A faixa preta não deixa dúvidas: Alexandre Max Machado Furbino é um vencedor.
A anomalia não é incompatível com a vida, embora o recente aumento de casos no Brasil, provavelmente associado ao zika vírus, tenha provocado novas discussões sobre a legalização do aborto nessas condições. Segundo a neurologista pediátrica Juliana Gurgel Gianetti, professora do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de Minas Gerais e coordenadora do serviço de neuropediatria do Hospital das Clínicas, a evolução dos pacientes depende muito da causa do problema e da reabilitação precoce.
Há causas genéticas e infecciosas para a microcefalia. Há também fetos que se desenvolvem normalmente, mas sofrem algum processo, durante ou após o parto, que impede o crescimento normal do crânio em relação ao corpo. Foi provavelmente o que ocorreu com Alexandre. Os médicos, na época, explicaram à família que ele sofreu uma hipoxia – falta de oxigenação na hora do nascimento –, o que poderia comprometer seu desenvolvimento.
Alexandre tem leve dificuldade para falar, o que não o impede de se comunicar e se expressar.
Se depender da louça que ele ajuda a lavar no almoço de domingo, não há mesmo diferenciação. “Como os outros, ele deixa as panelas pra mim”, brinca a mãe, com quem Alexandre mora no Bairro Caiçara, Região Noroeste de BH. Mas Alexandre pode ser considerado uma exceção. “Quando se tem a microcefalia, sinal clínico de que o cérebro não se desenvolveu bem, a consequência é um atraso no desenvolvimento. O que vai variar é o grau de comprometimento. Geralmente, são afetados os aspectos motores, cognitivos, visão e audição”, diz a neurologista Juliana Gurgel.
NOVOS PLANOS Indiferente às dificuldades, Alexandre, ou Xanxango, já soma 16 anos de taekwondo. Espera ansioso pelas terças e quintas-feiras, quando pode passar um tempo naquele que considera o melhor lugar do mundo. “Aqui não tem moleza”, diz, sorrindo, enquanto soca uma mão na outra.
Faixa preta de taekwondo, campeão de futebol e natação, Alexandre trabalhava até a semana passada. Encantado pelo WhatsApp, trocou o salário garantido ao fim do mês pela sala de aula. De volta à escola, quer aprender a ler e a escrever para poder conversar com os amigos e irmãos pelo aplicativo. Desde que ganhou um smartphone, está entusiasmado com as possibilidades de comunicação. Enquanto não vence mais esse desafio, pede para a mãe que leia as mensagens que recebe, e responde usando emoticons.
Alexandre trabalhava na Ceasa. Em meio horário, separava legumes e frutas e recebia R$ 270 mensais. Mais importante que o dinheiro, a experiência contribuiu para sua independência. Todos os dias, saía de casa às 6h20 para, depois de dois ônibus, bater ponto e viver a rotina como tantos adultos como ele.
A mãe não se preocupa que ele ande sozinho de um lado para o outro. E isso lhe permite um de seus compromissos preferidos. Toda tarde, Alexandre entra no seu universo: o mundo dos esportes. No Programa Superar, da Prefeitura de Belo Horizonte, ele nada e joga futebol e pingue-pongue. “Gosto de subir no pódio e ouvir o hino do Brasil”, conta o atleta, que sonha com o dia em que o taekwondo virar modalidade paraolímpica. Para Jane, a convivência com tantos amigos só faz bem. “Todo mundo gosta dele”, conta.
Mesmo sabendo dos ganhos com o trabalho, ela está satisfeita de ver o filho voltar aos estudos e não se importa que na escola especial ele gaste dois anos para cumprir cada série. O sonho da mãe é ver Alexandre ser alfabetizado, menos pelo que isso significa na prática, mas por concluir algo pelo que lutou por tantos anos. “Ele passou por várias escolas, mas ninguém o aceitava. Naquela época, não havia ensino especial. Ele tem boa memória, mas não conseguia estudar e ficava nervoso com os colegas”, lembra a mãe.
‘TATAMETERAPIA’ Para Jane, foi o taekwondo que transformou Alexandre. A facilidade motora superou as deficiências cognitivas e de fala e deu ao menino que tinha problemas com a escola uma paixão e uma perspectiva de vida. Nessa trajetória, o amigo e mestre Edilson Dias de Paula, o Dilsinho, fez toda a diferença. Eles se conheceram no tatame. Foram colegas de treino no passado. Depois que se formou e abriu a própria academia, Dilsinho colocou Alexandre para competir. E ele virou outra pessoa.
No taekwondo há categorias especiais para pessoas com deficiência, e é nelas que Alexandre compete. A prova para troca de faixa, contudo, o avalia como os demais atletas. “Ele fez o exame sem qualquer benefício. Foi exigido como os demais candidatos”, explica o mestre. O diploma de faixa preta, da Confederação Brasileira de Taekwondo, está exposto na sala, esperando a moldura para ganhar de vez um lugar de destaque no coração da casa. Para Alexandre, é só mais uma conquista. Que venham outras..