Banda Mole e jovens blocos arrastam milhares pelas ruas de BH

Aos 41 anos, a Banda Mole lotou a Avenida Afonso Pena com carnavalescos de todas as idades prontos para ironizar a crise econômica que o país enfrenta

- Foto: Rodrigo Clemente/EM/D.A.Press

“A vi­da é du­ra, mas a ban­da é mole. Mas, se a vi­da es­tá ru­im, a gen­te tem que em­pur­rá-la com alegria. Vai cho­rar? Não, não adi­an­ta”, en­si­na a do­na de ca­sa Al­da Fer­rei­ra, de 72 anos, que mais uma vez mar­cou pre­sen­ça on­tem na tra­di­ci­o­nal fes­ta de pré-car­na­val de Be­lo Ho­ri­zon­te, a Ban­da Mo­le, que co­me­mo­ra 41 anos. E re­al­men­te, o sá­ba­do foi só de ale­gria, ir­re­ve­rên­cia, sá­ti­ra, bei­jos e abra­ços pa­ra mi­lha­res de pes­so­as que pas­sa­ram pe­la Ave­ni­da Afon­so Pe­na, no Cen­tro de BH. A fo­lia fer­veu na fes­ta qua­ren­to­na e nas mais jo­vens, os blo­qui­nhos de rua, que tam­bém ar­ras­ta­ram mi­lha­res pe­las ru­as da capital.


Na Ban­da Mo­le, te­ve gen­te fan­ta­si­a­da de an­jo, de ca­pe­ta, de an­jo com chi­fres, deu de tudo. A ave­ni­da foi fe­cha­da com gra­des na es­qui­na com Ave­ni­da Ca­ran­daí e com a Rua da Bahia. Quem en­trou pas­sou por re­vis­ta, o que ga­ran­tiu a se­gu­ran­ça de todos. Dois tri­os elé­tri­cos fi­ca­ram po­si­ci­o­na­dos nas ex­tre­mi­da­des da fes­ta e um gran­de pal­co foi mon­ta­do no meio, com mú­si­cas ao vi­vo pa­ra to­dos os gostos.

A fo­lia or­ga­ni­za­da, com se­gu­ran­ça e uma fi­lei­ra de ba­nhei­ros quí­mi­cos a per­der de vista.

O te­ma da fes­ta foi a cri­se eco­nô­mi­ca, e tam­bém po­lí­ti­ca, res­sal­ta o re­pre­sen­tan­te co­mer­ci­al Lau­ro Ál­va­ro, de 78 anos, que fez jus ao tema. De ter­no pre­to e com no­tas de re­al co­la­das na rou­pa, Ca­pe­ta, co­mo gos­ta de ser cha­ma­do, car­re­ga­va uma pla­ca di­zen­do “fui elei­to”. “Ago­ra sou ve­re­a­dor e es­tou re­cla­man­do do meu sa­lá­rio de R$ 15 mil”, brincou.

De cri­an­ça de co­lo a ido­so, o es­pa­ço foi de todos. Ló­gi­co que não po­de­ria fal­tar ho­mens ves­ti­dos de mu­lher, o que sem­pre foi uma ca­rac­te­rís­ti­ca da Ban­da Mole. Um con­to de fa­das pa­ra as cri­an­ças e pa­ra qua­tro ami­gos uni­ver­si­tá­ri­os que se co­nhe­ce­ram fa­zen­do in­ter­câm­bio na Aus­trá­lia e que se reu­ni­ram em Be­lo Ho­ri­zon­te pa­ra a Ban­da Mo­le ves­ti­dos de princesas. Ro­nal­do Ba­tis­ta, de 21, foi de Ra­pun­zel, Jú­lio Ri­bei­ro, de 22, de Cin­de­re­la, Pér­cio Al­mei­da, de 21, foi de Bran­ca de Ne­ve, e Fe­li­pe Co­e­lho, de 23, de Be­la Adormecida. “Fi­ca­mos ami­gos na Aus­trá­lia e mar­ca­mos en­con­tro na Ban­da Mo­le”, con­ta Pér­cio, que é Cu­ri­ti­ba (PR).

O pro­du­tor da ban­da, Ku­ru Li­ma, con­ta que des­de que a pre­fei­tu­ra, Cor­po de Bom­bei­ros e ou­tros ór­gã­os de se­gu­ran­ça re­co­men­da­ram a fes­ta em es­pa­ço fe­cha­do, e não su­bir mais a Rua da Bahia, que o pú­bli­co da fes­ta tem mudado. Ago­ra é bem mais fa­mi­li­ar, se­gun­do ele. “De­pois que cri­a­ram a Pa­ra­da Gay, a Ban­da Mo­le dei­xou de ser GL­BT, que era a sua ca­rac­te­rís­ti­ca ori­gi­nal”, dis­se Ku­ru, re­fe­rin­do- se ao mo­vi­men­to gay, lés­bi­ca, bis­se­xu­al, tra­ves­tis e transexuais. “Mas ain­da tem mui­to ho­mem ves­ti­do de mu­lher”, res­sal­ta o pro­du­tor, lem­bran­do que um gru­po de 40 ido­sos sem­pre che­ga em um ôni­bus fre­ta­do, com ves­ti­dos e ou­tros ade­re­ços femininos.

Um dos fun­da­do­res da Ban­da Mo­le, Lu­iz Má­rio Ja­ca­ré La­dei­ra, que tam­bém é pre­si­den­te do Mo­vi­men­to Ma­chão Mi­nei­ro (MMM), brin­ca que, no car­na­val, ho­mem, por mais ma­cho que se­ja, po­de se ves­tir de mulher. “A Ban­da Mo­le já nas­ceu sen­do o pa­raí­so da diversidade. A pes­soa po­de ser tu­do”, disse.

Se­gun­do Ja­ca­ré, a Ban­da Mo­le cres­ceu de­mais e es­tá se adap­tan­do aos no­vos ritmos. “São no­vos há­bi­tos e a gen­te pro­cu­ra fa­zer o que o po­vo gos­ta, e o que o po­vo quer”, disse.
Um dos exem­plos, ci­tou, foi co­lo­car um trio elé­tri­co com mú­si­ca sertaneja. “No ano pas­sa­do, co­lo­ca­mos he­a­vy me­tal”, lembra. Es­te ano, di­ver­si­da­de tam­bém na música. Hou­ve ban­das to­can­do mar­chi­nha de car­na­val, re­g­gae, ro­ck, axé, en­tre ou­tros gê­ne­ros musicais. A ce­re­ja do bo­lo des­te ano foi a apre­sen­ta­ção Gru­po Cul­tu­ral Afro­Re­g­gae, que é uma or­ga­ni­za­ção não go­ver­na­men­tal fun­da­da com a mis­são de pro­mo­ver a in­clu­são e a jus­ti­ça so­ci­al por meio da ar­te, da cul­tu­ra afro-bra­si­lei­ra e da educação.

Ou­tra atra­ção fo­ram os bo­ne­cõ­es, não tão gran­des co­mo os de Olin­da (PE), mas que cha­ma­ram a aten­ção pe­la sá­ti­ra ao mo­men­to po­lí­ti­co do país. Mas até o Pa­pa Fran­cis­co caiu na fo­lia, ao la­do da pre­si­den­te Dil­ma Rous­se­ff, Jo­a­quim Bar­bo­sa e Lula. “To­do ano a gen­te faz mais três bonecos. Já são 20”, con­ta Jacaré. “É tan­ta cor­rup­ção que es­te ano re­sol­ve­mos es­co­lher três sím­bo­los: o ja­po­nês da Po­lí­cia Fe­de­ral, Eduar­do Cu­nha e Nes­tor Cer­ve­ró, pa­ra re­pre­sen­tar es­sa clas­se de que a gen­te tan­to se or­gu­lha”, brin­ca Jacaré. O co­e­lhi­nho da Pás­coa, se­gun­do ele, fi­cou pa­ra o ano que vem.

Quem tam­bém caiu na fo­lia foi o ta­xis­ta Leo­nar­do Al­ves de Sou­za, de 28.
Saiu do ba­nho e foi di­re­to pa­ra a ave­ni­da, usan­do roupão. “Ca­lor de­mais”, disse. Pe­lo me­nos ele co­lo­cou uma sun­ga por baixo. “Es­tou me sen­tin­do na praia. Se cho­ver, tam­bém já es­tou pre­pa­ra­do”, disse. E vol­tan­do à do­na Al­da, a se­nho­ra de 72 anos que em­pur­ra a vi­da du­ra com ale­gria, ela con­ta que já par­ti­ci­pou da Ban­da Mo­le “um pu­nha­do de ve­zes”. No co­me­ço, era pa­ra acom­pa­nhar a ne­ta, que cres­ceu e es­tá com 20 anos, ani­ma­da co­mo a vovó. “É bo­ni­to demais. A gen­te se dis­trai mui­to no carnaval. Fi­car pre­sa den­tro de ca­sa não dá cer­to”, brin­ca a do­na de ca­sa, que mo­ra no Bair­ro Céu, na Re­gi­ão da Pam­pu­lha, e que não per­de a Ban­da Mo­le por na­da, fa­ça sol, fa­ça chu­va, se­gun­do ela. E on­tem, só foi sol. A fes­ta co­me­çou às 13h e até as 22h os or­ga­ni­za­do­res es­pe­ra­vam mais de 40 mil pessoas.

 

 

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