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Estado de Minas

De Mariana, em Minas, a Linhares, no Espírito Santo, tragédia prejudica o turismo

Comerciantes, artesãos e guias mineiros reclamam da baixa presença de visitantes desde o rompimento da Barragem do Fundão em Mariana. No Espírito Santo, donos de pousadas enfrentam mesmo drama


postado em 03/01/2016 11:00 / atualizado em 03/01/2016 08:42

O artesão Ari Nunes reclama que, sem a presença dos turistas, vende no máximo uma peça por semana(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
O artesão Ari Nunes reclama que, sem a presença dos turistas, vende no máximo uma peça por semana (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)

Mariana  – Quase dois meses após o rompimento da Barragem do Fundão, da Samarco, a lama de rejeitos impacta o turismo na primeira cidade de Minas Gerais, apesar de a destruição ter passado a dezenas de quilômetros da sede do município, onde estão as construções históricas e os principais atrativos. “Em dois meses vendi o que venderia em apenas uma semana”, compara o proprietário da Arte do Carmo, Paulo Sérgio Gomes, que comercializa joias em uma esquina da Praça Minas Gerais, em frente aos principais tesouros do barroco da cidade, as igrejas de Nossa Senhora do Carmo e de São Francisco de Assis.

Paulo está fechando as portas da loja às 15h30, quando na mesma época do ano passado encerrava o expediente depois das 19h. “Tem dia que não aparece ninguém”, lamenta. Além do turismo fortemente impactado, outra preocupação que aflige os marianenses é a paralisação das atividades da Samarco, já que mais de 80% da arrecadação vem da extração mineral e a empresa, ao lado da Vale, é a principal fonte de arrecadação da cidade.

A família Wollinger, de Presidente Getúlio, em Santa Catarina, decidiu manter a viagem, mesmo após o desastre que matou 17 pessoas e deixou duas desaparecidas, impactando principalmente o distrito de Bento Rodrigues. “Pensamos que a cidade estaria afetada, mas decidimos manter, pois também visitaríamos Ouro Preto”, explica o gerente de produção Gerson Luiz Wollinger. “Mas não vi nada de anormal. Aliás, achei a cidade muito limpa e bem cuidada”, observou Gerson, que viajou com a esposa e os dois filhos.
A família Wollinger saiu de Santa Catarina para conhecer as cidades históricas de Minas e foi até Mariana(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
A família Wollinger saiu de Santa Catarina para conhecer as cidades históricas de Minas e foi até Mariana (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)

Nos hotéis da cidade o impacto foi menor, principalmente em novembro, pois mais de 200 famílias desalojadas dos distritos ficaram hospedadas até a Samarco alugar as casas onde estão morando. Porém, para o guia de turismo Eduardo Rodrigues, que está na atividade há 25 anos, houve dias em que não atendeu nenhum turista, ao contrário de épocas boas, quando chegava a explicar os detalhes das igrejas para até seis pessoas em um único dia. Na análise dele, a culpa pela fuga dos turistas foi do entendimento errado dos visitantes, que pensaram que a tragédia se passou na cidade. “Tudo aconteceu longe daqui e não afetou em nada Mariana”, afirma. O proprietário de uma loja de artesanato em madeira, Ari Antunes, também mensura os prejuízos. “Nessa época do ano eu vendia quatro peças por semana e agora estou vendendo uma, no máximo”, destaca Ari.

Quem visita Mariana tem atrações imperdíveis, com a Praça Minas Gerais com três edificações que começaram a ser construídas a partir de 1760. A Casa de Câmara e Cadeia, a Igreja da Ordem Terceira de São Francisco e a Igreja do Carmo. Outra atração é a Catedral da Sé, onde está o órgão alemão Aarp Schnitger, construído na primeira década do século 18 e instalado na catedral em 1753. A catedral tem uma rica memória de acervo de partituras de compositores do período colonial. Os concertos ocorrem às sextas e domingos. Fora do Centro Histórico, o turista pode conhecer a Mina da Passagem, a maior mina de ouro aberta à visitação pública do mundo. A descida para as galerias subterrâneas é feita em um pequeno vagão, em trilhos que chegam a 315m de extensão e 120m de profundidade, onde se encontra um lago natural.

NO MAR A contaminação do Rio Doce e do mar pela lama de rejeitos de mineração em Regência Augusta, distrito de Linhares (ES), na foz do manancial, trouxe grandes prejuízos ao turismo sobretudo para os surfistas que tradicionalmente passam o recesso de fim de ano por lá, mas pousadas e comerciantes ainda apostam em outras atividades como o ecoturismo para tentar salvar a atividade nas férias de verão. “Estávamos com a rede de pousadas completamente cheias para o Natal, réveillon e verão. Depois que a barragem se rompeu e antes mesmo de a lama ter chegado a Regência, as pessoas começaram a cancelar suas reservas”, afirma o vice-presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica da Foz do Rio Doce (CBH-Foz do Doce), Carlos Sangalia. Os cancelamentos não significaram apenas menos recursos na época mais lucrativa para os donos de pousadas. Muitos já utilizavam os adiantamentos de diárias para investimentos em suas estruturas e estão tendo de recorrer a empréstimos na rede bancária para arcar com a devolução das diárias.

Para tentar atrair visitantes, os comerciantes e empreendedores prepararam uma programação reforçada com shows musicais na praça do distrito e o tradicional acompanhamento da soltura de filhotes de tartarugas marinhas na Praia de Comboios. Ainda são atrativos as caminhadas pelas trilhas de restinga, os passeios de caiaque na Lagoa das Cacimbas, as visitas à Reserva Biológica de Comboios com exemplares de tartarugas marinhas nos tanques, o Museu Histórico de Regência e o Centro Ecológico.

Uma ponte construída pela mineradora no Rio Gualaxo do Norte(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
Uma ponte construída pela mineradora no Rio Gualaxo do Norte (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)

SAMARCO GARANTE QUE PAGOU OS DESABRIGADOS

O coordenador de desenvolvimento socioinstitucional da Samarco, Estanislau Klein, garante que foram entregues 400 cartões para que as famílias dos distritos de Mariana e de Barra Longa recebam o benefício mensal, o que contempla quase 100% dos atingidos. “Até o final de janeiro será feita uma auditoria para verificar se houve algum problema e se as pessoas estão tendo dificuldade para usá-los”, afirma Klein. Além disso, 800 cartões foram entregues aos ribeirinhos de 19 municípios que vivem às margens do Rio Doce, do início do curso do rio, em Santa Cruz do Escalvado e Rio Doce, até Linhares, no Espírito Santo. Sobre as indenizações de R$ 20 mil destinadas às 275 famílias desalojadas e os R$ 100 mil para as 19 famílias que perderam familiares, o prazo para pagamento é 31 de janeiro.

Klein explica que a prioridade da empresa segue sendo as ações emergenciais e que a meta de conseguir levar as famílias para residências alugadas antes do Natal foi alcançada. A empresa, segundo ele, continua credenciando comerciantes para que aceitem os cartões e as vítimas possam comprar sem precisar sacar o dinheiro. A empresa também continua realizando atendimento psicossocial e calcula que 1,5 mil pessoas foram atendidas. “Esse trabalho vai continuar e também estamos focados em preparar a volta às aulas de todos os estudantes das comunidades atingidas”, afirma.

Klein explica que a Samarco desenvolveu um programa e cadastrou 760 pessoas das comunidades atingidas, com mais de 14 anos. Um grupo de adolescentes e jovens poderá participar de cursos técnicos profissionalizantes. Outros, que têm interesse em trabalhar como pedreiros, técnicos, carpinteiros, terão prioridade para contratação no processo de reconstrução das comunidades. Sobre os casos dos produtores rurais, como Livaldo, de Paracatu de Baixo, Klein explica que foram feitas duas abordagens e que 300 mil quilos de alimentação animal foram distribuídos para cerca de dois mil animais assistidos. “Esses casos são as prioridades para os próximos meses”, afirma o coordenador socioinstitucional.

A empresa contratada pela Samarco para viabilizar a reconstrução das comunidades é a Environmental Resources Management (ERM), multinacional britânica fundada em 1971. Na próxima terça-feira será realizada uma reunião, em Mariana, para iniciar a formação de grupos de trabalho entre moradores e o poder público. “É um programa que precisa de diálogo e participação social e depende da construção conjunta com as comunidades”, entende Klein.


INVESTIGAÇÃO DEVE DEMORAR
Várias linhas de investigação estão abertas – por diferentes órgãos – tentando apurar os motivos e as responsabilidades do rompimento da Barragem do Fundão, da Samarco (controlada pelas gigantes Vale e BHP Billiton). Porém, as respostas devem demorar. Uma das iniciativas do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) é averiguar se houve alguma diferença entre as condições previstas para obras na barragem do Fundão e o que estava previsto nos licenciamentos ambientais fiscalizados pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).

Entre os documentos analisados pelo MPMG está um laudo, de 2013, do Instituto Pristino, que mostrou que duas áreas da Barragem do Fundão se sobrepunham, o que poderia “potencializar processos erosivos” e causar um “colapso da estrutura”. O laudo foi elaborado a pedido da Coordenadoria Geral das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Outro documento é o relatório de uma auditoria contratada pela Samarco, realizada em julho do ano passado, que indicou necessidade de reparo na estrutura da Barragem do Fundão. A análise atestou “estabilidade da estrutura”, mas apontou 10 medidas a serem tomadas, entre as quais o reparo de trincas e o direcionamento da água da chuva.

Já a Polícia Civil pediu dilação do prazo para a conclusão do inquérito quando completou um mês e, segundo já havia informado o delegado geral de Ouro Preto, Rodrigo Bustamante, outros prazos serão pedidos, pois o caso é complexo e necessita da perícia técnica de engenheiros e geólogos do Instituto de Criminalística da Polícia Civil. Cerca de 50 policiais, entre peritos, investigadores e delegados, estão envolvidos na investigação. Além de ouvir os depoimentos, eles estão analisando documentos, como as licenças e projetos da empresa.


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