Impasse sobre 'puxadinho' leva PBH a radicalizar para conseguir título da Unesco

Após anos de negociação para remoção de anexo não previsto no plano original, Prefeitura de BH desapropria clube projetado por Niemeyer. Meta é abrir caminho para reconhecimento da Pampulha como Patrimônio Mundial

Estrutura (ao fundo) vista da igrejinha interfere no complexo e será removida por recomendação da Unesco - Foto: Cristina Horta/EM/D.A Press
O Iate Tênis Clube, principal entrave para que o conjunto arquitetônico da Pampulha seja considerado Patrimônio Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), foi desapropriado pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). A decisão será publicada hoje no Diário Oficial do Município e atende determinação da Unesco. O objetivo da PBH é demolir um anexo construído pelo clube na década de 1970 e destoante do conjunto projetado por Oscar Niemeyer, com trabalhos de paisagismo de Burle Marx e painéis de Cândido Portinari.

“Essa candidatura é inegociável. Se faltou possibilidade jurídica e administrativa de assinar um ato conjunto com o clube, o município faz uso de seu ato de força mais significativo e unilateral, de desapropriação total do bem, para não correr nenhum risco”, explicou o secretário de Governo da prefeitura, Vítor Valverde.

O secretário informa que ainda não há um valor definido para indenização, e frisou que todo o clube foi desapropriado, não apenas o anexo, chamado de "puxadinho". Ainda é possível, segundo Valverde, haver revisão do perímetro desapropriado, que será tentada em negociação amigável. Mas frisa: "A demolição do anexo é essencial". A reportagem do Estado de Minas foi até o clube, conversou com o gerente e buscou saber qual o posicionamento da diretoria diante da desapropriação, mas até o fechamento desta edição não obteve retorno.

O presidente da Fundação Municipal de Cultura (FMC), Leônidas Oliveira, explicou que em dezembro a prefeitura recebeu as recomendações elaboradas pelo Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos), órgão consultivo que auxilia a Unesco no julgamento da candidatura ao título de patrimônio. A exigência mais difícil, segundo Leônidas, dizia respeito ao puxadinho do Iate.

Leônidas disse ter procurado o prefeito Marcio Lacerda e o convenceu da importância de tomar a decisão.
Somente o Ministério Público, segundo Leônidas, propôs mais de 12 ações para tentar acabar com o anexo do Iate, todas sem sucesso.

Além da demolição do puxadinho, outras duas determinações do Icomos foram atendidas no plano de tombamento: duas praças, a Alberto Dalva Simão (entre a Casa de Baile e a estátua de Iemanjá) e a Dino Barbieri (em frente a Igrejinha da Pampulha), terão que recuperar o projeto de paisagismo original de Burle Marx. A última acabou de ser reformada e terá de passar por obras novamente. “Foi feito de maneira equivocado”, avalia a arquiteta presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil de Minas Gerais (IAB-MG), Rose Guedes.

DESPOLUIÇÃO Antes de a candidatura ser julgada pelos integrantes do comitê da Unesco, a Pampulha ainda vai passar por avaliações do Icomos. Mesmo assim, a presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Jurema Machado, acredita que o título vai sair até o meio deste ano. Sobre a poluição da lagoa da Pampulha, ela acredita que não será problema. “Acho que o governo municipal e a Copasa foram capazes de demonstrar as medidas que estão sendo tomadas. Ou seja, o problema na sua origem está equacionado. Os efeitos ainda não são tão visíveis quanto se gostaria, porque faltam ligações (de esgoto à rede oficial), sobretudo domiciliares”, afirmou.

O secretário de Governo da PBH, Vitor Valverde, afirma que até o meio do ano 90% do esgoto que é jogado na lagoa será interceptado, em um trabalho em parceria com a Copasa. Outros 5% serão interceptados e o que restará, segundo ele, é residual. Sobre a limpeza, Valverde garante que os trabalhos devem começar em breve e que a previsão de conclusão é de 10 meses.

Olho no calendário

Processo de candidatura da Pampulha começou há duas décadas. Confira as principais datas:

1996

A Pampulha entra na lista indicativa do Brasil para se tornar patrimônio mundial.

2012

É criada comissão para transformar a proposta em realidade.

2013

A comissão recebe visita dos técnicos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que definem o cronograma de trabalho.

2014

A prefeitura entrega dossiê da candidatura ao Iphan. Documento de mais de 500 páginas é remetido à Unesco.

2015

Em março, a Unesco comunica que a candidatura foi aceita e encaminhado ao Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos), órgão consultivo que auxilia no julgamento.

Durante quatro dias, no fim de setembro e início de outubro, a arquiteta venezuelana Maria Eugênia Bacci, do Icomos, visita todos as edificações modernas da Pampulha, participa de reuniões e se debruça sobre os projetos originais.

2016

Após avaliação do Icomos é solicitada a revisão do Dossiê de Candidatura, com inclusão de plano de intervenção para o conjunto. Foram incluídas as áreas da Praça Dino Barbieri (em frente a Igreja São Francisco de Assis) e da Praça Alberto Dalva Simão (próximo à Casa do Baile), ambas projetadas por Burle Marx.

Prefeitura anuncia a desapropriação do Iate Tênis Clube.
Puxadinho construído no clube é considerado a principal agressão ao projeto original..