Lei sobre transporte individual em BH traz dúvidas sobre punição para motoristas mal avaliados

Ainda não regulamentada, lei que obriga aplicativos como o Uber a usar mão de obra de taxistas prevê nota para condutor, mas silencia sobre punição, já rechaçada pela categoria

Mateus Parreiras Guilherme Paranaiba
O taxista Leonardo Pereira é contra punições sem que o condutor seja ouvido: "Se querem avaliar, tem de ter como a gente se defender" - Foto: Jair Amaral/EM/DA Press

A Lei 10.900/16, publicada no Diário Oficial do Município (DOM) de sábado e que limita a atuação dos aplicativos de transporte individual remunerado de passageiros em Belo Horizonte, determinando que as empresas ofereçam o serviço por meio de motoristas licenciados pela BHTrans, trouxe uma dúvida e gerou polêmica: qual será a punição ao condutor mal avaliado pelos usuários? O inciso quarto do terceiro parágrafo da norma obriga os aplicativos a “disponibilizar ao usuário a funcionalidade de avaliação do condutor e da prestação do serviço”, mas a mesma lei é muda em relação à punição. No caso do Uber, o maior aplicativo do setor no planeta, o conveniado que obter média abaixo de 4,6 estrelas, numa escala máxima de até cinco, pode ser eliminado do rol de colaboradores.

A 10.900 ainda precisa ser regulamentada em até 60 dias por decreto, o qual poderá esclarecer a dúvida. Mas a polêmica está criada, pois, como os aplicativos deverão usar mão de obra de taxistas, a categoria já se manifestou contrária a esse tipo de avaliação. “Isso abre espaço para vinganças pessoais. Os passageiros não são qualificados profissional e tecnicamente para avaliar um serviço e suspender um condutor, por exemplo”, disse Ricardo Luiz Faedda, presidente do Sincavir, o sindicato que representa os taxistas. Leonardo Henrique Pereira, taxista de 35 anos, também é contrário a qualquer punição que não permita defesa do condutor. “Um senhor queria fazer uma corrida comigo por preço fechado e me neguei a fazê-la, mas se ele pudesse me avaliar mal, poderia fazer isso e dizer que me recusei a embarcar um passageiro. Se querem avaliar, tem de ter como a gente se defender.
Se for assim, quem presta um bom serviço não tem o que temer”, garante.

Parceiro do Uber, José Silvério defende o desligamento de condutores mal avaliados: "Só vai trabalhar quem prestar serviço de qualidade" - Foto: Túlio Santos/EM/DA Press
Há quem pense diferente. Motorista conveniado ao aplicativo Uber, José Silvério Mendes, de 44, acredita que o desligamento atribuído a uma determinada média de notas é um dos principais pilares que empresa possui. “Com esse esquema de avaliação, você só vai trabalhar quem prestar serviço de qualidade, satisfazendo os interessados em usar o sistema de transporte”, afirma. Também ligado ao aplicativo, o motorista Gilson Henrique Santiago, de 34, é outro que aposta no sistema de avaliação e punição como crucial para o sucesso da empresa. “Se você corre o risco de perder o emprego, obviamente a sua prestação de serviços será melhor. É um jeito que a Uber consegue de prestar cada vez um serviço melhor”, afirma.

O vereador Wagner Messias, o Preto (DEM), foi uma das lideranças à frente do projeto de lei que o Executivo enviou à Câmara e que resultou na Lei 10.900. Ele garante que o sistema de avaliação será estendido para toda a categoria dos taxistas, mas não adianta se está previsto algum mecanismo de punição ligado às notas. “Os benefícios serão para todo o transporte individual. Todos os taxistas terão de ser avaliados, terão reconhecimento biométrico e pagamento por meio de cartão. Os primeiros serão os 700 veículos de luxo que vão ser licitados, mas depois toda a frota, de 7 mil veículos, oferecerá esses benefícios”.

Confira os principais pontos da norma que será regulamentada em até 60 dias (clique para ampliar) - Foto: Arte EMREGULAMENTAÇÃO ESPECÍFICA De acordo com a professora de direito Marilha Maciel, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a decisão federal pode alterar qualquer regulamentação municipal e estadual. “A lei de transportes é federal e precisa ser feita para todo o território. O poder público deve definir se essa questão dos aplicativos como o Uber se enquadra na mesma categoria dos táxis, ou seja, tratada em paralelo. Talvez não seja preciso alterar a lei, mas criar um regulamento específico”.
Ela afirma que os aplicativos interferiram no mercado de táxis, ainda que indiretamente, e classifica a concorrência como interessante. Marilha acredita que o próprio mercado tem como se regular em benefício do consumidor. “É o que ocorreu com a música na era da internet. Inicialmente, tentou-se barrar a tecnologia que distribuía a música sem pagar pelos direitos autorais, mas depois outras formas de compensação ocorreram, visto que seria impossível impedir isso”, compara.

Para Frederico Rodrigues, doutor em engenharia de transportes e consultor da área, a nova lei será alvo de recursos jurídicos que tendem a estender o desfecho da questão. Ainda assim, o especialista defende que todo o sistema de transportes deve ser regulamentado, seja o Uber ou outro aplicativo. “Tem de haver um controle dos órgãos competentes, e isso é básico. Uma vez regulamentado, o Uber deve se submeter aos órgãos de gestão do trânsito da cidade. Agora, é inegável que a concorrência é benéfica ao usuário, que ganha em qualidade, como ocorreu com o serviço de telefonia”, disse.

AMPLA DEFESA O Uber, em seus comunicados aos usuários, deixa claro que não pretende de sujeitar à Lei 10.900. O aplicativo informou que opera protegido pela Constituição Federal e com base na Lei Nacional de Mobilidade Urbana. O Uber destacou que “os motoristas-parceiros são avaliados continuamente” e que, caso o conveniado não melhore “em semanas” a nota abaixo de 4,6, “ele é cortado”.
A empresa não divulga o balanço de desconectados. Já a BHTrans não retornou o pedido de entrevista. Porém, vale lembrar que as penalidades aplicadas a taxistas pela empresa pública – de advertência à cassação da autorização – estão previstas em legislação específica e com garantia do contraditório e da ampla defesa. Hoje, quem precisar registrar uma reclamação contra taxista ou o modal pode telefonar para a BHTrans (número 156), acessar a internet (www.bhtrans.pbh.gov.br) ou ir pessoalmente à sede da empresa pública, na Avenida Engenheiro Carlos Goulart, nº 900, Bairro Buritis, Região Oeste da cidade.

O POVO FALA
Você acha que é importante um sistema de avaliação dos motoristas que tenha relação com possíveis punições por notas baixas?

Tereza Cristina, de 41 anos, administradora de empresas

Acho que esse é um ponto importante para que o serviço se mantenha em um nível bom, até porque quem não deve não teme. Agora, seria interessante estabelecer critérios para as punições, de acordo com as notas.

Dirceu Rodrigo Bernardino de Assis, de 27 anos, auxiliar de produção

O principal desse sistema é que incentiva os bons serviços e pode alavancar uma melhoria nos táxis em geral, que precisam muito evoluir e agradar mais à população.

Andréa Márcia Barros, de 48 anos, professora

Tudo que tem uma direção e acompanhamento tem muito mais chance de continuar funcionando bem e sempre evoluindo. A avaliação com tipos de punição é importante porque todo mundo que está trabalhando precisa de um feedback para sempre melhorar..