O vírus da confusão

Dengue dificulta diagnóstico de outras doenças em BH

Explosão dos casos de dengue e similaridade com sintomas de outras doenças confunde pacientes e até médicos, levando, muitas vezes, a diagnósticos e tratamentos equivocados

Guilherme Paranaiba
Movimento de pacientes na UPA Centro-Sul, como outras unidades sobrecarregada pela explosão das doenças transmitidas pelo Aedes aegypti: diferenciar manifestações clínicas é um desafio para leigos e especialistas - Foto: (Fotos: Leandro Couri/EM/D.A PRESS)

Enquanto Belo Horizonte passa por uma epidemia de dengue, com a explosão de casos em todas as regiões, sintomas relacionados a outros tipos de viroses têm confundido a cabeça de pacientes e dificultado até a vida dos médicos na hora de fazer o diagnóstico e indicar o melhor tratamento para cada quadro. Muitas pessoas que têm apresentado problemas respiratórios ou gastrointestinais ficam na dúvida, já que não existe um sintoma que seja único da dengue e cuja manifestação possibilite uma análise clínica precisa. Segundo a Prefeitura de Belo Horizonte, normalmente os indícios de contaminação pela doença ganham força quando há febre associada a pelo menos dois outros sintomas clássicos, como dor no corpo, dor atrás dos olhos, dor nas articulações, enjoo e manchas vermelhas na pele. O problema é que, eventualmente, essas condições também podem aparecer em outras enfermidades. Viroses intestinais, por exemplo, podem causar diarreia, que é também um dos sinais de alarme para indicar episódios graves da dengue, o que demanda muito cuidado na investigação.

A dificuldade se reflete em casos como os de dois pacientes localizados pela reportagem do Estado de Minas, que tiveram os diagnósticos de dengue – dados por médicos de um dos conceituados hospitais de Belo Horizonte – descartados por exames de sangue. O primeiro quadro acabou classificado como uma inflamação de laringe e o segundo, como virose respiratória. O virologista Maurício Lacerda Nogueira, da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (SP), destaca que é realmente muito difícil fazer um diagnóstico preciso, especialmente nos primeiros dias de sintomas, quando as manifestações não são específicas do vírus em questão, mas uma reação geral do organismo. “É sintoma de uma substância liberada pelo organismo em resposta à infecção viral.

O que o médico está vendo é uma resposta inespecífica. Só no terceiro ou quarto dia é que os vírus começam a dar sinais específicos”, explica o especialista.

Nogueira critica ainda a falta de uma vigilância epidemiológica de qualidade no país, que fica restrita apenas às notificações de dengue, e por isso sugere que casos duvidosos sejam tratados inicialmente como dengue, que é a enfermidade mais grave e que mata. “Vamos assumir que é dengue e vamos fazer o manejo como se fosse a doença, que é hidratar bastante e verificar o sinal de gravidade. Não tendo isso, é preciso esperar o que o paciente vai apresentar”, completa.

De acordo com especialistas, o exame de sangue pode confirmar o diagnóstico de dengue, a partir de parâmetros como o número de plaquetas e leucócitos, além da concentração. “Se o hemograma aponta queda nos leucócitos e nas plaquetas, a indicação é de dengue. Mas o marcador mais importante é a concentração do sangue. Quanto mais alta é a concentração, a dengue é pior e mais grave. Isso ocorre porque a doença leva a um extravasamento de líquido e por isso é importante se hidratar muito rápido, logo no início dos sintomas”, explica o médico infectologista Alexandre Moura, que é referência técnica da Gerência de Assistência da Secretaria Municipal de Saúde. Moura afirma que a ocorrência de outras viroses realmente dificulta o diagnóstico dos médicos, pela similaridade dos sintomas. Ele aponta três grandes grupos em que os problemas se misturam: os vírus transmitidos pelo Aedes aegypti (dengue, zika e chikungunya), os respiratórios e os gastrointestinais.

Bernardo Lagares: sinais compatíveis com a dengue e raquete elétrica para se proteger - Foto:
Sintomas como nariz escorrendo, tosse e garganta inflamada não costumam aparecer na dengue e ajudam a identificar uma virose respiratória. Foi um desses sinais que fez o estudante Diego Bezerra Alves, de 27 anos, ficar mais um pouco mais tranquilo depois de ser adoecer logo após o carnaval. Por causa de uma maratona de blocos de rua sob sol escaldante, ele acredita que teve um período de baixa na imunidade, o que abriu a porta para um vírus. “O problema é que comecei com febre, dor de cabeça e dor no corpo, sintomas amplamente divulgados como sendo de dengue.
Depois, comecei a sentir irritação na garganta e fiquei de repouso. Foram quatro dias de mal-estar. Como fiquei bom relativamente rápido, acabei não indo ao médico”, conta, acreditando não ter sido acometido pela doença transmitida pelo mosquito.

Já o estudante Bernardo Lagares, de 19, que mora no Bairro Sagrada Família, Leste de BH, não tem essa certeza. Ele teve muita dor de cabeça, febre, dor no corpo e ânsia de vômito no mês passado. Os sintomas eram bem intensos e diferentes do que ele já sentiu em outras vezes em que teve outras viroses, o que lhe deixou mais apreensivo. Um lote vago ao lado do prédio onde ele mora também é alvo de preocupação e motivou a aquisição de uma raquete elétrica para eliminar os pernilongos. Como melhorou antes de fazer os exames de sangue solicitados pelo médico, não sabe se teve dengue ou outro problema. “Normalmente, me recupero mais rápido quando é uma virose respiratória, o que já tive em outras situações. Desta vez fiquei muito debilitado, mas o próprio médico disse que poderia ser outro tipo de virose que não a dengue. Ele me pediu exames de sangue para confirmar, mas acabei adiando.
Como melhorei, não cheguei a fazer”, afirma.

Com dores no corpo, nas articulações e na cabeça há cinco dias, ontem, o vendedor ambulante Márcio da Silva Alves, de 47, aguardava uma consulta na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Leste, no Bairro Vera Cruz, Leste de BH, para confirmar o que ele tinha certeza de ser a dengue. “A dor no corpo não passa de jeito nenhum. Estou muito dolorido por dentro. Tomei paracetamol e não melhorei. Se fosse outro tipo de virose, eu tinha recuperado mais rápido e não ficaria tão desanimado como estou. Não tenho força para nada”, disse o morador do Bairro Betânia, Oeste da capital mineira.

Termômetro
Confira as manifestações de diferentes tipos de viroses

Sintomas clássicos de dengue*
» Febre
» Dor de cabeça
» Dor atrás dos olhos
» Dor nas articulações
» Manchas vermelhas na pele
» Enjoo

Sinais de alarme da dengue**
» Vômitos
» Dor abdominal forte
» Sangramento
» Vista escurecida
» Pressão baixa

Virose gastrointestinal

» Diarreia
» Vômitos
» Dores no corpo

Virose respiratória

» Tosse
» Nariz entupido
» Garganta inflamada
» Dores no corpo

  * Os quadros de dengue
são diagnosticados com
pelo menos dois
dos sintomas clássicos,
além da febre

**Esses sinais podem indicar maior gravidade da doença, o que implica na necessidade de hidratação venosa

 

 

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