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Estado de Minas

Ativista mineiro vai à ONU defender política de enfrentamento do estigma do HIV

Diego Callisto quer política que incentive portadores do vírus a revelar sua condição e evitar a "morte social"


postado em 14/02/2016 11:00 / atualizado em 14/02/2016 12:28

"Sou soropositivo, mas tomo meu medicamento regularmente e minha carga viral é negativa. Podemos conversar sobre isso, gente? Ou devo decretar minha morte social?" - Diego Callisto, de 26 anos, formado em relações internacionais e morador de Juiz de Fora (foto: Euler Júnior/EM/DA Press)
Em reunião da Organização das Nações Unidas (ONU) marcada para junho, o jovem ativista Diego Callisto www.diegocallisto.com.br), de 26 anos, vai apresentar aos observadores internacionais uma nova visão sobre os direitos dos soropositivos, que começam a ser discutidos este ano em âmbito mundial. Para a reportagem do Estado de Minas, ele antecipa que seu painel vai tratar do enfrentamento do estigma do HIV/Aids passados 35 anos dos primeiros registros das infecções pelo vírus no mundo. “Sou soropositivo, mas tomo meu medicamento regularmente e minha carga viral é negativa. Podemos conversar sobre isso, gente? Ou vamos continuar achando que a sociedade não está preparada para aceitar pessoas vivendo com HIV e que devo decretar minha morte social? Ou seja, se revelar meu diagnóstico, vou ter de me trancar no quarto, ser expulso de casa e perder meu emprego?”, questiona.


Formado em relações internacionais em São Paulo, com especialização em epidemiologia para HIV na Califórnia, Diego assumiu uma postura aguerrida quando descobriu ser portador do vírus, aos 18 anos. Se a sociedade é resistente hoje, imagine há quase nove anos, que se completam agora em março. Na época, o rapaz que ele namorava se internou no Hospital Emílio Ribas (referência em HIV em São Paulo), onde permaneceu até a morte. “Minha cabeça ficou a mil. Já tínhamos mais de seis meses de relacionamento e depois das três primeiras vezes deixamos de usar camisinha. Nem pensei no risco de contrair o HIV”, conta ele, que não culpa o parceiro pela contaminação: “Sexo é consensual. Se quis ter relação sexual sem camisinha, a culpa é minha também”.

Passado o impacto dos primeiros seis meses, Diego decidiu declarar sua nova condição de soropositivo, tanto na vida real quanto na internet (Orkut, Facebook, Instagram), bem como iniciou o tratamento com a terapia antirretroviral, que já está disponível no Brasil desde a década de 1990. Fez radicalmente o oposto do parceiro: “Seria indelicado culpar meu namorado, que veio a óbito (Diego evita falar a palavra morte) para não descobrir que tinha Aids. Ele tinha tanta fobia do diagnóstico e de ser rejeitado que pagou com a própria vida. Quando se internou nunca tinha feito antes o teste. A Aids se instalou muito rápido, ele teve uma série de complicações hepáticas e não resistiu. Chegou a me pedir perdão, mas acho que perdão é com Deus, não é comigo. Ele não me devia nada”.

Batalhador, Diego explica que se deu o tempo de seis meses para mergulhar no assunto e se empoderar, absorvendo conhecimentos sobre a forma de transmissão e sua nova rotina. Só então contou para os pais, a esteticista Aparecida Agostinho, a Cida, e o gráfico José Antônio Callisto, ambos de 57 e de Juiz de Fora. Separados desde os seis anos do filho, os dois voltaram a se falar em função da descoberta da sorologia de Diego. “O apoio da família é muito importante, fundamental. Minha mãe absorveu melhor a situação, também começou a ler muito a respeito e, a partir do momento em que me entendeu começou a trabalhar a situação com meu pai, com os outros familiares e até com os antigos professores, que ligavam lá para casa querendo saber o que estava acontecendo”, diz o jovem, que esperava que os pais reagissem de maneira pior, por terem vivenciado a época em que as propagandas oficiais proclamavam: Cuidado, Aids mata.

Soropositivos falam sobre como é viver com o vírus HIV


QUEBRA DO SIGILO Estudante do 6º período de medicina da UFMG, Gustavo Cardoso, de 23, já havia se submetido a dois testes rápidos anti-HIV, até por dever de ofício. Estimulado pelas últimas campanhas nacionais do Ministério da Saúde, que atualizaram o já batido slogan ‘use camisinha’ por #partiuteste, o universitário decidiu refazer o exame rápido no Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) do PAM Sagrada Família, por uma questão de rotina, em 13 de maio do ano passado. Foi acompanhado de uma amiga, que aguardou até sair o resultado, em meia hora. Deu positivo. “Peguei o resultado de manhã e, à tarde, já estava na faculdade. Em função do meu conhecimento, já sabia tudo o que teria de fazer e achei que não era motivo para deixar de viver. Obviamente, tive meu momento de choro, mas acho que foi mais porque olhei para minha amiga e ela estava em prantos”, explicou.

"Tenho amigos que morrem de medo de revelar sua sorologia. Para mim, esconder é a pior solução. A história mostra que aqueles que mudaram a sociedade deram a cara a tapa" - Gustavo Cardoso, de 23 anos, estudante do 6º período de medicina da UFMG (foto: Euler Júnior/EM/DA Press)

Apesar do aparente distanciamento clínico, Gustavo buscou um caminho diferente em relação a outros colegas e amigos médicos, que também descobriram o diagnóstico do HIV, mas optaram pelo direito ao sigilo a respeito da sorologia positiva. “Para meus amigos mais íntimos já contei no primeiro dia e aos outros vou dizendo aos poucos. Dentro do código de ética médica, me sinto protegido do risco de sofrer preconceitos tanto de colegas quanto de pacientes, mas respeito aqueles que não queiram se consultar comigo”, afirma ele, que se identifica com a clínica médica e não tem planos de se tornar cirurgião. “No entanto, se por hipótese o cirurgião se cortar com os instrumentos se ele estiver tomando regularmente seus medicamentos, sua carga viral vai ser indetectável”.

MARCAS DO PASSADO


"Se pudesse voltar no tempo, eu teria mais cuidado e menos confiança no parceiro, ainda que fosse de um relacionamento de longo tempo"

Gustavo Cardoso, de 23 anos, estudante de medicina, soropositivo


Para Gustavo Cardoso, o maior tabu da Aids ainda está longe de ser vencido. “É difícil no Brasil chegar para um parceiro de longo prazo e propor a sorologia mútua: ‘E aí, vamos fazer a sorologia para ver como a gente está?’. O pedido ainda soa como uma quebra de confiança no outro, tanto em um relacionamento homoafetivo quanto heterossexual”, acredita o jovem, para quem essa seria uma atitude importante na guerra contra a Aids. “Ainda não dei início ao uso dos medicamentos, porque descobri recentemente, mas sempre converso com as pessoas com quem saio e aviso da minha sorologia, como eu gostaria que tivessem feito comigo. Levo a vida numa boa. Não é todo mundo que está preparado para aceitar, mas procuro conversar sempre e explicar tudo o que sei sobre o HIV. Tenho a expectativa de que, no futuro, quem me rejeitou consiga pensar melhor”, aposta. Agora, é regra: camisinha em 100% das relações sexuais.


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