Quando a estudante B.T. usou uma mensagem pública no Facebook para mostrar indignação com o sistema de cotas – diante da não aprovação para uma vaga no curso de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) –, talvez não esperasse a resposta convicta de uma outra candidata – essa, aprovada justamente por meio da reserva de vagas. "Sou uma preta lacradora, inteligente e cotista que entrou em Letras no seu lugar", respondeu Lorena Cristina de Oliveira Barbosa, de 20 anos. A explosão preconceituosa, a partir daí, virou polêmica e tomou corpo.
Sem sucesso na disputa de um dos 130 assentos da graduação disponíveis para a ampla concorrência, B.T. atribuiu seu resultado à medida de ação afirmativa adotata pela instituição, que, em obediência à Lei nº 12.711/12, guarda 50% de suas matrículas a estudantes de escolas públicas. Deste montante, um percentual é destinado ainda a candidados autodeclarados pretos, pardos ou indígenas e/ou de baixa renda. "Para o curso de Letras na UFMG há 260 vagas. Fiquei na posição 239.
Décima quinta colocada na seleção, além de responder a concorrente em seu perfil, Lorena continuou o desabafo em outro post sobre o assunto: "Desculpem-me por não aceitar nenhum filho de burguês apontando o dedo para mim e dizendo que sua não aprovação foi culpa minha. Não foi. A universidade pública deveria atender muito mais pessoas como eu. Teoricamente, ela nasceu para isso. Eu ocupo este lugar agora. E ele será tão meu quanto de vocês.
Procurada pela reportagem, B.T não se manifestou sobre o caso e apagou a publicação feita nesta manhã. Em outras postagens públicas de seu perfil, entretanto, constavam diversas manifestações de pessoas indignadas. Algumas corroboram a revolta da concorrente não aprovada. A maioria, contudo, apoiava Lorena, que comemora a vitória: “Fiquei muito feliz. Uma chama de esperança começou a nascer em mim”, diz a belo-horizontina.
Difícil trajetória
Aprovada com 920 pontos na redação, Lorena estava pessimista quanto a seu desempenho nos exames. Eu não esperava a aprovação do Enem; estava me sentindo perdida”, conta a universitária. Postura compreensível para quem escuta as histórias de hostilidade que o ambiente escolar tantas vezes impôs à moça.“Na escola, uma professora de matemática gritou na minha turma que eu seria empregada doméstica para limpar o chão das filhas dela”, conta.
Após a conclusão do Ensino Médio, chegou a ingressar como bolsista numa escola particular de jornalismo, onde permaneceu por um ano e meio. Desistiu da instituição e do ofício - segundo ela, por não suportar o ambiente racista tanto da academia, quanto do mercado de trabalho.
Meus professores viviam me mandando mensagens com convites para sair.
Após quatro meses de cursinho - frequentado após jornada diária de 8 horas de trabalho como educadora em projeto social para ajudar a família como pagamento das mensalidades - tornou-se, oficialmente, aluna da Faculdade de Letras da UFMG: “Trabalhava o dia inteiro e ia direto para o cursinho. Voltava para casa beirando meia-noite e meia. Mas eu sempre fui muito boa com redação e uma amiga se dispôs a me ajudar aos finais de semana. E assim eu fazia. Assistia aulas on-line, estudava de madrugada”.
É com tristeza, portanto, que graduanda recebe o post da concorrente B.T., bem como a agressividade daqueles que acreditam que as cotas são privilégios : "Eu vim de uma família negra que sempre seguiu a mesma história de serviçais. Eu nunca tive nada, sabe? Ralei muito para entrar na UFMG. A minha escola não tinha nem estrutura para comportar alunos. Por isso não acho justo uma pessoa que sempre teve tudo apontar isso como privilégio.