Com o som bem diferente dos outros blocos da cidade, a ideia foi exaltar a espiritualidade - Foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A PressVocê já correu alguma maratona com o rosto e o corpo pintados de azul? Se essa caracterização para encarar um esporte te parece estranha, não é o que os foliões que acordaram cedo no domingo de carnaval de Belo Horizonte acharam. Na onda da folia que só cresce na capital mineira, é cada vez mais comum ver foliões pulando de bloco em bloco, começando cedo e terminando tarde, tentando extrair ao máximo a essência da festa belo-horizontina. Ontem, essa verdadeira maratona que tem sido percorrida nos dias da festa de Momo começou colorida de azul e em ritmo zen, com os cânticos do Pena de Pavão de Krishna, carinhosamente conhecido como PPK. O bloco de estilo alternativo, que tradicionalmente foge da Região Central de BH e busca locais mais ermos e próximos da natureza, lotou as ruas do Bairro Jardim Pirineus, Leste da capital, espalhando a paz de espírito e o amor coletivo.
“Aflorou, afoxé, ritmo da nossa fé/É Belô, afoxé, todo mundo andando a pé/No carnaval, te conheci/Transcendental, te segui”. Cada vez mais vozes entoam o cântico que virou hino do bloco, voltado para exaltação de Hare Krishna e da espiritualidade. A previsão da organizadora do bloco, Flora Rajão, era de que 10 mil pessoas acompanhariam o caminhão de som por quase seis quilômetros entre os bairros Jardim Pirineus, Taquaril e Castanheiras, o último em Sabará, na Grande BH. Algumas pessoas afirmam que a multidão que seguiu os “azuis” do PPK chegou a esse número, mas a Polícia Militar estimou os presentes em cerca de 5 mil. “A cada ensaio, chegam pessoas novas, buscando o bom astral que prezamos e a nossa manifestação espiritualista forte”, conta Flora.
Polícia estimou público de 5 mil pessoas, mas organizadores calcularam que 10 mil seguiram o pavão - Foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A PressAs dúvidas relacionadas ao tamanho do público que seguiu o PPK em 2016 não se aplicam à animação das pessoas, caso dos amigos Jéssica Pena e Letícia Godinho, ambas de 22 anos, Janaina Penna, de 43, e Fernando Lourenço, de 26.
“Hoje eu só volto amanhã”, brinca Janaina, ao explicar que os trabalhos estavam apenas começando no PPK e ainda passariam pelo bloco Ordináááários e Alcova Libertina antes do fim do dia. “Dependendo, podemos ir também ao Garotas Solteiras”, afirma Letícia. “O jeito é não varar a madrugada e dormir relativamente cedo. O bom de ter carnaval de dia é isso, dá para pegar um bloco atrás do outro”, destaca Jéssica. “Desse jeito, vamos perder uns quatro quilos”, completa Fernando.
Muitos deixaram para se pintar e arrumar os adereços com plumas ao chegar no Jardim Pirineus - Foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A PressEncantada pelo Pena de Pavão, a fisioterapeuta Juliana Novaes, de 29, aguardava o momento para entrar em estado de êxtase. “É uma manifestação espiritual que nos guia para tudo. O amor transborda no peito e a gente cria uma corrente de luz que vai além do que vemos normalmente. Um grupo inteiro dessa forma cria sentimentos de compaixão, união e respeito a todos os tipos de manifestações”, afirma. A médica Ana Cristina Issa, de 34, destaca o misticismo do bloco. “É uma confraternização que nos faz evoluir mental e fisicamente, afinal, a gente sobe e desce ladeira”, brinca.
Fernando Lourenço, Janaína, Letícia e Jéssica começaram a folia no PPK, seguiram para o Ordináááários e iriam para o Alcova Libertina - Foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A PressCrianças no clima A energia positiva faz com que pais e mães levem seus filhos, mesmo muito pequenos, ao bloco, como a artista circense Ana Mel Oliveira, de 26. A caracterização normal no rosto, todo pintado de azul, se estendeu à pequena Olívia, de apenas 11 meses, que já tinha curtido o carnaval de 2015 na barriga da mãe e agora viu tudo com os próprios olhos. “Eu acho bem legal essa iniciativa de levar o carnaval para lugares mais isolados, para descentralizar a festa”, diz Ana Mel. Uma corda foi esticada por questões de segurança para proteger o caminhão e a área acabou servindo de apoio para pais e mães com crianças de colo, que ficaram mais confortáveis e puderam curtir com os pequenos em segurança.
"O grande diferencial é que no bloco não tem essa obrigação de beber para curtir e pular junto: o negócio é fazer a conexão com o divino"
- Foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A PressAntes do início do desfile, um café da manhã com opções prioritariamente vegetarianas foi servido pelos adeptos da cultura Hare Krishna.
A cor azul, inclusive, é uma homenagem a Sri Krishna, a personalidade de Deus, segundo o movimento indiano. Depois do café e das rodas de exaltação a Krishna, os membros do grupo fizeram uma oração. O ápice veio com o hino do bloco, cercado por câmeras de todos os tipos para registrar o momento mágico que deixa a maioria dos presentes arrepiados. Como o bloco percorre uma longa distância, muitos foliões não ficaram durante todo o trajeto e voltaram antes do fim do percurso, marcado para o campo de futebol. Um pequeno incidente foi registrado. A roda de um reboque puxado pelo caminhão de som acabou passando em cima do pé de um dos organizadores, que foi atendido por pessoas que estavam no local e levado ao hospital..