"Não enxergo, mas fiquei vermelha de vergonha quando o motorista desligou o ônibus e ameaçou que não arrancaria enquanto outro passageiro não cedesse o lugar para eu sentar. Fiquei tão constrangida, que minha vontade era descer 'correndo' pela porta da frente, pois senti que estava atrasando todo mundo dentro do ônibus", desabafou Marilane Alves Silva, de 39 anos, que já nasceu com retinose pigmentar e vê apenas a claridade. Integrante da banda Forró no Escuro, a massoterapeuta esbanja alto-astral ao contar suas aventuras diárias de pegar duas conduções para ir e voltar de Nova Lima, onde mora, até chegar ao Instituto São Rafael, na Região Central de Belo Horizonte. "Morro de vergonha. Tenho braços e pernas fortes e dou conta de me segurar perfeitamente. Meu problema é visual e não de locomoção!" A reação de Marilene indica que nem sempre a gentileza está na medida certa.
Ontem, gerou enorme repercussão nas redes sociais o caso de um motorista do Recife que fazia a linha Rio Doce/Cidade Universitária, que, ao perceber que um passageiro cego seguiria a viagem de pé, ameaçou tomar uma medida mais radical: "Se ninguém der o lugar, ele vai sentar aqui e dirigir o ônibus". Episódios como esse, em que motoristas de transporte público interrompem a viagem até que deficientes visuais estejam bem acomodados e seguros nas cadeiras a eles reservadas por lei, são uma constante entre participantes das atividades do Instituto São Rafael, até por exigência das empresas de ônibus de evitar acidentes a todo custo nos veículos. Por outro lado, há casos de passageiros que até fingem estar dormindo para não ceder o lugar aos deficientes, conforme denúncia da diretora do Instituto São Rafael, Juliany Sena, que recentemente foi alvo de reclamações ao parar um ônibus para encaixar um colega professor, que é deficiente visual: "Alguns alegaram que eu deveria esperar passar outro carro, que estivesse vazio".
O gesto educado e solidário do condutor do Recife foi aplaudido e admirado por milhares de seguidores do Facebook, citado como exemplo de gentileza urbana, tão em falta no mundo atual. Para muitos cegos desde o nascimento, entretanto, em vez de se levantar na hora, o melhor seria indicar ao deficiente visual a localização dos lugares que ainda estão vagos, como, por exemplo, a terceira cadeira à direita. "No que se refere à nossa capacidade de ficar de pé, somos iguais a todo mundo. Corta o coração quando uma senhora mais velha oferece a cadeira. Evito recusar, porém, porque pode parecer pouco caso e passar a impressão de que estou deixando de ser um ‘cego em pé’ para ser um ‘cego sem educação", compara o geógrafo Antônio José de Paula, de 68, pós-graduado em educação inclusiva e que tem glaucoma congênito. "Muitas vezes, a pessoa se sente lisonjeada ajudando, não é?", completa.
Integrante da comissão de transportes da BHTrans que ajudou a criar um aplicativo voltado para deficientes no celular, lançado este ano, Antônio orienta, gentilmente, que há formas bem mais eficazes de ajudar o cego que está usufruindo do transporte público, cuja passagem gratuita já sai do bolso dos demais cidadãos. "A primeira dica é perguntar ao cego se ele quer se sentar. Tento fazer de tudo para mostrar que não há necessidade, que estou bem, mas nem sempre dá certo", explica ele, lembrando que de pouco adianta tentar mostrar ao deficiente visual as cadeiras vagas dizendo “aquela ali” ou “mais pra lá”. O mais indicado seria, por meio de gestos, indicar onde efetivamente ele pode se segurar nos balaústres ou nos encostos das cadeiras. “Nunca tente ajudar um cego carregando-o para dentro do ônibus. É só colocar a mão dele à direita no corrimão do veículo, logo na entrada”, conclui.
Já a cantora Marilane, que já viajou em turnês artísticas pela Europa e Estados Unidos, é mais enfática: “Se me perguntarem se eu quero me sentar, nunca vou aceitar. Tenho até vergonha! Dependendo do caso, quando escuto o barulho de bengalas ou ouço os outros passageiros protestando de que ninguém se levantou para alguém mais velho precisando se sentar, ofereço meu lugar”. Foi o que, de fato, fez ontem Marilane, que gentilmente cedeu o assento a um colega do São Rafael que não é cego de nascença e ainda está aprendendo a se guiar no mundo da escuridão. “Ele ainda não está acostumado à lida diária nos ônibus. Eu já sou cega de carteirinha, tiro de letra!”, brinca.
SAIBA AJUDAR
Confira como auxiliar cegos dentro do ônibus
Para o condutor, em vez de exigir dos outros passageiros que cedam o primeiro lugar, melhor seria que ele orientasse o cego, dizendo que o assento vazio é o terceiro à direita, por exemplo.
Outra ajuda é orientar o cego até o ponto de apoio mais perto, nos bancos ou no teto, mostrando onde ele pode se apoiar em segurança.
O maior desafio é a entrada e a saída do ônibus. Em vez de levar o cego pela mão, empurrar o seu braço (tirando dele o equilíbrio), o melhor é mostrar a ele que o batente da porta está à direita dele, mais para cima.
Em vez de dizer “vá mais para lá”, é sempre melhor orientar para que a pessoa vá mais à direita ou à esquerda, lembrando que se trata da mão do deficiente visual e não da sua.
Se vir um cego esperando o ônibus no ponto, diga a ele o número do veículo que acabou de chegar. O cobrador também pode gritar o número, se observar a presença de um deficiente no ponto.
Ontem, gerou enorme repercussão nas redes sociais o caso de um motorista do Recife que fazia a linha Rio Doce/Cidade Universitária, que, ao perceber que um passageiro cego seguiria a viagem de pé, ameaçou tomar uma medida mais radical: "Se ninguém der o lugar, ele vai sentar aqui e dirigir o ônibus". Episódios como esse, em que motoristas de transporte público interrompem a viagem até que deficientes visuais estejam bem acomodados e seguros nas cadeiras a eles reservadas por lei, são uma constante entre participantes das atividades do Instituto São Rafael, até por exigência das empresas de ônibus de evitar acidentes a todo custo nos veículos. Por outro lado, há casos de passageiros que até fingem estar dormindo para não ceder o lugar aos deficientes, conforme denúncia da diretora do Instituto São Rafael, Juliany Sena, que recentemente foi alvo de reclamações ao parar um ônibus para encaixar um colega professor, que é deficiente visual: "Alguns alegaram que eu deveria esperar passar outro carro, que estivesse vazio".
O gesto educado e solidário do condutor do Recife foi aplaudido e admirado por milhares de seguidores do Facebook, citado como exemplo de gentileza urbana, tão em falta no mundo atual. Para muitos cegos desde o nascimento, entretanto, em vez de se levantar na hora, o melhor seria indicar ao deficiente visual a localização dos lugares que ainda estão vagos, como, por exemplo, a terceira cadeira à direita. "No que se refere à nossa capacidade de ficar de pé, somos iguais a todo mundo. Corta o coração quando uma senhora mais velha oferece a cadeira. Evito recusar, porém, porque pode parecer pouco caso e passar a impressão de que estou deixando de ser um ‘cego em pé’ para ser um ‘cego sem educação", compara o geógrafo Antônio José de Paula, de 68, pós-graduado em educação inclusiva e que tem glaucoma congênito. "Muitas vezes, a pessoa se sente lisonjeada ajudando, não é?", completa.
Integrante da comissão de transportes da BHTrans que ajudou a criar um aplicativo voltado para deficientes no celular, lançado este ano, Antônio orienta, gentilmente, que há formas bem mais eficazes de ajudar o cego que está usufruindo do transporte público, cuja passagem gratuita já sai do bolso dos demais cidadãos. "A primeira dica é perguntar ao cego se ele quer se sentar. Tento fazer de tudo para mostrar que não há necessidade, que estou bem, mas nem sempre dá certo", explica ele, lembrando que de pouco adianta tentar mostrar ao deficiente visual as cadeiras vagas dizendo “aquela ali” ou “mais pra lá”. O mais indicado seria, por meio de gestos, indicar onde efetivamente ele pode se segurar nos balaústres ou nos encostos das cadeiras. “Nunca tente ajudar um cego carregando-o para dentro do ônibus. É só colocar a mão dele à direita no corrimão do veículo, logo na entrada”, conclui.
Já a cantora Marilane, que já viajou em turnês artísticas pela Europa e Estados Unidos, é mais enfática: “Se me perguntarem se eu quero me sentar, nunca vou aceitar. Tenho até vergonha! Dependendo do caso, quando escuto o barulho de bengalas ou ouço os outros passageiros protestando de que ninguém se levantou para alguém mais velho precisando se sentar, ofereço meu lugar”. Foi o que, de fato, fez ontem Marilane, que gentilmente cedeu o assento a um colega do São Rafael que não é cego de nascença e ainda está aprendendo a se guiar no mundo da escuridão. “Ele ainda não está acostumado à lida diária nos ônibus. Eu já sou cega de carteirinha, tiro de letra!”, brinca.
SAIBA AJUDAR
Confira como auxiliar cegos dentro do ônibus
Para o condutor, em vez de exigir dos outros passageiros que cedam o primeiro lugar, melhor seria que ele orientasse o cego, dizendo que o assento vazio é o terceiro à direita, por exemplo.
Outra ajuda é orientar o cego até o ponto de apoio mais perto, nos bancos ou no teto, mostrando onde ele pode se apoiar em segurança.
O maior desafio é a entrada e a saída do ônibus. Em vez de levar o cego pela mão, empurrar o seu braço (tirando dele o equilíbrio), o melhor é mostrar a ele que o batente da porta está à direita dele, mais para cima.
Em vez de dizer “vá mais para lá”, é sempre melhor orientar para que a pessoa vá mais à direita ou à esquerda, lembrando que se trata da mão do deficiente visual e não da sua.
Se vir um cego esperando o ônibus no ponto, diga a ele o número do veículo que acabou de chegar. O cobrador também pode gritar o número, se observar a presença de um deficiente no ponto.
O que pensam os cegos sobre preferência de assento no transporte público?