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Estado de Minas

Espetinhos conquistam o belo-horizontino e invadem ruas da cidade

Além de ser mais barato para os clientes, outro atrativo é a comodidade de comprar fichas a preço único. Ruído e lixo incomodam vizinhos, que partem para acordos de boa convivência


postado em 10/01/2016 06:00 / atualizado em 10/01/2016 08:08

Ponto de espetinho em Lourdes: estabelecimentos do bairro fecharam compromisso de respeito ao Código de Posturas da cidade (foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)
Ponto de espetinho em Lourdes: estabelecimentos do bairro fecharam compromisso de respeito ao Código de Posturas da cidade (foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)

Da capital dos bares à dos espetinhos. Os belo-horizontinos se rendem ao tira-gosto, e a cada dia novos estabelecimentos especializados surgem na cidade. Como o alvará de licenciamento é o mesmo de bares, restaurantes e churrascarias, não há como saber ao certo quantos são. Somente no ano passado, mais de 130 pontos de espetinhos foram inauguradas em BH, segundo estimativa do diretor-executivo da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de Minas Gerais (Abrasel-MG), Lucas Pêgo. “Tivemos há cerca de três anos a febre das temakerias, que vendem o cone japonês. Foram mais de 50 abertas de uma só vez. Agora, estamos vivendo a febre dos espetinhos”, constatou Pêgo, que aproveitou as suas férias, no mês passado, para percorrer ruas e avenidas de Belo Horizonte e pôde notar a mudança. “Percebi espetinhos em diversas regiões da cidade e não apenas na Centro-Sul”, conta Pêgo, que disse ter ficado impressionado com a quantidade de pessoas em estabelecimentos desse gênero na Avenida Brigadeiro Eduardo Gomes, no Bairro Glória, Região Noroeste, e na Rua Alberto Cintra, Bairro União, Região Nordeste.

Os espetinhos adotam preço único para o churrasquinho e para a cerveja longneck, entre R$ 5 e R$ 8, dependendo do estabelecimento. Além de ser mais barato para os clientes, outro atrativo é a comodidade. Eles podem comprar as fichas no caixa e usá-las tanto para comer quanto para beber. O produto pode ser apanhado no balcão ou o garçom leva à mesa. A pessoa consegue fazer um controle dos seus gastos. Além disso, não precisa ficar pedindo conta na hora de ir embora ou dividir os gastos com os amigos.

O problema é que parte dos estabelecimentos contraria o Código de Posturas do Município e a Lei do Silêncio, principalmente. Muitos clientes se aglomeram nas calçadas e no meio das ruas, impedindo a passagem de pedestres e carros. Outros colocam o som muito alto. A sujeira também incomoda os vizinhos. Garrafas de vidro são deixadas espalhadas pelas ruas dos bairros, muitas delas quebradas.

A situação ficou insustentável no Bairro de Lourdes, na Região Centro-Sul. A Associação dos Moradores da Praça Marília de Dirceu e Adjacências (Amalou) chegava a receber 12 reclamações por dia de vizinhos incomodados com os espetinhos. Foi preciso chamar os donos de quatro estabelecimentos para um acordo. As queixas praticamente acabaram. “O expediente não tinha hora para começar e terminar. Havia aglomeraçõa de clientes nas ruas e os pedestres não tinham nem como passar”, lembra o presidente da Amalou, Jefferson Rios Domingues. “Antes, era apenas um espetinho na Avenida Álvares Cabral com Contorno. Agora, são quatro. Acho que diluiu um pouco o movimento entre eles”, comentou Jefferson.

No Santa Tereza, consumidores se aglomeram nas calçadas: barulho e descarte de garrafas nas ruas provocam reclamações de vizinhos (foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)
No Santa Tereza, consumidores se aglomeram nas calçadas: barulho e descarte de garrafas nas ruas provocam reclamações de vizinhos (foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)

Donos dos espetinhos do Lourdes concordaram em vender fichas até as 23h e encerrar as atividades à 0h. Também delimitaram a passagem dos pedestres nas calçadas com cones e correntes. Às 22h, eles desligam o som. O movimento é maior às quintas e sextas-feiras, segundo Jefferson. “Antes, eles não tocavam bolero ou música clássica. Era pancadão, mesmo”, lembra o presidente da Amalou. Na terça-feira, ele enviou pesquisa por e-mail aos moradores da região para avaliar o grau de satisfação deles com os espetinhos. “De modo geral, os donos dos estabelecimentos estão respeitando o acordo”, constatou. Segundo ele, associações de moradores da Avenida Fleming, no Bairro Ouro Preto, na Pampulha, e do Bairro Santa Tereza, Região Leste, o procuraram querendo saber sobre o acordo para levar a ideia a essas áreas da cidade.

No Santa Tereza, motoristas reclamam da aglomeração em frente a um ponto de espetinho no Alto dos Piolhos, cruzamento das ruas Bocaiuva, Quimberlita e Tenente Freitas. Clientes do estabelecimento ocupam a metade da rua nos fins de semana e dificultam a passagem dos carros. A calçada também é totalmente ocupada por clientes, mesas e cadeiras, impedindo o trânsito de pedestres. “Virou uma loucura aquilo ali”, reclama o presidente da Associação de Bares e Restaurantes de Santa Tereza (Abrest), Elias Brito. “O espetinho não se adequa à nossa filosofia, que é a de respeitar o Código de Posturas. Muita gente telefona reclamando, pedindo providência, mas a nossa orientação é que os moradores procurem a prefeitura. Eles querem andar à deriva, livres”, reclama Brito, referindo-se aos bares que descumprem a lei.

Dono do espetinho no Santa Tereza, Pedro Castro disse que são 15 mesas na calçada e que há um revezamento com os clientes que ficam na rua. Segundo ele, as pessoas não atrapalham a passagem de veículos e pedestres. “Muita gente faz o aquecimento aqui e vai para festas. Elas vão embora rápido e outras ocupam as mesas”, disse. Sobre as garrafas jogadas nas ruas, ele disse que, ao encerrar o expediente, manda recolher os vasilhames deixados nas imediações. “Não deixamos sujeira para o outro dia”, garantiu.

A Rua Alberto Cintra, no Bairro União, Região Nordeste, vem se transformando em reduto dos espetinhos. São cinco em apenas dois quarteirões. As calçadas ficam lotadas e as pessoas disputam espaço no asfalto com os carros. Alguns frequentadores abrem o porta-malas dos seus carros e colocam o som em alto volume.

A Secretaria Municipal de Serviços Urbanos informou que não existe licenciamento específico para espetinho, que eles se enquadram como bares e restaurantes, e que não há como saber quantas unidades há na capital. A Secretaria Municipal de Fiscalização também não tem estatística de perturbação do sossego específica para esse tipo de estabelecimento.

O empresário Marcílio Paiva já tem quatro casas de espetinho e aponta controle facilitado de caixa e estoques como vantagem do negócio (foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)
O empresário Marcílio Paiva já tem quatro casas de espetinho e aponta controle facilitado de caixa e estoques como vantagem do negócio (foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)
Uma tonelada de boi por mês

Há dois anos e oito meses, o empresário Marcílio Paiva abria seu primeiro espetinho. Hoje, são quatro, dois em Belo Horizonte, um em Patos de Minas, no Alto Paranaíba, e outro em Paraopeba, na Região Central. “O trabalho é igual ao de qualquer outro estabelecimento. O segredo é a diversão do cliente gastando menos. Para o dono, a vantagem é o mix muito reduzido de produtos, facilidade de controle de estoque e caixa. É tudo muito mais fácil”, enumera o empresário. “Não tenho que fazer arroz, bife, salada e outras coisas servidas em bares e restaurantes”, compara.

Outra vantagem, segundo Marcílio, é que todo o tira-gosto que serve já chega pronto. “Tenho produção própria. Compro quatro sabores e produzo 12. Já compro para toda a minha rede de espetinhos”, disse o empresário. Somente de carne bovina, as duas unidades dele em BH vendem 1,2 mil quilos por mês, ou seja, mais de uma tonelada, fora os outros sabores. A unidade pesa entre 120 e 135 gramas. Em um dia bom, a casa da Avenida Francisco Sá, no Prado, Região Oeste, vende 850 espetos de sabores variados e 3,2 mil long necks. A média de preço dos dois produtos é R$ 6. A casa tem show ao vivo, que é encerrado às 22h por conta da Lei do Silêncio, segundo o dono.

O segmento do espeto sente o reflexo da crise econômica. “Tivemos uma queda de público a partir de julho do ano passado. O consumo médio por pessoa caiu de R$ 35 para R$ 30”, reclama. “Mesmo assim, ainda é grande o consumo. Não cobramos 10%, couvert artístico nem entrada. Oferecemos música ao vivo em todas as unidades”, disse o empresário. “Com a crise, a melhor opção de diversão são os espetinhos. Gasta-se pouco, o espetinho é gostoso, a cerveja é estupidamente gelada, música de boa qualidade e o atendimento de ótima qualidade”, gaba-se o empresário. A média de público é de 300 pessoas por noite na unidade da Avenida Francisco Sá, onde há uma das maiores concentrações de espetinhos de BH.

O empresário Igor Rosemberg é sócio de outra rede de espetinhos em BH. Mês passado, ele inaugurou a quarta unidade, na esquina das ruas Curitiba com Bárbara Heliodora, no Lourdes, Região Centro-Sul, e o quinto estabelecimento começa a funcionar no carnaval, na Savassi, também na Centro-Sul. “É mais praticidade, você vende o churrasquinho e a long neck, não precisa de copos, não precisa de nada. Espetinho e long neck têm o mesmo preço, R$ 6. O espetinho goumert, com carne de cordeiro, tilápia e costelinha, custa R$ 8.

Não trabalhamos com comanda. Não há o risco de alguém sair sem pagar. Não temos prejuízos”, afirma o gerente Gustavo Alves. Segundo ele, o público varia de uma unidade para outra. “No Lourdes, é mais happy hour. No Floresta, as pessoas vão mais para jantar”, compara.

Uma das maiores reclamações de vizinhos de espetinhos é a sujeira deixada pelos clientes, que vão embora bebendo e jogam garrafas vazias na rua. Igor Rosemberg disse colocar latões em vários pontos e que seus funcionários saem pelo quarteirão recolhendo o lixo. O empresário também disse respeitar a passagem do pedestre na calçada.

Paula Vasconcelos é cliente cativa dos espetinhos e coleciona bônus para alimentar o consumo do tira-gosto(foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)
Paula Vasconcelos é cliente cativa dos espetinhos e coleciona bônus para alimentar o consumo do tira-gosto (foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)
Cliente tem até cartão fidelidade

A bancária Paula Vasconcelos, de 26 anos, se considera “alucinada” pelos espetinhos. “Sou a tiazona dos espetinhos”, brincou ela, no início da noite de quarta-feira, quando foi com uma amiga conhecer mais uma unidade recém-inaugurada na Rua Curitiba, no Lourdes, Região Centro-Sul de BH. “Acho mais prático. Cada pessoa pede o seu churrasquinho e come a carne de que gosta, sem falar que é mais barato. A gente pode experimentar vários sabores”, disse a bancária, que tem até cartão fidelidade de algumas casas. “Para cada 10 churrasquinhos que compro, ganho um carimbo no cartão. Com cinco carimbos, que dá um total de 50 churrasquinhos e cervejas, ganho mais cinco fichas”, conta ela.

A agente de viagem e cônsul honorário da República Tcheca em Minas, Luiz Guadalupe, de 65, é frequentador assíduo de um espetinho da Rua Alvarenga Peixoto, também no Lourdes. “É do lado da minha casa. Além de ser prático, há várias opções de cerveja e algumas marcas são muito mais caras em outros bares. Lourdes tem vários restaurantes sofisticados, mas gosto de ficar sentado do lado de fora de um espetinho, principalmente em noite de muito calor, para comer, beber e conversar com os amigos”, disse Guadalupe.

O administrador de empresa Gabriel Alberto Santos Andrade, de 31, mora próximo a um dos maiores corredores do espetinho de BH, a Avenida Francisco Sá, no Prado, Região Oeste. “Não tem nada de ficar pedindo porções. A pessoa escolhe o que comer e paga logo o que come e bebe. Sempre venho ao espetinho encontrar amigos do bairro”, disse o administrador, que gosta de circular pelo estabelecimento para conversar com os conhecidos. Um dos espetinhos mais sofisticados do Lourdes foi inaugurado há seis meses na Gonçalves Dias, com São Paulo. Oferece uma variedade de sabores, como peixe, queijo coalho e espeto de batata com cheddar. A cerveja é de fabricação própria. Há DJ colocando música até as 22h. Segundo o gerente Carlos Roberto Oliveira, a casa chega a receber 700 clientes numa noite, e as 42 mesas são disputadas. “A onda agora é comida rápida. Se não tem mesa, você pega seu espeto e come em pé. Temos 42 mesas, mas todas ficam ocupadas”, conta o gerente.

A estudante de direito Fernanda Resende, de 26, foi a um espetinho pela primeira vez na quarta-feira. “O preço é muito bom e pretendo voltar mais vezes. Compramos várias fichas e não precisamos enfrentar fila toda hora. Você pede e o garçom busca o espeto e a bebida para você. É só entregar a ficha e pronto”, disse a universitária, que estava acompanhada da advogada Iasmin Oliveira, de 26, frequentadora assídua de espetinhos. “Churrasquinho com música fica mais gostoso. Belo Horizonte já é conhecida como a capital dos bares. Agora, capital dos espetinhos também”, brincou Iasmim.


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