Três meses e meio depois do maior desastre ambiental da história do país, em Mariana, a Polícia Civil de Minas Gerais pediu a prisão preventiva do diretor-presidente da Samarco, Ricardo Vescovi, e de outros cinco dirigentes da mineradora (todos licenciados), assim como de um engenheiro da empresa de consultoria e geotecnia VogBR. Todos foram indiciados pelo estouro da Barragem do Fundão, na cidade da Região Central do estado, em 5 de novembro de 2015, no maior desastre socioambiental do Brasil. No inquérito encaminhado ontem à Justiça, os peritos concluíram que a represa se rompeu por uma sucessão de falhas e omissões que causou a chamada liquefação, processo em que o material acumulado, em estado sólido, passa a se comportar como se fosse líquido.
Cada réu foi indiciado pelas 19 mortes resultantes da tragédia. O indiciamento por homicídio qualificado (por ter impedido a defesa das vítimas), com dolo eventual (quando se assume o risco de matar), tem pena prevista de 12 a 30 anos. Na prática, os especialistas afastaram a possibilidade de que o vazamento de quase 34 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério tenha ocorrido em razão de um acidente, como eventual abalo sísmico na região. A mineradora e suas duas controladoras, a brasileira Vale e a anglo-australiana BHP Billiton, são alvo de outro inquérito da Polícia Civil, que apura crimes ambientais e deve ser concluído até 22 de março. Em janeiro, a Polícia Federal indiciou seis dirigentes da Samarco e a VogBR por crime ambiental.
Os peritos da Polícia Civil verificaram que foi feito um recuo no eixo original da Barragem do Fundão, em área vizinha a uma pilha de material estéril da mineradora Vale, controladora da Samarco. “É como se o recuo tivesse sido construído sobre uma gelatina. A previsibilidade da ruptura era enorme”, disse o delegado Rodrigo Bustamante, que ontem apresentou o inquérito aos deputados da Comissão Extraordinária de Barragens da Assembleia Legislativa. “Todos se omitiram em relação aos eventos. A figura do presidente da Samarco (Ricardo Vescovi) é decorativa? Não, não é”, acrescentou o delegado. A perícia apurou que as mortes ocorreram por soterramento, afogamento ou politraumatismo. Os réus também vão responder pelos crimes de inundação e poluição de água potável. Quase 100 pessoas foram ouvidas no inquérito, que tem 13 volumes e 2.432 páginas.
ERROS Segundo a investigação, a liquefação ocorreu no lado esquerdo da barragem, ponto onde foi feito o recuo no eixo da represa. O processo que levou os rejeitos sólidos a se comportarem como se estivessem em estado líquido foi resultado de pelo menos sete fatores, no entendimento dos investigadores. “Fundão estava com algum tipo de problema e esse problema não foi percebido ou foi ignorado”, afirmou o perito Otávio Guerra Terceiro.
Uma das falhas foi a alta saturação de água no material arenoso depositado na barragem, “não só daquele depositado sob recuo do eixo da barragem, cujo nível de água no interior atingiu a elevação aproximada de 878 metros, mas também de rejeitos arenosos depositados no restante da represa, em virtude da existência de fluxo subterrâneo de água e de contribuições de nascentes no entorno”.
Falhas no monitoramento contínuo do nível de água também contribuíram para a liquefação. Outra causa, antecipada pelo Estado de Minas, foram defeitos nos chamados piezômetros, equipamentos que ajudam a monitorar a segurança na barragem. “Só tiveram medições até 26 de outubro (10 dias antes do desastre). Desde agosto/setembro estava ocorrendo interferência nos sinais dos equipamentos de funcionamento automático, gerando dados duvidosos”, disse o perito.
Ele acrescentou que outra falha foi o número insuficiente de piezômetros. O aumento acelerado na altura da barragem (alteamento) também favoreceu a liquefação, diz a Polícia Civil. Em média, calcularam os peritos, a elevação foi de cerca de 20 metros de altura por ano, o dobro do recomendável. “Nos dois últimos anos, os alteamentos foram realizados a uma taxa anual muito superior à recomendada na literatura técnica, que é de no máximo 10 metros de altura”, disse o perito. Por fim, contribuíram o assoreamento do Dique 2, o que facilitou a infiltração de água, e a deficiência no sistema de drenagem.
AUMENTO DE PENA O delegado Rodrigo Bustamante vai apurar a informação de que uma moradora de Bento Rodrigues, primeiro povoado destruído pela lama, teria sofrido um aborto em razão do estouro da barragem. Sendo comprovada a relação com o desastre, os sete réus poderão responder por mais uma morte. O povoado fica próximo à barragem. “O plano de emergência (em caso do rompimento da represa) era falho, ineficaz. O distrito é considerado local de ‘autossalvamento’ (em que o poder público não tem como chegar a tempo, devido à distância da barragem). Caberia à Samarco criar os canais de informação diante de qualquer anomalia na represa”, disse.
Além dos 19 mortos – dois deles ainda desaparecidos –, o maior desastre socioambiental do Brasil deixou 725 desabrigados. Mais de 100 nascentes foram soterradas, 1.469 hectares de matas ciliares foram devastados e um incontável número de animais morreram. Três rios – Gualaxo do Norte, Carmo e Doce – e o Oceano Atlântico foram atingidos.
Mineradora vê equívoco m resultado
A Samarco informou ontem que vai aguardar a Justiça se posicionar sobre os pedidos de prisão da Polícia Civil para adotar as medidas que considerar necessárias. A mineradora avaliou o resultado do inquérito como "equivocado" e acrescentou que analisará cuidadosamente as conclusões apresentadas pela Polícia Civil, reiterando que "continua colaborando com as autoridades competentes".
A mineradora sustenta que desde o rompimento da Barragem do Fundão, a empresa e suas acionistas (Vale e BHP Billiton) "iniciaram uma investigação externa com uma empresa de renome internacional, com a participação de profissionais de diversas áreas, como engenheiros geotécnicos, geólogos, engenheiros especialistas em mecânica de solos e fluidos, além de especialistas em sismologia", para tentar identificar as causas do desastre.
Qualificando o episódio como "acidente", a empresa afirmou que o colapso da represa lhe causou extrema consternação. "Não podemos desfazer os impactos causados, mas continuamos comprometidos a fazer todo o trabalho de reconstrução e recuperação", concluiu, em nota divulgada ontem.
Cada réu foi indiciado pelas 19 mortes resultantes da tragédia. O indiciamento por homicídio qualificado (por ter impedido a defesa das vítimas), com dolo eventual (quando se assume o risco de matar), tem pena prevista de 12 a 30 anos. Na prática, os especialistas afastaram a possibilidade de que o vazamento de quase 34 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério tenha ocorrido em razão de um acidente, como eventual abalo sísmico na região. A mineradora e suas duas controladoras, a brasileira Vale e a anglo-australiana BHP Billiton, são alvo de outro inquérito da Polícia Civil, que apura crimes ambientais e deve ser concluído até 22 de março. Em janeiro, a Polícia Federal indiciou seis dirigentes da Samarco e a VogBR por crime ambiental.
Os peritos da Polícia Civil verificaram que foi feito um recuo no eixo original da Barragem do Fundão, em área vizinha a uma pilha de material estéril da mineradora Vale, controladora da Samarco. “É como se o recuo tivesse sido construído sobre uma gelatina. A previsibilidade da ruptura era enorme”, disse o delegado Rodrigo Bustamante, que ontem apresentou o inquérito aos deputados da Comissão Extraordinária de Barragens da Assembleia Legislativa. “Todos se omitiram em relação aos eventos. A figura do presidente da Samarco (Ricardo Vescovi) é decorativa? Não, não é”, acrescentou o delegado. A perícia apurou que as mortes ocorreram por soterramento, afogamento ou politraumatismo. Os réus também vão responder pelos crimes de inundação e poluição de água potável. Quase 100 pessoas foram ouvidas no inquérito, que tem 13 volumes e 2.432 páginas.
ERROS Segundo a investigação, a liquefação ocorreu no lado esquerdo da barragem, ponto onde foi feito o recuo no eixo da represa. O processo que levou os rejeitos sólidos a se comportarem como se estivessem em estado líquido foi resultado de pelo menos sete fatores, no entendimento dos investigadores. “Fundão estava com algum tipo de problema e esse problema não foi percebido ou foi ignorado”, afirmou o perito Otávio Guerra Terceiro.
Uma das falhas foi a alta saturação de água no material arenoso depositado na barragem, “não só daquele depositado sob recuo do eixo da barragem, cujo nível de água no interior atingiu a elevação aproximada de 878 metros, mas também de rejeitos arenosos depositados no restante da represa, em virtude da existência de fluxo subterrâneo de água e de contribuições de nascentes no entorno”.
Falhas no monitoramento contínuo do nível de água também contribuíram para a liquefação. Outra causa, antecipada pelo Estado de Minas, foram defeitos nos chamados piezômetros, equipamentos que ajudam a monitorar a segurança na barragem. “Só tiveram medições até 26 de outubro (10 dias antes do desastre). Desde agosto/setembro estava ocorrendo interferência nos sinais dos equipamentos de funcionamento automático, gerando dados duvidosos”, disse o perito.
Ele acrescentou que outra falha foi o número insuficiente de piezômetros. O aumento acelerado na altura da barragem (alteamento) também favoreceu a liquefação, diz a Polícia Civil. Em média, calcularam os peritos, a elevação foi de cerca de 20 metros de altura por ano, o dobro do recomendável. “Nos dois últimos anos, os alteamentos foram realizados a uma taxa anual muito superior à recomendada na literatura técnica, que é de no máximo 10 metros de altura”, disse o perito. Por fim, contribuíram o assoreamento do Dique 2, o que facilitou a infiltração de água, e a deficiência no sistema de drenagem.
AUMENTO DE PENA O delegado Rodrigo Bustamante vai apurar a informação de que uma moradora de Bento Rodrigues, primeiro povoado destruído pela lama, teria sofrido um aborto em razão do estouro da barragem. Sendo comprovada a relação com o desastre, os sete réus poderão responder por mais uma morte. O povoado fica próximo à barragem. “O plano de emergência (em caso do rompimento da represa) era falho, ineficaz. O distrito é considerado local de ‘autossalvamento’ (em que o poder público não tem como chegar a tempo, devido à distância da barragem). Caberia à Samarco criar os canais de informação diante de qualquer anomalia na represa”, disse.
Além dos 19 mortos – dois deles ainda desaparecidos –, o maior desastre socioambiental do Brasil deixou 725 desabrigados. Mais de 100 nascentes foram soterradas, 1.469 hectares de matas ciliares foram devastados e um incontável número de animais morreram. Três rios – Gualaxo do Norte, Carmo e Doce – e o Oceano Atlântico foram atingidos.
Mineradora vê equívoco m resultado
A Samarco informou ontem que vai aguardar a Justiça se posicionar sobre os pedidos de prisão da Polícia Civil para adotar as medidas que considerar necessárias. A mineradora avaliou o resultado do inquérito como "equivocado" e acrescentou que analisará cuidadosamente as conclusões apresentadas pela Polícia Civil, reiterando que "continua colaborando com as autoridades competentes".
A mineradora sustenta que desde o rompimento da Barragem do Fundão, a empresa e suas acionistas (Vale e BHP Billiton) "iniciaram uma investigação externa com uma empresa de renome internacional, com a participação de profissionais de diversas áreas, como engenheiros geotécnicos, geólogos, engenheiros especialistas em mecânica de solos e fluidos, além de especialistas em sismologia", para tentar identificar as causas do desastre.
Qualificando o episódio como "acidente", a empresa afirmou que o colapso da represa lhe causou extrema consternação. "Não podemos desfazer os impactos causados, mas continuamos comprometidos a fazer todo o trabalho de reconstrução e recuperação", concluiu, em nota divulgada ontem.