O que era receio se tornou um perigo real no fim da tarde de sexta-feira, quando uma chuva de 93 milímetros despejados em uma hora transformou a Rua Diorita num rio de corredeiras velozes capazes de derrubar a pesquisadora Maria Ester Ribeiro, de 59, que se tornou a primeira pessoa a morrer por causa das chuvas em BH desde 2013. A rua, apesar do perigo constante, não consta na Carta de Inundações da capital e não tinha nenhuma das mil placas instaladas em 2009 pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) para alertar sobre locais suscetíveis a enxurradas e alagamentos. Algo que essa tempestade mostrou se repetir em outros bairros que também não estão contemplados pelos estudos, como o Alto Barroca (Oeste) e o Coração Eucarístico (Noroeste), pondo em xeque a cobertura dessa rede de alertas.
Essa situação é fruto de a impermeabilização constante da cidade não ser acompanhada de uma ampliação da rede de drenagem e da construção de piscinões, o que acaba também agravado pelos descartes ilegais de lixo e entulho e a deficiência na limpeza dos dutos de escoamento pluviais. Em novembro, a Superintendência de Limpeza Urbana (SLU) revelou ao Estado de Minas que a capital mineira tinha alterado a dinâmica de pontos inundáveis devido a obras viárias e ao crescimento da própria metrópole.
Na Rua Diorita, por exemplo, onde morreu a pesquisadora, o encarregado de almoxarifado já teve de usar uma prancha de madeira para resgatar da corredeira duas mulheres que ficaram ilhadas no ano passado. “Faltam bocas de lobo na Rua Platina e nas outras mais altas para a água não chegar com tanta força aqui. Depois que encontra o muro do metrô é que começa a ficar mais fundo. Estamos precisando de obras aqui com urgência. Caso contrário, mais gente pode morrer, mais gente vai perder a mãe, como a família da senhora que faleceu aqui na sexta-feira”, disse Jamil.
Naquele mesmo fim de tarde tempestuoso, os bairros mais altos da região tiveram suas ruas mais íngremes convertidas em cachoeiras, segundo as palavras de moradores que enfrentaram a situação. No Alto Barroca, a Rua Conselheiro Saraiva, entre a Avenida Silva Lobo e a Rua Santa Cruz, a concentração de enxurradas que desembocaram do alto do bairro foi tanta que uma residência acabou inundada e os bombeiros precisaram ser chamados. A via não tem placas de alerta contra inundações nem consta na carta da PBH. Na casa atingida não havia ninguém ontem, mas os vizinhos confirmaram que a cada tempestade têm ficado mais apreensivos com o comportamento violento da água. “Moro aqui há 30 anos e nunca tinha acontecido de uma casa ser inundada. Tinha muito na (Avenida) Silva Lobo, mas porque tem um córrego lá. Acho que precisamos de mais bocas de lobo e de um controle sério sobre o lixo que as pessoas jogam no passeio e que vai entrar direto nos poucos bueiros que temos”, reclama a manicure Rosália Xavier, de 58 anos.
PBH nega alterações
Sobre o acidente na Rua Diorita, o gerente de Gestão das Águas Urbanas da Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura de Belo Horizonte, Ricardo Aroeira, afirmou que o caso “vai servir para avaliar para ver se há necessidade de ampliação das redes de microdrenagens (bocas de lobo)”. Ressaltou, no entanto, que em temporais muito fortes, como o de sexta-feira, nem sempre as bocas de lobo vão conseguir captar toda a água em função do volume e da intensidade. “Estamos atentos a essa questão e também às relacionadas a macrodrenagens, como ampliação de galerias e outros”, disse. Segundo Aroreira, diversas obras de drenagem estão previstas para começar neste ano, entre elas a ampliação do canal sob a Avenida Francisco Sá e construção de outro, paralelo, para ampliação da rede.
Ele, no entanto, nega que novos pontos de alagamento tenham surgido na capital desde 2009, quando a Carta de Inundações foi elaborada. O documento mapeou 82 regiões críticas no entorno de córregos em leito aberto ou trechos de galerias onde foram construídas avenidas sanitárias e desde então os locais são monitorados para o risco de inundação e para o alerta da população. A carta está prevista para ser atualizada no prazo de um ano. “Mas não haverá grandes mudanças em relação aos pontos de inundação e sim em relação ao volume de água, para mais ou para menos”, explicou.
Palavra de especialista - Márcio Aguiar, mestre em Engenharia de Transportes e professor da Fumec
OBRAS NECESSÁRIAS
As inundações em locais não previamente mapeados e previstos vão continuar. O que temos em Belo Horizonte hoje nos pontos mais baixos é uma concentração de água muito grande, porque impermeabilizamos a cidade à medida que a construímos. Isso, ante nosso histórico ruim de manutenção das redes de drenagem, que só vai funcionar se os canais coletores estiverem desobstruídos. Observo que a quantidade de sujeira nas bocas de lobo as tem tornado ineficientes. Algumas vias foram construídas abaixo da máxima cheia, como a Cristiano Machado, onde a galeria debaixo acaba assoreada. Em outros pontos, esses erros se repetem e lugares que não tinham um histórico de inundações passam a ser perigosos por falta de manutenção e de intervenções preventivas, já que são obras de pouco valor político. Um tipo de intervenção que deveria ser feito com mais frequência é a construção de bacias de drenagem, como fazem São Paulo e Rio de Janeiro. São estruturas que protegem contra chuvas extemporâneas, que chegam acima do previsto pela drenagem instalada. É isso que vai nos salvar de chuvas que o poder público caracteriza como exceções, mas que ano a ano se repetem e estão passando a se tornar regra..