Dois mortos, 21 feridos e dois meses de trânsito infernal por dois viadutos de quase R$ 30 milhões que eram desnecessários e ruíram. Pouco mais de um ano e meio depois de a alça sul do Viaduto Batalha dos Guararapes, na Avenida Dom Pedro I, ter desmoronado e de a alça norte ter sido implodida, levantamento feito pela BHTrans mostra que a ausência dessas estruturas não trouxe impactos ao trânsito da região, o que sugere ter sido em vão todo o transtorno e dor que a capital mineira passou em plena Copa do Mundo de 2014, sem falar nos prejuízos a moradores e aos cofres públicos. As estruturas fariam a transposição da Avenida Dom Pedro I pela Avenida General Olímpio Mourão Filho, no Planalto, Região Norte de Belo Horizonte, e o Bairro São João Batista, em Venda Nova. A interseção está inserida no corredor do Move formado pelas avenidas Antônio Carlos e Dom Pedro I, que liga o Centro da capital com a Rodovia MG-010, dando acesso ao Aeroporto Internacional e aos municípios vizinhos do Vetor Norte da Grande BH. Segundo a Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap) um novo projeto só será avaliado após o término do processo criminal aberto depois do desabamento e da implosão.
De acordo o documento da BHTrans, que foi enviado em 4 de novembro à Ouvidoria-Geral do Município, na situação atual de ausência do Viaduto Guararapes, a interseção das avenidas Pedro I e Olímpio Mourão Filho “opera, de modo geral, com níveis de serviço satisfatórios. Ao se fazer o atendimento aos fluxos de pedestres, por sinalização semafórica, também são atendidos os fluxos veiculares com origem/destino sem formação de filas e com aceitável grau de saturação”. Os técnicos da BHTrans reforçam seu parecer afirmando que “não têm sido identificados congestionamentos reiterados e/ou defasagem dos veículos entre ciclos semafóricos – fechamentos de cruzamento –, após a implantação do projeto de adequação da referida interseção para sua operação sem o viaduto nem ocorrências de acidentes graves no trecho impactado”. Ainda na avaliação do órgão de trânsito, os agentes e engenheiros de tráfego registraram que, “no momento, não estão comprometidas a operação e as funcionalidades do sistema BRT/Move no corredor e, em especial, no local em pauta. Este vem sendo monitorado pela equipe operacional da BHTrans atuante na região, enquanto são avaliados eventuais ajustes na interseção referida, bem como alternativas para o definitivo tratamento viário da mesma”.
Na época do levantamento, o volume médio de tráfego diário nas seis pistas da Avenida Dom Pedro I era de 39.456 veículos, a maioria automóveis (32.739) e motos (4.599), além dos ônibus e caminhões (2.118) e dos transportes coletivos do BRT/Move (732), na pista central duplicada e exclusiva.
Moradores dos bairros do entorno e motoristas procurados pela reportagem afirmam que da forma como estão os cruzamentos não é preciso nenhuma outra obra. O encarregado de obras Amarildo José da Silva, de 52 anos, enfrentou muitos engarrafamentos na Dom Pedro I e diz que atualmente está funcionando bem. “A gente não espera muito no semáforo para atravessar a Pedro I nem quem está nela fica parado demais quando fecha o sinal. Não vejo necessidade de fazer nada aqui”, disse. “Qualquer obra que fizerem será desperdício de dinheiro. Antes dos viadutos, tinha um pouco de trânsito mesmo e até engarrafamentos, mas agora só com o alargamento das avenidas isso foi resolvido”, disse a professora Andreia Santos, de 50 anos, que é moradora do entorno. Para a professora, mais urgente que uma intervenção no local seria “a limpeza dos lotes” onde foram construídos os pilares dos viadutos, que estão vagos, acumulando lixo, mato, com muros trincados e ameaçando cair. Morador do Residencial Savana, conjunto de prédios vizinhos aos viadutos, o eletricista Geraldo Ribeiro afirma que um novo viaduto ou trincheira não são necessários. “Urgente, agora, é pagar as indenizações. Reparar o muro do meu prédio e os vidros das janelas que até hoje estão quebrados. Minha mulher entrou em pânico e não quer mais morar aqui. Tive de alugar um apartamento em outro lugar, mas enquanto não resolver na justiça essa questão a vida da gente não segue”, lamenta.
Trincheira ainda é dúvida
Uma trincheira poderá ser construída no lugar do viaduto Batalha, mas ainda não há definição sobre a possível obra. Consultada sobre o tema, a Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap) se limitou a informar que o processo judicial do Viaduto Batalha dos Guararapes ainda está em curso e que apenas quando a ação tiver transitado em julgado (houver decisão) a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) vai deliberar sobre a implantação de uma trincheira. “O projeto executivo para execução de uma trincheira para substituir o viaduto Batalha está sendo analisado pela Sudecap. No momento oportuno serão divulgadas mais informações”, informou a superintendência por meio de nota.
Segundo o mestre em engenharia de transportes pelo Instituto Militar de Engenharia do Rio de Janeiro (IME) Paulo Rogério da Silva Monteiro, o viaduto faria uma articulação de uma forma melhor, especialmente olhando para o futuro. “A Avenida Olímpio Mourão é uma sequência de vias maior, que começa no Bairro São Gabriel, Região Nordeste de BH, numa sequência até a Via 240. Por isso não podemos pensar apenas no dia de hoje. Com os viadutos se possibilitaria fazer as duas ligações dos bairros Santa Mônica e Planalto sem incorrer no grande problema que temos quando se cria uma via expressa, que é o retorno”, disse. Quanto à construção ser motivo de honra para a PBH, o especialista vê de outra forma. “Questão de honra é recuperar o dinheiro de lá, gastando ou não na mesma obra. Até por que o trânsito é dinâmico. Muda de um período para outro, as características podem mudar. Essa solução (os viadutos) foi pensada há quase 4 anos, a cidade muda nesse tempo”, disse.
Dos 19 indiciados pela Polícia Civil pelas mortes e feridos com o desabamento do viaduto, 11 foram denunciados pelo Ministério Público (MP) por homicídio simples, processo que tramita na 11ª Vara Criminal de BH, desde 4 de agosto de 2014. O processo atual tem 23 vítimas e corre na 11ª Vara Criminal. São 11 réus, entre eles, o ex-secretário de obras e de infraestrutura de Belo Horizonte e superintendente interino da Sudecap, José Lauro Nogueira Terror. Ainda da Sudecap, foram denunciados o diretor de obras, Cláudio Marcos Neto e o engenheiro responsável pela fiscalização, Mauro Lúcio Ribeiro da Silva. Da Consol, a empresa que concebeu o projeto, foram denunciados o diretor, Maurício de Lana, e os engenheiros Marzo Sette Torres e Rodrigo de Souza e Silva. Da construtora Cowan foram denunciados o diretor José Paulo Toller Motta e os engenheiros Francisco de Assis Santiago, Omar Oscar Salazar Lara, Daniel Rodrigo do Prado e Osanir Vasconcelos Chaves.