As placas fincadas na água suja com lixo boiando avisam que a pesca e a natação são proibidas na Lagoa da Pampulha. Mas a pescaria das tilápias, carpas e cascudos do reservatório, que acaba tolerada por se pensar tratar de uma atividade de subsistência, esconde um perigo contra a saúde pública. Dezenas de pessoas munidas de varas lotearam as margens da orla e muitos deles vendem todos os dias para peixarias e frigoríficos de diferentes regiões da capital de 12 a 15 exemplares cada, animais contaminados por metais pesados e tóxicos. A informação foi verificada pela reportagem do Estado de Minas em conversa com os próprios pescadores, que foi gravada por uma câmera escondida. Um dos homens conta que cada um tem a sua “praça”, ou seja, uma feira ou estabelecimento que compra os peixes sem exigir certificado de procedência, como exige a Vigilância Sanitária Municipal.
Um deles, um homem de 34 anos, disse que sua “praça” é a José Verano da Silva (Praça da Febem), no Barreiro de Cima, mas não especificou qual estabelecimento compra a mercadoria. “Minha média é de 12 tilápias por dia, mais ou menos. Vendo a R$ 10 o quilo”, conta. Sobre os perigos de contaminação dos animais, o pescador demonstrou não ter qualquer receio pela sua saúde ou pela de quem compra.
Em análise desses peixes feita pelo doutorando da UFMG, Luiz Alberto Sáenz Isla, engenheiro de pesca peruano especializado em aquicultura e mestre em ecotoxicologia pela USP, ficou comprovado que esses exemplares continham acúmulos de elementos nocivos que prejudicam a saúde de quem os consome por algum tempo. No caso das tilápias, a legislação sanitária brasileira tolera concentrações de até 0,3 partes por milhão (ppm) na musculatura do animal. Os exemplares da lagoa fisgados pelos pescadores e comprados para fazer a análise apresentaram 1,5ppm, ou seja, cinco vezes mais do que o limite para o consumo saudável. Outro metal pesado encontrado em concentrações exorbitantes foi o zinco, que chegou a ficar retido na proporção de 700ppm, quando o tolerável são 50ppm, índice 14 vezes inferior aos dos peixes da lagoa da capital mineira. Foram ainda encontradas cargas de cádmio e arsênio superiores ao tolerado, mas em medida não exata (veja ao lado).
“Esse é um problema de saúde pública. A prefeitura já proibiu esse consumo. A pessoa que vende para o frigorífico comete um atentando contra a saúde pública. A coisa muda mesmo, porque isso é delito. É coisa de polícia”, considera o especialista.
No organismo humano, em quantidades grandes equivalentes ao consumo continuado desse tipo de alimento contaminado, a pessoa pode sofrer vários prejuízos à saúde. Doses elevadas de chumbo podem provocar anemia, dores de cabeça, falta de apetite, dores abdominais e prisão de ventre. Em crianças e idosos, é possível haver convulsões e coma.
PENA O pescador que vende e o comerciante que compra e distribui esse tipo de mercadoria estão sujeitos a responder por crime contra a economia popular por “expor à venda ou vender mercadoria ou produto alimentício cujo fabrico haja desatendido às determinações oficiais quanto ao peso e composição” e ainda podem responder por crime contra a saúde pública, somando penas de oito meses a três anos de prisão. Responderiam ainda administrativamente à Vigilância Sanitária, que pune o comerciante com lavratura de uma advertência, termo de intimação, apreensão de produtos, multa ou até a interdição do estabelecimento. A reportagem procurou quatro estabelecimentos na região da praça citada pelo pescador, mas nenhum admitiu comprar peixes sem procedência.
A Secretaria Municipal de Saúde não informou se algum peixe contaminado da Pampulha foi encontrado em comércios do ramo, mas afirma que “estabelecimentos que comercializam produtos de interesse da saúde, tais como açougues, peixarias e supermercados, são alvo constante da fiscalização sanitária”.