Morador do Bairro São Geraldo, na Região Leste de Belo Horizonte, Deivisson Silvestre, de 30 anos, pedala em torno de 40 minutos até o restaurante de comida japonesa em que trabalha, no Santo Antônio, na Centro-Sul. “Se eu fosse de ônibus, usaria duas linhas. Daria mais ou menos uma hora e meia. De bike, ainda economizo quatro passagens diárias (R$ 325,6 mensais). Mas a falta de segurança para quem usa a ‘magrela’ é grande.” A reclamação dele procede: um estudo inédito concluiu que BH é a cidade em que os ciclistas mais temem o trânsito.
O levantamento ouviu 5.012 usuários em 10 municípios do Brasil. Na capital mineira, 37,8% dos entrevistados disseram que a falta de segurança no trânsito é o principal problema. O percentual é 66,5% superior ao da média nacional (22,7%). A pesquisa faz parte do projeto Parceria Nacional pela Mobilidade por Bicicletas, iniciativa da Transporte Ativo e suporte técnico do Observatório das Metrópoles e do Laboratório de Mobilidade Sustentável da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O risco enfrentado na cidade por quem se desloca em bikes é referendado por uma estatística do Hospital de Pronto-Socorro (HPS) João XXIII, o maior do estado.
O coordenador regional do estudo, Carlos Edward Campos, integrante da BH em Ciclo, concluiu que o trânsito nas metrópoles brasileiras é marcado por um ambiente hostil, sobretudo àqueles que pedalam ou andam a pé. “A insegurança é proporcionada pelos condutores de veículos motorizados, responsáveis por mais de 50 mil mortes por ano (no Brasil). As cidades e sua estrutura viária privilegiam os motorizados em detrimento das pessoas”, reclama. Os resultados da pesquisa, destaca ele, serão importantes para pautar ações de entidades ligadas ao setor e projetos do gestor público
O coordenador regional do estudo defende campanhas educativas massivas e perenes, além da redução da velocidade e, “nos grandes corredores viários, a construção de estrutura cicloviária totalmente segregada”. Boa parte das ciclovias na Região Centro-Sul corta corredores movimentados, como a Avenida Afonso Pena. O ciclista deve ficar atento, principalmente porque não há, como diz o coordenador regional do levantamento, “uma roupa para o ciclista urbano.”
“É uma confusão muito comum. A maioria das pessoas que usam a bicicleta como modo de transporte se veste com a roupa que usará no destino, como trabalho, escola, lazer etc. Há, talvez, uma vestimenta e equipamentos usados para a prática esportiva do ciclismo, o que é uma coisa completamente diferente.”
“Todo cuidado é pouco”, recomenda Einar Lima, de 55. Ele tem experiência para abordar o assunto, pois, além de ganhar a vida como motorista autônomo, é dono de um carro, de um triciclo, de uma motocicleta e de uma bicicleta. “Pedalo praticamente todos os dias. A cidade como um todo tem de reconhecer que esse meio de transporte está em voga.”
Ele clama por maior educação de motoristas.
Até a segurança pública, continua Leonardo, é uma preocupação grande para quem pedala. Na pesquisa, 2,1% dos entrevistados disseram que esse é o maior problema na cidade. “Numa tarde, na Avenida Nossa Senhora do Carmo, dois homens me pararam. Tentaram roubar minha bicicleta, que valia cerca de R$ 3 mil. Me jogaram no chão e quase a levaram. Briguei com eles quando percebi que não estavam armados”, contou.
Em nota, a BHTrans informou que não há como avaliar os percentuais das respostas referentes aos problemas enfrentados pelos ciclistas. “De modo geral, três dos quatros primeiros itens se relacionam com educação.
Poucas ciclovias
Apesar do aumento do número de ciclistas em Belo Horizonte, a extensão da malha exclusiva ao modal ainda tem muito o que avançar. O Plano Diretor de Mobilidade Urbana da cidade (PlanMob-BH) identificou 400 quilômetros de rotas cicláveis (ciclovias e/ou ciclofaixas), mas apenas 79,63 quilômetros estão implantados.
A BHTrans trabalha para atingir a meta até 2020. “Hoje, as ciclovias são em pouca quantidade, pouca quilometragem. Algumas estão em condições precárias”, avaliou Carlos Edward Campos.
A empresa que gerencia o trânsito na capital reconhece a importância de aumentar a extensão desses caminhos: “É fundamental criar a estrutura de ciclovias e bicicletários para que, gradativamente, as pessoas comecem a perceber os benefícios e as usem, seja por esporte, saúde ou transporte”.
Enquanto as ciclovias não chegam a algumas áreas de BH, o supervisor de vendas Túlio Ferreira, de 19, sofre com a má qualidade do asfalto de ruas e avenidas. Há poucos dias, relembra o rapaz, um buraco na Avenida Sebastião de Brito, no Bairro Dona Clara, lhe rendeu um prejuízo de quase R$ 150.
“Não consegui desviar do buraco e perdi o pneu, que rasgou. O novo custou R$ 99. A câmara, R$ 50. Ainda bem que a roda não empenou, o que daria um prejuízo bem maior”, completou.
Dificuldades para quem pedala
Problemas enfrentados no uso da bicicleta como meio de transporte em BH
Falta de segurança no trânsito 37,8%
Falta de infraestrutura adequada (ciclovias) 25,3%
Falta de respeito dos condutores motorizados 29,8%
Falta de segurança pública 2,1%
Falta de sinalização 0,8%
Outros motivos 2,9%
A falta de segurança no trânsito nas outras cidades pesquisadas
Aracaju 23,9%
Brasília 22,4%
Manaus 28,5%
Niterói 21,8%
Porto Alegre 28,1%
Recife 17,5%
Rio de Janeiro 25,6%
Salvador 13,3%
São Paulo 9,5%
Motivação para ter começado a usar a bike como transporte em BH
Ambientalmente correto 2,1%
Meio de transporte barato 20,7%
Mais rápido e prático 41%
Mais saudável 26,6%
Outros 7,4%
O que faria você pedalar mais em BH?
Mais infraestrutura cicloviária 52,7%
Mais segurança contra assaltantes 3,7%
Mais segurança no trânsito 29%
Melhor estacionamento para bike 4,5%
Ruas e ciclovias arborizadas 4,3%
Outros 4,8%