O fogo cruzado da guerra entre traficantes no Aglomerado da Serra, na Região Centro-Sul de BH, já resultou em duas viaturas policiais cravejadas de balas e policiais sob o risco da morte. Mas os dois veículos blindados do tipo “caveirão”, que custaram à Polícia Militar R$ 1,4 milhão há seis anos e poderiam proteger os militares, não estão nos planos do comando da corporação para entrar na Serra. Ontem, a PM ocupou o complexo de favelas pela primeira vez durante todo o dia, desde que os confrontos entre traficantes começaram, em 6 de janeiro. Apesar do poder dos veículos blindados, que são capazes de romper vielas bloqueadas por barricadas e resistem a disparos de metralhadoras antiaéreas calibre .30, eles só saíram para enfrentar o crime organizado uma vez a cada cinco meses desde que foram adquiridos. Há quase um mês, a população é refém da violência.
Apesar de os habitantes da Serra estarem sob o fogo cerrado dos traficantes, a opção do comando foi de não usar os dois blindados similares aos “caveirões” do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) do Rio de Janeiro. Isso mesmo depois de o próprio Comando do Policiamento Especilaizado (CPE), que gerencia essas unidades, ter declarado à reportagem que “a principal função (dos caveirões) é a atuação em situações de controle de distúrbios, na iminência ou por ocasião da ruptura da ordem pública, e para seu reestabelecimento”.
Os dois veículos têm capacidade para transportar 14 militares, com estações de tiro, torre para disparos de bombas de efeito moral, gás lacrimogênio e jatos de água. Um está estacionado nas novas instalações do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate), no Bairro Santa Amélia, Região da Pampulha. De acordo com o CPE, foi utilizado, até o dia 22 de outubro do ano passado, em 14 incursões em aglomerados urbanos e em outras nove ocorrências.
Ontem, pela primeira vez desde que os conflitos deste ano começaram, a ocupação do Aglomerado da Serra ocorreu durante todo o dia, com presença de viaturas do Choque. A mudança de estratégia, que privilegiava incursões da PM em horários pontuais, foi uma tentativa de avançar na identificação de novos suspeitos. De acordo com o comandante do 22º Batalhão de Polícia Militar (BPM), tenente-coronel Olímpio Garcia, militares deram início ao policiamento desde as 6h até o fim do dia. A presença do grupamento estava restrita ao período das 19h às 23h. O objetivo da ocupação, segundo o coronel, foi garantir segurança a policiais do setor de inteligência para que pudessem colher mais informações sobre gerentes do tráfico e os “jovens traficantes”, que assumiram as bocas de fumo após a prisão de líderes do tráfico, no último ano. “Vamos pedir mandados de prisão para todos eles. Nosso objetivo é desarticular por completo esses grupos”, disse. O coronel admitiu que o clima permanecia tenso ontem no aglomerado, mas afirmou que as pessoas estavam conseguindo manter a rotina de trabalho e saída e entrada em casa.
O Centro de Saúde Vila Cafezal ficou fechado pelo segundo dia consecutivo.
Passageiros que dependem do serviço de transporte suplementar também foram afetados. As duas linhas que atendem ao Aglomerado da Serra – 102 e 103 – já são alvo de críticas por circular quase sempre lotadas e com intervalos de horários muito grandes. E ontem a situação foi ainda pior. Das 29 viagens programadas para a linha 102, cinco deixaram de ser feitas, enquanto das 41 previstas para a 103, seis foram suspensas. O comércio também já sofre o impacto do conflito e donos de pequenos empreendimentos no local se queixam de baixa nas vendas.
O professor da Fundação João Pinheiro e especialista em segurança pública Luis Felipe Zilli Nascimento afirma que o modelo de polícia que apenas reage com violência a distúrbios ocorridos nos aglomerados não produz efeito duradouro na segurança da comunidade, isso inclui investimentos em modelos utilizados no Rio de Janeiro, como as unidades de Polícia Pacificadora (UPP), que são como a Área Integrada de Segurança Pública (Aisp) da Serra, e os caveirões. “No Rio de Janeiro, essa é uma nova forma de policiamento, mas com uma corporação de velhos paradigmas, dentro das comunidades que trabalham sob metodologia de enfrentamento e não de polícia comunitária. Combatem o crime e não resolvem problemas. Lugares violentos precisam de policiamento de proximidade”, afirma.
A violência na Serra não tem poupado nem sequer os policiais militares que residem no aglomerado.
Uma liderança comunitária do complexo de favelas da Serra afirma que a situação de violência é crítica sobre os policiais, e que há também moradores sendo expulsos de suas casas. “Normalmente, os bandidos dão indiretas. A pessoa passa na rua e eles intimidam. Gritam dizendo que chegou o fulano, que ele fica cheirando a galera inimiga. Isso porque o filho namora alguém na área do outro pessoal, ou porque joga bola com eles. Mandam ir ficar com o pessoal inimigo, já que gosta deles. Perguntam se na hora que o bicho pegar vai ficar com eles. As pessoas apavoram, chamam a polícia para ajudar a tirar as suas coisas e depois somem no mundo. Ninguém mais ouve falar delas”, conta. Sobre a situação dos moradores, o tenente-coronel afirmou que os militares estão presentes durante todo o dia para garantir a segurança e a manutenção da rotina dos moradores. E que as ações policiais têm se preocupado em não afetar a rotina de atividades da comunidade. De acordo com a assessoria de comunicação da Polícia Militar, a corporação faz o acompanhamento da situação pelo serviço de inteligência e oferece programas habitacionais que atendem o policial para o remanejamento quando ele reside em área de risco e/ou sofre algum tipo de ameaça. Segundo o órgão, a PM conta com o Pro-Morar, programa de facilitação para a aquisição de imóvel. “Mas o militar ameaçado passa na frente do processo por um colegiado que avalia isso. Também temos a rede de policiais protegidos, que incentiva policiais da mesma região a trocarem informações e com isso buscar a autoproteção”, informou a assessoria. (MP/VL).