Onde os carros precisarem estacionar, lá estarão eles. Considerando apenas os cadastrados pela Prefeitura de Belo Horizonte, lavadores e guardadores de veículos tomam conta de 50% das vias dentro da Avenida do Contorno. A conta não inclui flanelinhas que atuam à margem da lei e estão expandindo suas atividades para bairros como o Buritis, na Região Oeste da capital, em momento em que o registro oficial de pessoas desempenhando a atividade vem diminuindo com o passar dos anos. Para o sindicato da categoria, esse movimento é uma indicação de que faltam fiscalização e políticas para que os cadastrados assumam apenas um quarteirão, o que estimula os que preferem agir sem registro, em várias vias e locais de eventos, como os estádios Mineirão e Independência. A PBH considera que o contingente em atividade tem se mantido estável, mas só computa os registrados regularmente.
A Secretaria Municipal de Administração Regional Centro-Sul, por exemplo – a que registra mais lavadores e guardadores –, chegou a ter 2.719 cadastrados nas ruas de sua circunscrição, mas atualmente conta com 1.131. Ou seja, desde 1999, quando o programa começou, 1.588 pessoas deixaram o cadastro. Na região Leste, apesar de ruas do Bairro Floresta serem densamente ocupadas por flanelinhas, só há oito pessoas no cadastro da PBH. Apesar dos modestos números oficiais, na prática o número de flanelinhas não parece ser menor, com clandestinos agindo em praticamente todas as ruas de pontos como Centro, Savassi e bairros Santo Antônio e Funcionários, onde gerenciam vagas para carros, motos e cobram até mensalidades, o que é ilegal.
Na Rua Marquês de Paranaguá, no Santo Antônio, dois homens se revezam nas extremidades da via para se impor a motoristas, ajudando a manobrar mesmo quando não solicitados ou depois de terem sido dispensados pelos motoristas, que acabam constrangidos a deixar dinheiro pelo estacionamento. Uma funcionária pública que trabalha na via disse que a dupla chegou há pouco tempo e a estratégia foi de logo assediar quem estaciona para trabalhar. Com o tempo, conseguiram até estabelecer um programa de pagamento mensal de R$ 60. Isso sem contar lavagens, que acabam sendo aceitas para garantir um clima menos hostil.
Um dos homens senta sobre os baldes vazios e indica a quem passa onde há vaga. Usa um crachá de letras diminutas, que não permitem identificar de que se trata, e uma camisa com a palavra “segurança” na parte de trás. De acordo com a servidora, uma artimanha para conseguir a confiança dos clientes. “Dizem que são legalizados, mas nunca os vi de coletes da prefeitura. Só com a camisa de segurança e o crachá que nem dizem de onde é. Acho um absurdo uma rua como esta perder o sossego e a civilidade pela ação de pessoas que ficam nos importunando e extorquindo. Afinal, temos medo de que possam fazer algo com nossos carros enquanto estamos trabalhando”, afirma a mulher.
Nem mesmo o uso de colete oficial significa que o guardador de carros é cadastrado na PBH. A peça de vestuário identificador chegou a ser distribuída pelo sindicato da categoria em parceira com a prefeitura, mas o programa acabou não dando certo e atualmente cada regional é que determina que tipo de documento confirma o registro oficial. No caso da Rua Marquês de Paranaguá, os dois homens que achacam condutores em busca de estacionamentos não têm o direito nem de limpar um para-brisas, pois não há nenhuma pessoa cadastrada na Regional Centro-Sul na via.
No Centro de Belo Horizonte, o grande volume de veículos, a redução gradual de vagas e a ausência de fiscalização da polícia e da PBH tornaram os flanelinhas donos das vagas. Um dos casos mais explícitos ocorre na Rua Tupis, entre a Rua São Paulo e a Avenida Amazonas. Dois homens se revezam no estacionamento e cobrança dos carros e motocicletas. Na parte baixa, o flanelinha sequer deixa que motociclistas estacionem seus veículos. Só pode parar ali quem entrega a moto ao homem, que a manobra de forma a alinhar o máximo de veículos no menor espaço, e só então joga as chaves de volta ao proprietário. Apesar do abuso, a procura é tanta que chegam a se formar filas duplas de motos e carros.
O estacionamento rotativo no quarteirão permite parar por uma hora, mas nas mãos dos flanelinhas paga-se R$ 7 para ficar indefinidamente. Se a fiscalização passar, os donos da rua cobram mais R$ 5 pelo tíquete do rotativo, que nas bancas custa R$ 3,80. O mesmo preço e estratégia ocorrem na Rua Carijós, entre São Paulo e Curitiba, onde dois flanelinhas de coletes verdes agem. Na tarde da última quinta-feira um trio de policiais montados passou pelo local, mas não importunou os clandestinos. Os PMs apenas mandaram que motoristas à procura de vagas saíssem das filas duplas que provocaram.
No Buritis, as ruas Geraldo Lúcio Vasconcelos, Rubens Caporali Ribeiro e a Avenida Aggeo pio Sobrinho se tornaram infestadas de flanelinhas após a abertura de estabelecimentos badalados. “Já estamos ouvindo boatos de arrombamentos de carros, principalmente porque falta fiscalização e policiamento mais constante no bairro. Os flanelinhas apareceram de uma hora para outra, mas só ficam aqui de noite, com o movimento”, disse o engenheiro Thiago Mattar, de 35 anos, morador de um prédio na região.
Incentivo aos clandestinos
A falta de fiscalização e a redução de vagas sujeitas a cadastramento em Belo Horizonte são apontadas pelo presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Estacionamentos, Garagens, Lava-jatos, Lavadores, Guardadores e Manobristas Autônomos do Estado de Minas Gerais, Martin dos Santos, como principais causas da redução da procura por cadastramento. “A impunidade contribui; as pessoas querem atuar em qualquer lugar e ficar por isso mesmo. Caso se cadastrassem, teriam de ficar fixas numa rua e não ir para outros lugares, para o Mineirão, para feiras. São aproveitadores”, classifica. Outro motivo apontado pelo sindicato da categoria é que muitos se tornam flanelinhas por terem problemas com a Justiça. “Se a pessoa não tiver ficha limpa, não tem condições de ter a certidão (de bons antecedentes) e não consegue se cadastrar”, afirma Santos. Para ele, é necessário mais repressão, mas também campanhas educativas, facilidades e apoio à categoria.
A Regional Centro-Sul informou que o cadastro de lavadores e guardadores de carros aumentou nos últimos dois anos, passando de 1.067 em 2014 para 1.131 no ano passado. Para a administração, apesar de os flanelinhas serem encontrados em mais locais, o número estaria estável. “Nesse período, foram realizadas 45 operações conjuntas com a Polícia Militar, sendo conduzidos 82 flanelinhas. O serviço de guardador é voluntário, sendo facultativa a contribuição. E a reserva de vagas é proibida. Denúncias podem ser feitas pelo telefone 156. Já os casos de extorsão e ameaças devem ser registrados nos órgãos de segurança”, informou por meio de nota.
A Polícia Militar informa que “nenhum guardador de veículo (flanelinha), ainda que credenciado, pode cobrar qualquer valor do condutor do veículo. A contribuição poderá partir de cada pessoa, mas voluntariamente”. Segundo a tenente Luana Cristina Pontes Dornela, do 1º Batalhão da PM, flanelinhas podem cometer crimes de extorsão – quando, mediante violência ou ameaça exigem valor indevido do condutor –, dano e ameaça. “Nesses casos, a vítima precisa acionar a Polícia Militar por meio do 190 e acompanhar a ocorrência até seu encerramento, que se dará na Delegacia de Polícia Civil. Além disso, o guardador que não for credenciado pela prefeitura pode ser enquadrado em exercício ilegal da profissão, uma contravenção penal”, afirma.
Vagas oficiais
Lavadores cadastrados em BH
Regional Lavadores/guardadores
Centro-Sul 1.131
Leste 8
Nordeste 24
Noroeste 14
Poucos perderam as licenças por motivos disciplinares ou de documentação
2011 3
2012 0
2013 1
2014 2
2015 6
Fonte: PBH