderno, no Centro Cultural do Minas Tênis Clube.
A exposição traz um recorte da histórica cultural da cidade, entre as décadas de 1920 e 1940, e ocorre até 14 de fevereiro – a entrada é franca. As fachadas de alguns imóveis foram pintadas em duas grandes peças de acrílico. Um deles é a do Parc Royal, entre a Avenida Afonso Pena e a Rua Goitacazes.
A construção, projetada por Luís de Morais, foi erguida, em 1921, para abrigar a casa da moeda mais sofisticada da capital. A edificação conta com elementos do art nouveau. “É uma das poucas edificações que restaram daquela época”, acrescentou Marconi, que é primo em segundo grau do poeta mais famoso de Itabira.
MEMÓRIA Vários imóveis ao longo da Rua da Bahia que entraram para a história como palco de encontro de intelectuais mineiros, na primeira metade do século passado não fazem mais parte da paisagem. A lista é grande e inclui bar, cafeteria, livrarias, teatro e cinema. Muitos deram lugar a arranha-céus.
O Hotel Othon Palace, cuja entrada principal é pela Avenida Afonso Pena, foi erguido onde funcionava o tradicional Bar do Ponto, que recebeu esse nome por ter sido montado em frente às paradas de bondes.
O poeta Carlos Drummond de Andrade costuma dizer que o lugar “era um jornal vivo”. O estabelecimento, inaugurado na primeira década do século passado, foi fechado em 1940. Já o imóvel foi derrubado em 1959.
Lá perto funcionou o Café Estrella, que vendia mais cerveja do que a bebida feita com o pó marrom. Era ponto de encontro dos modernistas mineiros. Muitos clientes diziam que o Estrella, na verdade, era uma confraria. Também não existem mais o Teatro Municipal, na esquina com a Goiás, e o Bar Trianon, na mesma altura do corredor.
“Vamos contar a história do teatro, do cinema... Também do prédio que abriga a Academia Mineira de Letras. Muita gente passa em frente e não sabe que lá é a academia. Vamos mostrar que a Rua da Bahia é um dos símbolos da capital”, reforça o presidente da Fundação.
Entre samba e cerveja
Um dos sambas que entraram para a história de BH foi composto num dos extintos cafés frequentados por artistas mineiros. Há 55 anos, durante uma rodada de cerveja no Estrella, Gervásio Horta, de 77 anos, mostrou ao amigo Rômulo Paes, (1918-1982), autor da célebre frase “Minha vida é esta: subir Bahia, descer Floresta”, os primeiros versos de A Rua da Bahia.
"Eu havia escrito: ‘Êêêê Maria.../ Tá na hora de ir para Rua da Bahia.’. Daí, ele pegou o papel da minha mão e me disse: ‘Não é nada disso’. Dois dias depois, o Rômulo me entregou o papel, acrescentando os seguintes versos: ‘Ai seu moço, que saudade do meu Colosso/ A boia era 2 mil réis/ E o grande hotel dos coronéis”.
Colosso era um restaurante famoso. Ficava perto do Grande Hotel, na esquina com a Augusto de Lima, onde se hospedavam visitantes ilustres. O imóvel deu lugar ao condomínio Maletta. Gervásio acrescentou outros versos à canção: “As águas já rolaram na Rua da Bahia/ Mais que em Três Marias/ Ai que bom, um chope no Trianon/ Carnaval não havia ciúmes nas batalhas de lança-perfume”.
O Trianon era o reduto de muitos boêmios. O estabelecimento vivia cheio na época em que a usina de Três Marias, na cidade homônima, foi inaugurada pela Cemig. A música estourou no Carnaval de 1962.