Pedro Leopoldo – O próximo dia 23 seria de festa na casa do empresário Edson Jorge, todo entusiasmado para comemorar o aniversário de 87 anos e reunir a numerosa família na casa em Pedro Leopoldo, na Grande BH. Um dos convidados mais esperados era o neto Gabriel José Jorge Cortez, de 26, estudante de agroecologia em viagem ao Pará, a quem o avô se refere carinhosamente como Biel. No entanto, para dor e tristeza de Edson, o jovem não estará presente – a não ser na saudade e belas lembranças. No sábado, ele foi brutalmente assassinado com um tiro nas costas e o corpo encontrado na região conhecida como Praia da Xacará, às margens do Rio Xingu, em Porto de Moz, no Pará.
A Polícia Civil trabalha com pelo menos uma hipótese para a morte de Gabriel, que cumpria estágio havia três meses, com respaldo escolar, na Cooperativa de Produtos Orgânicos de Xingu, em Altamira. Residente em Divinópolis, na Região Centro-Oeste do estado, o estudante estava perto de concluir o curso no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sudeste de Minas Gerais, em Rio Pomba, na Zona da Mata. O enterro será hoje, às 11h, no cemitério de Pedro Leopoldo, cidade onde residem muitos familiares do rapaz descrito como “sereno, dedicado aos estudos e muito ligado à natureza”.
Segundo as investigações, Gabriel estava a passeio em Porto de Moz, onde chegara no sábado. De acordo com o delegado Mhoab Khayan Azevedo Lima, à frente do caso, o estudante pode ter sido vítima de latrocínio – roubo seguido de morte –, pois o telefone celular e a carteira dele foram levados. O policial explicou que algumas pessoas estão sendo investigadas e a Justiça autorizou o cumprimento de mandados de busca e apreensão.
“Os primeiros levantamentos indicam que o universitário foi atacado, quando preparava o jantar. Ele levou um tiro nas costas e o corpo dele estava com cortes no pescoço e nos ombros”, informou Lima. Pescadores da região encontraram o corpo e avisaram à Polícia Militar.
Ao rever na tela do tablet as fotos do jovem alto, de 1,84m, Edson se comove. E conta que no dia 2 conversou com o neto, pelo telefone, lembrou sobre a comemoração dos 87 anos e pediu para ele vir embora logo: “Vem para cá, não fica aí nesse lugar não.” Em resposta, Gabriel disse que viria para o aniversário, seguindo antes para Macapá e depois para Cuiabá. “Mas no sábado ficamos sabendo sobre o que ocorreu”, recorda o empresário.
EQUILÍBRIO Na sala da casa, o empresário conhecido na cidade por ser proprietário do Cine Marajá, que completará seis décadas em 15 de março – “sou o mais velho dono de um cinema em atividade no país”, orgulha-se – une-se ao genro José Luiz Tavares Cortez, de 58, engenheiro químico, e ao neto Marco Túlio, de 25, que cursa licenciatura em ciência biológicas na Universidade Federal de Lavras (Ufla). “Estou transtornado. Não estou suportando. Jesus é quem está me carregando”, afirma o pai de Gabriel, ainda se refazendo da perda da mulher Bernadete, de 56, há pouco mais de um ano, que era psicóloga e dedicada à educação de excepcionais em Divinópolis.
Sem esconder as lágrimas em alguns momentos, José Luiz não quer saber de muitos detalhes sobre o violento assassinato do filho. Mas revela que viu a foto do filho morto e se assustou. “Ele foi degolado”, explica. Ao se lembrar de Gabriel, o pai diz que era uma “alma muito especial”, uma pessoa “em equilíbrio e harmonia com as coisas assentadas naturalmente”.
SERENO Budista, Gabriel ficou 10 dias num mosteiro em completo silêncio, “rezava na hora de comer”, e preferiu estudar agroecologia em vez de agronomia. “Era contra monocultura e o uso de agrotóxicos nas lavouras”, complementa o irmão Marco Túlio. O terceiro filho, o mais velho, chama-se Mateus.
A gatinha Meleca, de Edson Jorge e de Marília de Dirceu, casados há 61 anos, sobe na mesa e distrai por uns segundos a família. Mas as histórias voltam à tona.
Post ajudou a encontrar parentes
Prima da mãe de Gabriel Cortez, Patrícia Rafael Perdigão descreveu o jovem como uma pessoa tranquila e amante da natureza. Secretária Municipal de Cultura, Esporte, Lazer, Juventude e Turismo de Pedro Leopoldo, Patrícia foi a primeira da família a receber a notícia da morte do jovem depois de uma postagem numa rede social. Uma professora residente em Porto de Moz divulgou fotos do universitário para ajudar na identificação dele e na localização da família.
Patrícia contou que Gabriel correu risco de ser enterrado como indigente e a professora guardou o corpo até o início da manhã de domingo, quando a funerária chegou à cidade. A família, então, providenciou os trâmites para o translado do corpo. “Somos muito agradecidos à professora, ao delegado e aos advogados que ajudaram lá no Pará”, diz Edson Jorge, o avô.
No post, a professora escreveu: “Quero agradecer a todos que entraram comigo na campanha para encontrar a família do Gabriel Cortez. Graças a isso, localizamos parentes e amigos deste jovem que, de forma trágica, perdeu a vida. Ontem lamentávamos sobre as pessoas que dormiam em suas casas e foram assassinadas em Altamira. Hoje, aqui em Porto de Moz, no final da praia, é triste; e não existe quem consiga segurar as pessoas de mau-caráter, ruins, cruéis, que estão em toda parte.
"Foi um ato de covardia"
José Luiz Tavares Cortez, engenheiro químico, pai de Gabriel Cortez, morto no Pará, não esconde a dor ao perder o filho. Para ele, o jovem, que praticava o budismo, era equilibrado e o surpreendia sempre.
O senhor está acompanhando o caso?
Não quero saber os detalhes. Foi um ato de covardia, matar pelas costas, depois degolar. Vi umas fotos feitas logo depois do crime, e não reconheci meu filho. Estava com o rosto modificado, indicando muito sofrimento antes de morrer.
Como o senhor descreve o Gabriel?
Era a serenidade em pessoa, às vezes não conseguia entender a sua natureza, pois era calado. Um dia matei um mosquito na frente dele. Ele perguntou de imediato: “É seu? Você que o ensinou a voar? Pode matar? Tudo o que é de Deus tem que ser respeitado”. Era muito equilibrado, budista, meditava. Nos surpreendia sempre.
Como ter forças para enfrentar?
Pertenço a Jesus. Não estou suportando, pois Gabriel era uma alma especial. Jesus está me carregando. Vi umas fotografias que ele mandou do Pará e não gostei. Pelo seu semblante, vi que estava perdendo a serenidade. .