Morador do Bairro São Geraldo, na Região Leste de Belo Horizonte, Deivisson Silvestre, de 30 anos, pedala em torno de 40 minutos até o restaurante de comida japonesa em que trabalha, no Santo Antônio, na Centro-Sul. “Se eu fosse de ônibus, usaria duas linhas. Daria mais ou menos uma hora e meia. De bike, ainda economizo quatro passagens diárias (R$ 325,6 mensais). Mas a falta de segurança para quem usa a ‘magrela’ é grande.” A reclamação dele procede: um estudo inédito concluiu que BH é a cidade em que os ciclistas mais temem o trânsito.
O risco enfrentado na cidade por quem se desloca em bikes é referendado por uma estatística do Hospital de Pronto-Socorro (HPS) João XXIII, o maior do estado. O total de ciclistas que se envolveram em acidentes de trânsito e foram atendidos na instituição de saúde cresceu 34,8% de 2014 para 2015, aumentando de 316 ocorrências para 426. Nos últimos três anos, 21% dos ciclistas entrevistados em BH se envolveram em algum acidente. A média nacional foi de 19,9%.
O coordenador regional do estudo, Carlos Edward Campos, integrante da BH em Ciclo, concluiu que o trânsito nas metrópoles brasileiras é marcado por um ambiente hostil, sobretudo àqueles que pedalam ou andam a pé. “A insegurança é proporcionada pelos condutores de veículos motorizados, responsáveis por mais de 50 mil mortes por ano (no Brasil). As cidades e sua estrutura viária privilegiam os motorizados em detrimento das pessoas”, reclama. Os resultados da pesquisa, destaca ele, serão importantes para pautar ações de entidades ligadas ao setor e projetos do gestor público
O coordenador regional do estudo defende campanhas educativas massivas e perenes, além da redução da velocidade e, “nos grandes corredores viários, a construção de estrutura cicloviária totalmente segregada”. Boa parte das ciclovias na Região Centro-Sul corta corredores movimentados, como a Avenida Afonso Pena. O ciclista deve ficar atento, principalmente porque não há, como diz o coordenador regional do levantamento, “uma roupa para o ciclista urbano.”
“É uma confusão muito comum. A maioria das pessoas que usam a bicicleta como modo de transporte se veste com a roupa que usará no destino, como trabalho, escola, lazer etc. Há, talvez, uma vestimenta e equipamentos usados para a prática esportiva do ciclismo, o que é uma coisa completamente diferente.”
“Todo cuidado é pouco”, recomenda Einar Lima, de 55. Ele tem experiência para abordar o assunto, pois, além de ganhar a vida como motorista autônomo, é dono de um carro, de um triciclo, de uma motocicleta e de uma bicicleta. “Pedalo praticamente todos os dias. A cidade como um todo tem de reconhecer que esse meio de transporte está em voga.”
Ele clama por maior educação de motoristas. Para 29,8% dos entrevistados em BH, a falta de respeito desses condutores é outro problema enfrentado. “Já fui xingado muitas vezes por motoristas de carro. Uma vez, na Avenida do Contorno, enquanto pedalava para o trabalho, um deles me disse para ir pedalar em outro lugar. E me falou um palavrão”, recordou o produtor de conteúdo em web Leonardo Melo, de 35.
Até a segurança pública, continua Leonardo, é uma preocupação grande para quem pedala. Na pesquisa, 2,1% dos entrevistados disseram que esse é o maior problema na cidade. “Numa tarde, na Avenida Nossa Senhora do Carmo, dois homens me pararam. Tentaram roubar minha bicicleta, que valia cerca de R$ 3 mil. Me jogaram no chão e quase a levaram. Briguei com eles quando percebi que não estavam armados”, contou.
Em nota, a BHTrans informou que não há como avaliar os percentuais das respostas referentes aos problemas enfrentados pelos ciclistas. “De modo geral, três dos quatros primeiros itens se relacionam com educação. Inserir a bicicleta no contexto social e na vida das pessoas, sobretudo no trânsito, é um trabalho gradativo e necessita constantes campanhas de conscientização”, informou a autarquia.
Poucas ciclovias
Apesar do aumento do número de ciclistas em Belo Horizonte, a extensão da malha exclusiva ao modal ainda tem muito o que avançar. O Plano Diretor de Mobilidade Urbana da cidade (PlanMob-BH) identificou 400 quilômetros de rotas cicláveis (ciclovias e/ou ciclofaixas), mas apenas 79,63 quilômetros estão implantados.
A BHTrans trabalha para atingir a meta até 2020. “Hoje, as ciclovias são em pouca quantidade, pouca quilometragem. Algumas estão em condições precárias”, avaliou Carlos Edward Campos.
A empresa que gerencia o trânsito na capital reconhece a importância de aumentar a extensão desses caminhos: “É fundamental criar a estrutura de ciclovias e bicicletários para que, gradativamente, as pessoas comecem a perceber os benefícios e as usem, seja por esporte, saúde ou transporte”.
Enquanto as ciclovias não chegam a algumas áreas de BH, o supervisor de vendas Túlio Ferreira, de 19, sofre com a má qualidade do asfalto de ruas e avenidas. Há poucos dias, relembra o rapaz, um buraco na Avenida Sebastião de Brito, no Bairro Dona Clara, lhe rendeu um prejuízo de quase R$ 150.
“Não consegui desviar do buraco e perdi o pneu, que rasgou. O novo custou R$ 99. A câmara, R$ 50. Ainda bem que a roda não empenou, o que daria um prejuízo bem maior”, completou.
Dificuldades para quem pedala
Problemas enfrentados no uso da bicicleta como meio de transporte em BH
Falta de segurança no trânsito 37,8%
Falta de infraestrutura adequada (ciclovias) 25,3%
Falta de respeito dos condutores motorizados 29,8%
Falta de segurança pública 2,1%
Falta de sinalização 0,8%
Outros motivos 2,9%
A falta de segurança no trânsito nas outras cidades pesquisadas
Aracaju 23,9%
Brasília 22,4%
Manaus 28,5%
Niterói 21,8%
Porto Alegre 28,1%
Recife 17,5%
Rio de Janeiro 25,6%
Salvador 13,3%
São Paulo 9,5%
Motivação para ter começado a usar a bike como transporte em BH
Ambientalmente correto 2,1%
Meio de transporte barato 20,7%
Mais rápido e prático 41%
Mais saudável 26,6%
Outros 7,4%
O que faria você pedalar mais em BH?
Mais infraestrutura cicloviária 52,7%
Mais segurança contra assaltantes 3,7%
Mais segurança no trânsito 29%
Melhor estacionamento para bike 4,5%
Ruas e ciclovias arborizadas 4,3%
Outros 4,8%