“A vida é dura, mas a banda é mole. Mas, se a vida está ruim, a gente tem que empurrá-la com alegria. Vai chorar? Não, não adianta”, ensina a dona de casa Alda Ferreira, de 72 anos, que mais uma vez marcou presença ontem na tradicional festa de pré-carnaval de Belo Horizonte, a Banda Mole, que comemora 41 anos. E realmente, o sábado foi só de alegria, irreverência, sátira, beijos e abraços para milhares de pessoas que passaram pela Avenida Afonso Pena, no Centro de BH. A folia ferveu na festa quarentona e nas mais jovens, os bloquinhos de rua, que também arrastaram milhares pelas ruas da capital.
O tema da festa foi a crise econômica, e também política, ressalta o representante comercial Lauro Álvaro, de 78 anos, que fez jus ao tema. De terno preto e com notas de real coladas na roupa, Capeta, como gosta de ser chamado, carregava uma placa dizendo “fui eleito”. “Agora sou vereador e estou reclamando do meu salário de R$ 15 mil”, brincou.
De criança de colo a idoso, o espaço foi de todos. Lógico que não poderia faltar homens vestidos de mulher, o que sempre foi uma característica da Banda Mole. Um conto de fadas para as crianças e para quatro amigos universitários que se conheceram fazendo intercâmbio na Austrália e que se reuniram em Belo Horizonte para a Banda Mole vestidos de princesas. Ronaldo Batista, de 21, foi de Rapunzel, Júlio Ribeiro, de 22, de Cinderela, Pércio Almeida, de 21, foi de Branca de Neve, e Felipe Coelho, de 23, de Bela Adormecida. “Ficamos amigos na Austrália e marcamos encontro na Banda Mole”, conta Pércio, que é Curitiba (PR).
O produtor da banda, Kuru Lima, conta que desde que a prefeitura, Corpo de Bombeiros e outros órgãos de segurança recomendaram a festa em espaço fechado, e não subir mais a Rua da Bahia, que o público da festa tem mudado. Agora é bem mais familiar, segundo ele. “Depois que criaram a Parada Gay, a Banda Mole deixou de ser GLBT, que era a sua característica original”, disse Kuru, referindo- se ao movimento gay, lésbica, bissexual, travestis e transexuais. “Mas ainda tem muito homem vestido de mulher”, ressalta o produtor, lembrando que um grupo de 40 idosos sempre chega em um ônibus fretado, com vestidos e outros adereços femininos.
Um dos fundadores da Banda Mole, Luiz Mário Jacaré Ladeira, que também é presidente do Movimento Machão Mineiro (MMM), brinca que, no carnaval, homem, por mais macho que seja, pode se vestir de mulher. “A Banda Mole já nasceu sendo o paraíso da diversidade. A pessoa pode ser tudo”, disse.
Segundo Jacaré, a Banda Mole cresceu demais e está se adaptando aos novos ritmos. “São novos hábitos e a gente procura fazer o que o povo gosta, e o que o povo quer”, disse. Um dos exemplos, citou, foi colocar um trio elétrico com música sertaneja. “No ano passado, colocamos heavy metal”, lembra. Este ano, diversidade também na música. Houve bandas tocando marchinha de carnaval, reggae, rock, axé, entre outros gêneros musicais. A cereja do bolo deste ano foi a apresentação Grupo Cultural AfroReggae, que é uma organização não governamental fundada com a missão de promover a inclusão e a justiça social por meio da arte, da cultura afro-brasileira e da educação.
Outra atração foram os bonecões, não tão grandes como os de Olinda (PE), mas que chamaram a atenção pela sátira ao momento político do país. Mas até o Papa Francisco caiu na folia, ao lado da presidente Dilma Rousseff, Joaquim Barbosa e Lula. “Todo ano a gente faz mais três bonecos. Já são 20”, conta Jacaré. “É tanta corrupção que este ano resolvemos escolher três símbolos: o japonês da Polícia Federal, Eduardo Cunha e Nestor Cerveró, para representar essa classe de que a gente tanto se orgulha”, brinca Jacaré. O coelhinho da Páscoa, segundo ele, ficou para o ano que vem.
Quem também caiu na folia foi o taxista Leonardo Alves de Souza, de 28. Saiu do banho e foi direto para a avenida, usando roupão. “Calor demais”, disse. Pelo menos ele colocou uma sunga por baixo. “Estou me sentindo na praia. Se chover, também já estou preparado”, disse. E voltando à dona Alda, a senhora de 72 anos que empurra a vida dura com alegria, ela conta que já participou da Banda Mole “um punhado de vezes”. No começo, era para acompanhar a neta, que cresceu e está com 20 anos, animada como a vovó. “É bonito demais. A gente se distrai muito no carnaval. Ficar presa dentro de casa não dá certo”, brinca a dona de casa, que mora no Bairro Céu, na Região da Pampulha, e que não perde a Banda Mole por nada, faça sol, faça chuva, segundo ela. E ontem, só foi sol. A festa começou às 13h e até as 22h os organizadores esperavam mais de 40 mil pessoas.