A irmãs Sheika e Archeline Louis, respectivamente de 14 e 13 anos, ficam com a mesma idade por alguns meses. Quem as vê percebe o quanto são parecidas, de modo que é fácil pensar que são gêmeas. Sorridentes, as duas têm muitas expectativas em relação ao Brasil e já trilham um caminho para que os sonhos se cumpram. Integradas à comunidade escolar, as meninas são uma das quatro estudantes haitianas da Escola Municipal Maria de Matos, no Bairro Jardim Pérola, em Contagem.
Sheika tem dúvidas se pretende seguir a carreira de cantora ou de engenheira civil. As meninas estavam nos primeiros grupos que chegaram ao estado há quase quatro anos. Apenas 31% dos imigrantes haitianos em Minas são mulheres com idades entre 4 e 54 anos, como demonstrou a pesquisa Imigração Haitiana na Região Metropolitana de Belo Horizonte, realizada pelo grupo de pesquisa e extensão Direitos Sociais e Migração da PUC Minas.
As duas deixaram para trás os pais para viver com a irmã mais velha, hoje com 21 anos, que estava no Bairro São Joaquim, em Contagem. “A gente sente saudade de nossos pais, mas eles vêm nos visitar”, diz Sheika. Tirando os pais, todos os cinco irmãos migraram para o Brasil. Se seguir a carreira na música, o estilo adotado deverá ser o gospel, conta a menina, que tem simpatia pela religião evangélica, o que não a impede de gostar também de samba, pagode e funk. “Quando vim para cá queria aprender a falar outra língua e conhecer coisas diferentes. Começo a falar português e me acostumar com a cultura”, diz Archeline com bastante desenvoltura com a língua.
O diretor-geral do Departamento de Educação e Diversidade de Contagem, João Alves de Souza Júnior, defende ações articuladas para garantir aos imigrantes o direito universal de acesso à escola. No município, o programa Escola sem Fronteiras segue quatro eixos: elaboração de um mapeamento seguido de diagnóstico sobre a situação social dos estudantes e famílias; elaboração de material pedagógico que coloque em diálogo a cultura brasileira e a haitiana; trabalho de sensibilização dos profissionais em educação para recepcionar os imigrantes e trabalhar pedagogicamente com eles. Um das ações desse eixo são aulas de francês para os professores para ajudar na comunicação.
“Na comunicação entre professores e pais, orientamos que os bilhetes sejam escritos em crioulo para facilitar o entendimento”, diz. Haitiano, o professor Phanel Georges, de 30 anos, ajuda a comunidade haitiana em Contagem no processo de integração. Uma de suas funções é acompanhar os pais no momento em que procuram vagas para os filhos. Muitos recém-chegados ainda não sabem como funciona o sistema educacional brasileiro e, na maior parte das vezes, não dominam o português. Ele lembra que vários pais não sabem que os filhos têm direito à educação, muitos ficam com medo e ainda há a burocracia relacionada à documentação. “A questão migratória existe no mundo todo. É uma questão muito atual. É o fluxo de pessoas em busca de uma vida melhor”, argumenta Phanel. Um passo fundamental para o processo de adaptação é o acesso à educação. Mas, em sua avaliação, faltam materiais didáticos e pedagógicos para atender os imigrantes haitianos.
Recentemente, a PUC Minas criou o Observatório de Migração Internacional do Estado de Minas Gerais (ObMinas). “Temos que atender essa população e coibir a xenofobia e o racismo. Precisamos também garantir que os imigrantes façam rotas seguras e fujam do tráfico”, afirmou o professor Duval Fernandes. O objetivo do observatório é ajudar na mediação da relação dos imigrantes com os órgãos de governo. A universidade também tem papel fundamental nesse processo. “Queremos mostrar aos imigrantes que eles são bem-vindos e que desejamos contribuir com eles. A migração internacional não é problema de um único ator. Ela nos convoca à articulação entre Estado, sociedade civil e organizações não governamentais para a criação de uma sociedade mais igualitária, por meio do diálogo e interação com os imigrantes”, destacou a pró-reitora adjunta de extensão da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Cláudia Mayorga.
Lições que vieram do Haiti
Em 1791, quando o Brasil ainda era colônia, teve início no Haiti um processo longo para independência, uma das primeiras revoltas nas Américas com forte caráter abolicionista. A coordenadora do projeto República da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e autora do livro Brasil uma biografia, Heloísa Starling, destaca que a revolução do Haiti está no mesmo nível de importância da revolução norte-americana, que trouxe a discussão sobre república, e a Revolução Francesa, que preconizou a igualdade.
A revolução haitiana pôs em foco a liberdade para todos em uma época em que o regime escravocrata imperava em muitos países. “No Brasil, os senhores de escravos tinham muito medo de ocorrer algo semelhante”, lembra Heloísa. Diante do fantasma de uma insurreição liderada pelos escravos, a Coroa portuguesa enviou carta alertando o governo da Bahia. “O Brasil e o mundo devem muito ao Haiti”, reforça a historiadora.
A dimensão social da revolta do Haiti tempos depois inspirou Caetano Veloso a compor a canção que recebe o nome do país. Há 22 anos, ao dizer que o “Haiti é aqui”, o músico conclamou uma reflexão acerca de questões sociais e raciais no Brasil. Embora queiram reconstruir a vida no Brasil, os haitianos se orgulham da nacionalidade. “A nossa nacionalidade nos custou muito caro. Vamos ser sempre haitianos”, pontua o professor Phanel Georges.
Sheika tem dúvidas se pretende seguir a carreira de cantora ou de engenheira civil. As meninas estavam nos primeiros grupos que chegaram ao estado há quase quatro anos. Apenas 31% dos imigrantes haitianos em Minas são mulheres com idades entre 4 e 54 anos, como demonstrou a pesquisa Imigração Haitiana na Região Metropolitana de Belo Horizonte, realizada pelo grupo de pesquisa e extensão Direitos Sociais e Migração da PUC Minas.
As duas deixaram para trás os pais para viver com a irmã mais velha, hoje com 21 anos, que estava no Bairro São Joaquim, em Contagem. “A gente sente saudade de nossos pais, mas eles vêm nos visitar”, diz Sheika. Tirando os pais, todos os cinco irmãos migraram para o Brasil. Se seguir a carreira na música, o estilo adotado deverá ser o gospel, conta a menina, que tem simpatia pela religião evangélica, o que não a impede de gostar também de samba, pagode e funk. “Quando vim para cá queria aprender a falar outra língua e conhecer coisas diferentes. Começo a falar português e me acostumar com a cultura”, diz Archeline com bastante desenvoltura com a língua.
O diretor-geral do Departamento de Educação e Diversidade de Contagem, João Alves de Souza Júnior, defende ações articuladas para garantir aos imigrantes o direito universal de acesso à escola. No município, o programa Escola sem Fronteiras segue quatro eixos: elaboração de um mapeamento seguido de diagnóstico sobre a situação social dos estudantes e famílias; elaboração de material pedagógico que coloque em diálogo a cultura brasileira e a haitiana; trabalho de sensibilização dos profissionais em educação para recepcionar os imigrantes e trabalhar pedagogicamente com eles. Um das ações desse eixo são aulas de francês para os professores para ajudar na comunicação.
“Na comunicação entre professores e pais, orientamos que os bilhetes sejam escritos em crioulo para facilitar o entendimento”, diz. Haitiano, o professor Phanel Georges, de 30 anos, ajuda a comunidade haitiana em Contagem no processo de integração. Uma de suas funções é acompanhar os pais no momento em que procuram vagas para os filhos. Muitos recém-chegados ainda não sabem como funciona o sistema educacional brasileiro e, na maior parte das vezes, não dominam o português. Ele lembra que vários pais não sabem que os filhos têm direito à educação, muitos ficam com medo e ainda há a burocracia relacionada à documentação. “A questão migratória existe no mundo todo. É uma questão muito atual. É o fluxo de pessoas em busca de uma vida melhor”, argumenta Phanel. Um passo fundamental para o processo de adaptação é o acesso à educação. Mas, em sua avaliação, faltam materiais didáticos e pedagógicos para atender os imigrantes haitianos.
Recentemente, a PUC Minas criou o Observatório de Migração Internacional do Estado de Minas Gerais (ObMinas). “Temos que atender essa população e coibir a xenofobia e o racismo. Precisamos também garantir que os imigrantes façam rotas seguras e fujam do tráfico”, afirmou o professor Duval Fernandes. O objetivo do observatório é ajudar na mediação da relação dos imigrantes com os órgãos de governo. A universidade também tem papel fundamental nesse processo. “Queremos mostrar aos imigrantes que eles são bem-vindos e que desejamos contribuir com eles. A migração internacional não é problema de um único ator. Ela nos convoca à articulação entre Estado, sociedade civil e organizações não governamentais para a criação de uma sociedade mais igualitária, por meio do diálogo e interação com os imigrantes”, destacou a pró-reitora adjunta de extensão da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Cláudia Mayorga.
Lições que vieram do Haiti
Em 1791, quando o Brasil ainda era colônia, teve início no Haiti um processo longo para independência, uma das primeiras revoltas nas Américas com forte caráter abolicionista. A coordenadora do projeto República da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e autora do livro Brasil uma biografia, Heloísa Starling, destaca que a revolução do Haiti está no mesmo nível de importância da revolução norte-americana, que trouxe a discussão sobre república, e a Revolução Francesa, que preconizou a igualdade.
A revolução haitiana pôs em foco a liberdade para todos em uma época em que o regime escravocrata imperava em muitos países. “No Brasil, os senhores de escravos tinham muito medo de ocorrer algo semelhante”, lembra Heloísa. Diante do fantasma de uma insurreição liderada pelos escravos, a Coroa portuguesa enviou carta alertando o governo da Bahia. “O Brasil e o mundo devem muito ao Haiti”, reforça a historiadora.
A dimensão social da revolta do Haiti tempos depois inspirou Caetano Veloso a compor a canção que recebe o nome do país. Há 22 anos, ao dizer que o “Haiti é aqui”, o músico conclamou uma reflexão acerca de questões sociais e raciais no Brasil. Embora queiram reconstruir a vida no Brasil, os haitianos se orgulham da nacionalidade. “A nossa nacionalidade nos custou muito caro. Vamos ser sempre haitianos”, pontua o professor Phanel Georges.