"Se me desesperasse, eu morria", diz professora que se perdeu na Serra do Cipó

Casal de trilheiros passou a noite em uma barraca improvisada e conseguiu voltar para a casa na Serra ainda na quarta-feira. Cátia Caldeira Soares contou ao em.com.br os detalhes do que aconteceu

Cristiane Silva Rafael Passos

Casal antes de se perder na Serra do Cipó. À direita, abrigo improvisado com galhos e folhas junto a uma pedra - Foto: Cátia Caldeira Soares/Divulgação


O Corpo de Bombeiros informou na manhã desta sexta-feira que o casal de namorados que estava desaparecido na Serra do Cipó voltou para a casa. A professora Cátia Caldeira Soares, de 48 anos, e o aposentado Arnoldo Boson Santos, de 56, estavam sumidos desde a última terça-feira, o que mobilizou a corporação. A filha de Cátia, Mariah Soares, informou que o casal retornou para a residência no Cipó na última quarta-feira. Na noite passada, finalmente, chegaram a Belo Horizonte, onde os filhos moram.

“Eles chegaram em casa ontem e não faziam a menor ideia da repercussão”, disse Mariah Soares, filha de Cátia. Ela conta que seguiria hoje para o Aeroporto da Pampulha para acompanhar os bombeiros nas buscas pela Serra do Cipó, para mostrar a casa onde eles estavam e ajudar nos trabalhos.

Em entrevista ao em.com.br na manhã desta quinta-feira, Cátia deu detalhes do que aconteceu. A casa onde eles estavam na Serra do Cipó pertence a Arnoldo.
O imóvel fica em uma área isolada na vegetação, mas eles são acostumados a ficar no local e praticar trilha. Arnoldo conhece a região há 20 anos. Eles saíram do imóvel às 8h30 de terça-feira em direção à Cachoeira Braúnas, uma trilha de 20 quilômetros. Como não pretendiam acampar e o tempo estava aberto, levaram alimentos leves, como frutas e granola, e trajes apropriados para um passeio de algumas horas. 

No entanto, por volta das 15h, o tempo mudou repentinamente e começou a fechar. “Como fechou o tempo geral e tampou tudo, ele só olhou, e eu perguntei 'Para que lado você está indo', e ele disse 'Não sei mais de que lado estou'. Tinha uma cachoeira perigosa e eu falei 'daqui não saio mais'”, explica a professora. Uma espessa neblina cobriu toda a região, dificultando a visibilidade. Eles estavam próximos a algumas cachoeiras que começaram a encher. Assustados, eles procuraram campos nas partes mais altas. No caminho, Cátia acabou sofrendo alguns cortes por causa da vegetação. 

Cátia ligou primeiro para a Polícia Militar de Jaboticatubas, que entrou em contato com o Corpo de Bombeiros e deu o celular dela. Eles ligaram para Cátia, pediram calma e disseram que iam começar a procurá-los. Por volta das 17h, Arnoldo teve a ideia de improvisar uma barraca para que passassem a noite. Eles encontraram um nicho entre as pedras e começaram a cortar folhas e galhos para fechá-la.


“Eu dei aquele choro, sabe? Para descarregar, pensando minha filha, minha família e que as pessoas que gostam de mim estavam preocupadas, e resolvi ficar calma. Se eu desesperasse eu morria”, reflete. Ela disse que a chuva se aproximava e a temperatura caiu muito. “Às 17h30 da tarde entrei (na barraca) e do jeito que estava eu fiquei 12 horas, deitada, enrolada em uma blusa”, conta. 

No escuro, casal grava vídeo enquanto estava perdido na trilha


SOBREVIVÊNCIA Cátia conta que ficou mais tranquila e que a iniciativa de improvisar um abrigo, mantendo os dois ocupados, foi essencial. As frutas já haviam acabado e eles se alimentaram de granola e rapadura. A água era tirada de córregos. Eles chegaram a ouvir o som do helicóptero, mas não conseguiam ver nada. Já à noite, por volta das 21h – acredita Cátia -, eles ouviram a voz de um homem gritando, como se estivesse chamando alguém. Ela ficou desconfiada, pensando que se fosse um bombeiro ele estaria com um apito, ou outro tipo de alerta. Arnoldo resolveu sair e correr na direção do chamado para tentar ver alguém.

O casal também começou a assoviar. “Mas o vento levava nosso assovio não para a direção dele, mas para trás, e a voz dele na nossa direção”. Só depois que já estavam em segurança, em casa, os bombeiros disseram que um militar, acompanhado de um homem que conhece a região, estavam realmente no local, mas como o sinal do rádio do bombeiro falhou, ele pensou que o assovio estava partindo do equipamento.

Segundo Cátia, ao sair da barraca e procurar a pessoa que estava no local, Arnaldo conseguiu visualizar as luzes de Cardeal Mota, distrito de Santana do Riacho, o que os animou. O casal esperou o amanhecer e, por volta das 6h, começou a descida e conseguiu encontrar a trilha em direção a casa. Quando já estavam no imóvel, eles viram o helicóptero sobrevoando a região e decidiram ir até o centro do distrito para comunicar os bombeiros de que já estavam bem, já que não há sinal de celular no imóvel.

Ela usou um orelhão para ligar para o Corpo de Bombeiros e foi atendida por um militar do Pelotão de Vespasiano, que disse que poderia avisar aos demais. Mesmo assim, à tarde, o helicóptero voltou a sobrevoar a área. Cátia chegou a comprar um chip de uma operadora que atende o município, mas o aparelho continuou sem sinal. O casal decidiu seguir os planos e permanecer em casa até quinta-feira, onde descansaram, pensando que os militares podiam ter informado as familiares sobre a localização deles.

No entanto, às 22h, eles chegaram a Belo Horizonte e foram para a casa de Mariah, que foi surpreendida pela mãe e o padrasto, pois até então não sabia que eles já estavam em segurança. Foi quando tiveram acesso à internet e descobriram que o desaparecimento já havia repercutido nas redes sociais e era acompanhado pela imprensa.

Cátia diz que agora está tranquila e que tirou uma aprendizagem do ocorrido. “Isso tudo eu já refleti dento da cabana. Você tem que manter a calma, porque se eu desesperasse ia morrer, se nós não tivéssemos feito essa cabana não teríamos sobrevivido. Independente de sol e chuva, tem que ter uma barraca, primeiro socorros”. Mesmo após o susto, ela diz que não desistiu da próxima trilha que o casal programou, na mesma região. 

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