O problema, que vem assustando o Brasil – já são 508 casos confirmados de microcefalia e outras alterações do sistema nervoso central associadas ao zika e 3.935 em investigação –, mudou os planos de muitas famílias, não só no Nordeste, onde está a maioria dos casos, mas também em Minas. O papa Francisco, em pronunciamento que contraria uma das principais diretrizes da Igreja Católica, considerou aceitável que mulheres com risco de engravidar nesse cenário usem métodos contraceptivos. Nos consultórios ginecológicos, o temor é generalizado e nas clínicas de reprodução assistida a situação adversa ganha outra dimensão, já que são mulheres correndo contra o tempo.
F.R., mineira de 37 anos, há 4 morando em Recife, cancelou um procedimento de fertilização na última hora. “Faço o tratamento em Belo Horizonte e no final do ano já estava na cidade para fazer a transferência de embriões. Tinha, inclusive, começado a tomar as injeções. Foi quando meu marido me ligou, contando que em Pernambuco não se falava em outra coisa a não ser a possível relação dos casos de microcefalia com o zika vírus. Liguei para uma médica conhecida, em Recife, e ela disse que estavam cancelando os procedimentos, inclusive mulheres mais velhas do que eu”, lembra.
No foco do problema, F.R. não quer arriscar. Pelo menos não agora. Por lá, ela é só mais uma de tantas mulheres que lutam pela maternidade e que, diante da microcefalia, estão refazendo seu planejamento familiar. “Estava supersensível quando tomei a decisão. Tinha acabado de tomar uma bomba de hormônios. Mas foi o mais prudente. Quero ver como isso vai se desenrolar. Não tenho a opção de sair do Recife para gerar uma criança, apesar da dificuldade que tenho para engravidar e da idade. É onde eu trabalho e estudo. É onde está meu marido. Não quero uma gestação longe dele. Não é uma opção para mim voltar pra Minas”, desabafa.
Segundo o especialista em reprodução assistida Bruno Scheffer, diretor do Instituto Brasileiro de Reprodução Assistida (Ibrra), com sede em BH, hoje, a mulher que chega a uma clínica especializada já está enfrentando a dificuldade para engravidar há algum tempo. É uma paciente já angustiada, que sofre com o insucesso de suas tentativas. Para essas mulheres, a opção de adiar ou desistir da maternidade em tal cenário é ainda mais sofrida, pois elas sabem que a cada ano as chances vão diminuindo. “Depois dos 35 anos, a probabilidade de engravidar é cada vez menor. Há uma queda na quantidade e na qualidade dos óvulos”, diz.
ÓVULOS CONGELADOS Mas há recursos para essas mulheres. O congelamento de óvulos é uma opção, embora, segundo Rodrigo Ribeiro, especialista em reprodução humana do Cegonha Medicina Reprodutiva, isso aumente o custo do tratamento em cerca de 30%. “A opção do congelamento é principalmente para evitar o momento crítico da doença e ter tempo de aguardar maiores definições sobre a mesma. Até os 50 anos, a mulher pode se utilizar das técnicas de reprodução assistida. Sendo assim, caso opte pelo congelamento, terá bastante tempo para decidir quando quer transferir esses embriões que congelou”, explica.
“Cada caso é um caso. Uma mulher de 25 anos pode esperar. Já uma mulher de 42 anos, que já está em um processo de reprodução assistida, terá mais dificuldade a cada ano”, explica. A gestação de um bebê com microcefalia tampouco é considerada uma gravidez de risco. Por outro lado, já foi observado um maior risco de abortamento e de perda gestacional em gestantes que tiveram zika durante a gestação. Na semana passada, a Prefeitura de Sete Lagoas, Região Central do estado, confirmou um caso de aborto decorrente de zika: o vírus foi identificado na mãe e no feto.
Para Geraldo Duarte, professor titular de ginecologista e obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, também coordenador obstétrico do Comitê Assessor da Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo, as dúvidas sobre o tema são tão grandes que não há qualquer prudência em se dizer sim ou não para mães indecisas sobre a gestação neste momento. “O posicionamento da Febrasgo é orientar que o risco existe, mas não sabemos ainda dimensionar o tamanho. Não sabemos qual a porcentagem de mulheres infectadas pelo vírus que vão gerar bebês com malformações”, pondera.
PAUSA Fiorença não teve qualquer dificuldade para engravidar de André. Tem esse ponto a favor. Por outro lado, sonhava em ter dois filhos na sequência. “Tudo meu é muito planejado e foi um pouco frustrante ter que mudar o que tínhamos em mente. A ideia era engravidar novamente entre setembro e dezembro deste ano. Até lá, há um tempo para ver como a ciência explica o fenômeno do zika. Mas a pausa já está decidida.” A ginecologista Rívia Lamaita, coordenadora do Centro de Reprodução Humana da Rede Mater Dei de Saúde, diz que seria prudente esperar, pelo menos, passar esse momento de alta proliferação do mosquito. “Nos anos 1980 conseguimos derrotar o Aedes aegypti. Não podemos diminuir a vigilância sobre ele.”