O caldo espesso de algas verdes e esgoto que toma conta da superfície da Lagoa da Pampulha afeta ainda mais do que se imagina o fundo da represa e o todo o ecossistema desse cartão-postal de Belo Horizonte, candidato a patrimônio cultural da humanidade. Os micro-organismos que roubam o oxigênio e a luz da água e os lançamentos de dejetos domésticos e industriais fazem de todo o conteúdo do lago um meio inóspito, onde somente os animais mais resistentes conseguem sobreviver, ainda que contaminados. Com câmeras aquáticas que vasculharam o fundo do reservatório e em embarcações que percorreram sua extensão, a reportagem do Estado de Minas mostra como é o ambiente degradado, onde se adaptaram para sobreviver jacarés-do-papo-amarelo, capivaras, cágados, peixes e aves. Situação que, apesar de investimentos que somam R$ 1 bilhão desde a década de 1990, só tem piorado, como mostram os últimos dados de análises da qualidade da água. Não bastassem animais intoxicados, os peixes irregularmente pescados e altamente contaminados estão sendo vendidos a frigoríficos, que os comercializam, numa grave denúncia de crime contra a saúde pública.
Mesmo depois de a Copasa ter ampliado a interceptação de esgotos nos últimos três anos – de 65% para 87% dos lançamentos –, nesse mesmo período a qualidade da água do lago só piorou, de acordo com as análises feitas pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam). Levando-se em conta o resultado do pior período de seca, que é quando mais concentrados os poluentes estão, desde 2013, a poluição da lagoa aumentou 67%. Dos 21 parâmetros avaliados, 14 foram piores entre julho e setembro do ano passado em relação ao mesmo período de 2014 e 2013 (veja quadro). Para o coordenador do Laboratório de Gestão Ambiental de Reservatórios da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Ricardo Motta Pinto Coelho, isso se deve aos mais nocivos lançamentos de poluentes não estarem concentrados no esgoto doméstico despejado pela população e que vêm sendo interceptado pela Copasa.
Apesar de adaptados ao ambiente encontrado atualmente, até mesmo os jacarés, capivaras, cágados, peixes e aves podem ter sua saúde deteriorada com a contínua piora da qualidade ambiental, caso as promessas de purificação do lago mais uma vez não saiam do papel. Segundo pesquisa do professor Ricardo Coelho, pelo menos quatro espécies de zooplanctons que serviam de alimento a outros animais foram extintas do reservatório pela poluição. Outras seis espécies de peixe já não são mais encontradas nas águas. Por todo o espelho d’água veem-se boiando aves aquáticas e peixes mortos. “Atualmente, são animais que estão contaminados por metais pesados e tóxicos e isso é um acúmulo que no longo prazo pode trazer outros efeitos e impedir que vivam na Pampulha se a poluição piorar”, pondera o engenheiro de pesca Luiz Alberto Sáenz Isla, especialista em aquicultura e mestre em ecotoxicologia pela USP.
Para especialistas, um dos animais que demonstram adaptação às condições da Pampulha é o jacaré-do-papa-amarelo. “Esse réptil é um predador ativo que está no topo da cadeia alimentar e não aparenta estar enfraquecido pela poluição. Sua proximidade com os homens e a aparente apatia nos banhos de sol fazem com que se pareça dócil e encorajam contatos que podem ser repelidos a mordidas”, alerta o biólogo responsável pelo Setor de Répteis e Anfíbios da Fundação Zoobotânica da capital, Luís Eduardo Coura.
O mesmo se repetiu na área próxima à estátua de Iemanjá, no Bairro São Luiz.