Acuados em casa, cercados por disparos que riscam telhados, recocheteiam nos postes e perfuram muros, grades de portões, árvores e carros, moradores do Bairro Serra, na Região Centro-Sul, experimentam pela primeira vez o terror de estar sob o fogo cruzado da guerra pelo controle do tráfico de entorpecentes. Pavor que já toma conta há uma semana dos moradores do complexo de favelas vizinho, o Aglomerado da Serra, desde que a polícia prendeu um suspeito de liderar o tráfico, de 52 anos, em meio à disputa de gangues rivais por pontos de droga. A vida no interior desse que é o maior agrupamento de favelas da capital mineira lembra o cotidiano de uma zona de guerra.
Ontem, por segurança, o Centro de Saúde da Vila Cafezal foi fechado e 350 atendimentos diários foram transferidos. Policiais que residem no aglomerado e famílias perseguidas pela rivalidade das gangues tiveram de deixar suas casas por medo de retaliações. Relatos de quem mora nas vilas dão conta de restrições de circulação pelas vielas, momentos de pânico devido a tiroteios e ameaças.
A chegada da viatura do Batalhão de Rondas Táticas Metropolitanas (Rotam) na Rua Guaxupé, ontem, parecia a cena de um resgate. Os cinco militares de fardas camufladas desceram do veículo com fuzis e rifles de grosso calibre em mãos, tomando postes e árvores como barreiras contra disparos que poderiam vir da Rua Sacramento. A via tem sido o palco dos confrontos entre a gangue que controla bocas de venda de maconha, cocaína e crack nessa rua e a quadrilha da parte mais alta, na Bandonion. Aproveitando esse momento de proteção, um pequeno grupo de moradores que estavam apavorados dentro de suas casas e prédios resolveu descer apressado. “Nossas casas estão todas perfuradas por balas. Não tem mais uma madrugada sem os tiroteios aqui na esquina. É um pavor, um medo terrível de a gente ser atingido”, disse um dos moradores, empresário de 62 anos, que apertava o passo puxando pela mão a mulher e o filho adolescente.
Uma jovem com o filho no colo aproveitou a segurança e desceu da favela na companhia com duas mulheres para enfim chegarem ao ponto de ônibus. “Estamos atrasadas. Ela vai para o médico e nós vamos trabalhar. Sem a polícia, não temos coragem de passar”, disse uma das mulheres, que não quis parar para dar entrevista. Duas idosas que tinham saído cedo de suas casas na Rua Guaxupé correram passeio acima e se trancaram dentro de casa com expressões de alívio. “A gente sai com medo e volta com medo olhando para todos os lados. Quando vimos a polícia, tratamos de aproveitar para correr. Tenho tido tanto medo, que à noite só rezo e nem no meu quintal tenho mais coragem de ir”, desabafou uma das idosas, de 77 anos.
O medo delas é compreensível para quem passa não apenas pela Rua Guaxupé, como também pela Capelinha e São Sebastião. Todas fazem esquina com a Rua Sacramento e têm sido usadas para ataques e revides. Dezenas de marcas de tiros abriram buracos que vararam os muros e portões de aço. Um carro estacionado também foi alvejado duas vezes. As árvores têm perfurações tão grandes que cabem dedos em seu interior.
POSTO FECHADO Devido à violência, o Centro de Saúde Vila Cafezal foi fechado ontem e os profissionais que trabalham lá foram transferidos para um anexo no Centro de Saúde São Miguel Arcanjo, unidade que fica numa parte mais policiada. Segundo os atendentes do edifício, os pacientes que chegam para se consultar são dirigidos ao novo local a que muitos têm dificuldades de chegar por serem ou problemas de locomoção.
No interior das vilas Nossa Senhora da Conceição e Nossa Senhora de Fátima, a população se encontra acuada pelas disputas entre as quadrilhas. “Está incomodando todo mundo. Ninguém dorme direito. Tem tiroteio toda hora, você não sabe de onde vêm as balas. De repente, as pessoas correm em zigue-zague para não levar bala, se escondendo nas esquinas, helicóptero passa por cima dos nossos telhados”, disse, depois de deixar o aglomerado para ir trabalhar, um morador da Nossa Senhora de Fátima, de 39 anos.
Dentro da vila, uma liderança comunitária afirma que a tensão vai além dos tiroteios, com a intensificação das ameaças das quadrilhas para que a população não colabore com rivais ou com a polícia.