A obra estava embargada, mas continuou até a queda ontem - Foto: Paulo Filgueiras/EM/DA PressMesmo com determinação de embargo desde setembro do ano passado e depois de três multas aplicadas por descumprimento à ordem da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) para ser paralisada, uma obra irregular na Região Noroeste de Belo Horizonte chegou ontem a seu ponto mais crítico. O prédio de quatro pavimentos – uma garagem e três andares –, que estava sendo erguido no número 115P, na Rua Araruama, no Bairro Carlos Prates, desabou e ficou completamente destruído. O acidente ocorreu por volta das 12h30 e, com a queda do edifício, uma casa ao lado foi atingida e precisou ser interditada. Os moradores, por questão de segundos, não foram atingidos. Uma idosa, a filha e a neta precisaram deixar a residência e ir para a casa de parentes. Mais que o transtorno e prejuízo, a queda do prédio levanta uma discussão: qual é a eficiência das medidas administrativas para frear construções clandestinas na capital? Enquanto a PBH garante que seguiu os passos previstos na lei, aplicando notificações e multas, e que nesta semana interditaria a obra, o construtor decidiu manter a desobediência. Teve tempo de dar cabo à obra e erguer quatro pavimentos mesmo com o embargo tendo sido emitido cerca de dois ou três meses depois do início da construção.
A notificação de embargo da prefeitura foi em 2 de setembro, quando o responsável pela obra foi também notificado. A partir daí, se seguiram a aplicação das três multas, a primeira no valor de R$ 12,4 mil, com reajuste a cada reincidência, o que não inibiu a movimentação no canteiro de obras.
A construção já vinha incomodando vizinhos. Alguns deles até fizeram denúncias ao setor de Fiscalização da prefeitura e ao Ministério Público. Em um dos casos, só uma das moradoras coleciona uma lista com cinco chamados para vistoria. A moradora da casa atingida, a aposentada Auxiliadora Jesus do Nascimento, de 79 anos, conta nunca ter tido indícios de que o prédio viria ao chão. Mas que o susto foi grande ontem. “Por pouco minha filha e minha neta não foram atingidas. Elas tinham acabado de sair do quarto”, contou. Mas, na rua dela, a desconfiança já existia. De acordo com o autônomo Davi Ferreira, de 47 anos, “o fato de a obra nunca ter tido placa na fachada com informações sempre era comentando por moradores”.
As informações a que Davi se refere são o alvará de construção e a identificação do responsável técnico (engenheiro) pela obra ou da construtora contratada para a execução. No tapume, na entrada, há uma placa do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Minas Gerais (Crea-MG). O órgão responsável por fiscalizar a presença de profissionais em construções foi procurado ontem pelo Estado de Minas para esclarecimento sobre a vistoria, mas ninguém foi localizado.
A falta de documentos também foi detectada pela Coordenadoria Municipal de Defesa Civil (Comdec), que esteve no local para avaliar os riscos. De acordo com o vistoriador Vitório Nilson Luiz da Silva, uma notificação do acidente será enviada ao Crea para que o conselho apure a situação do profissional que atuava na obra. Não havia no sistema da Defesa Civil pedidos de vistoria para avaliação de riscos na construção, segundo o órgão.
Ainda segundo ele, não é possível presumir antecipadamente quais foram as causas da queda do imóvel, mas erros de projeto, deficiências construtivas ou de materiais podem estar entre as razões.
Um quarto de uma casa vizinha foi atingido e o imóvel precisou ser interditado - Foto: Paulo Filgueiras/EM/DA PressNa avaliação do presidente do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia (Ibape), Frederico Correia Lima Coelho “o problema das obras irregulares na cidade não é só de fiscalização”. Apesar de as equipes de fiscais não serem suficientes para toda a demanda, o problema, neste caso, chegou a ser detectado. Faltou uma atitude enérgica. O caso é de polícia”, afirma.
O gerente de Fiscalização responsável pela área onde está localizada a construção, José Luiz de Oliveira Fernandes, defende que todas as etapas foram cumpridas e que, não há um limite de multas a ser aplicado antes da interdição. “Já nesta semana faríamos contado com a Polícia Militar e Guarda Municipal para interdição e antes aplicaríamos uma outra multa”, afirmou. De acordo com o coordenador municipal de Defesa Civil, coronel Alexandre Lucas, o caso será notificado ao Ministério Público Estadual com o qual a Comdec já tem um acordo firmado para apuração de situações de irregularidades em obras, com a finalidade de prevenir tragédias. Os responsáveis técnicos pela obra foram procurados, mas não atenderam a reportagem. .