Há exatos 20 anos, a Associação dos Amigos da Cultura de Paracatu luta para recuperar a Capela de São Sebastião do Pouso Alegre, como é conhecida pela população. “Além da celebração de missas, realização de casamentos e outras cerimônias, o templo sempre foi o local de reunião de comunidades rurais, como Pouso Alegre, Sotero, Ribeira, Nova Divineia e Carapinas”, informa a presidente da entidade, Graça Jales, residente no Centro Histórico da cidade. “Nossa associação foi criada para tentar salvar a capela e pedir providências ao poder público, mas até hoje nada conseguimos, embora tenham sido apresentados muitos projetos”, afirma.
Em 1986, segundo a presidente da associação, foi apresentado um projeto ao Ministério da Cultura (MinC) e, conforme ela foi informada, houve acompanhamento do processo pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O imóvel não é tombado em nível federal, mas é o único bem sob proteção do município, desde 1958. “Até agora, não tivemos qualquer resposta. Tudo o que conseguimos foi com a colaboração de pessoas conhecidas, que elaboraram os projetos sem cobrar”, explica Graça. Diante da situação, tudo indica que somente o santo de casa poderá fazer milagre, contrariando o dito popular.
TERRAS DO SANTO A estrada que conduz à comunidade de Pouso Alegre, no sentido Brasília (DF), tem oito quilômetros de caminhos vicinais, ladeados por extensas lavouras de soja. No fim do trajeto, é surpreendente ver a arquitetura da capela, com uma escada de madeira lateral, e um susto deparar com a penúria de um bem cultural e religioso morrendo à míngua no meio do mato. Num canto, há montes de tijolos de adobe, mas o mais assustador é ver as escoras de madeira para amparar a fachada do prédio. “Ela já se encontra em estado de emergência, pois a nave está se descolando da capela. É muito difícil preservar o patrimônio”, alerta a presidente da associação. De acordo com a Secretaria Municipal de Cultura, os projetos estão a cargo da associação, que busca os recursos no MinC.
Profundamente preocupada e, ao mesmo tempo, esperançosa de que a capela pertencente à diocese de Paracatu seja recuperada, Graça revela outro round na batalha pela preservação. Em 1860, ao construir a capela, o fazendeiro Imiliano Silva Neiva, que não deixou filhos, doou 350 hectares a São Sebastião, de quem era muito devoto. No início do século, no entanto, um bispo vendeu parte da gleba, ficando 45 hectares para o santo. Bem mais tarde, um fazendeiro pediu a retificação das terras, apropriando-se do terreno. “A diocese recorreu na Justiça e já ganhou em duas instâncias”, alegra-se a presidente da associação.
Segundo informações da Superintendência do Iphan em Minas, o projeto está em análise pela equipe técnica visando à captação de recursos, via lei federal de incentivo à cultura, do Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac). Faltam, de acordo com os técnicos, complementação de documentos e itens da planilha orçamentária para que, finalmente, sejam obtidos recursos e feita a obra. A expectativa é de que, ao ficar pronta, o templo volte a reunir as comunidades rurais e a ter seus cultos. “Ela sempre foi bem dinâmica”, resume Graça.
História e lendas
Todas as peças sacras, como as imagens, foram retiradas do templo, que já foi saqueado e está envolto em muitas lendas: alguns afirmam ter existido, no seu interior, uma imagem de São Sebastião de 1,5 metro. O certo mesmo é que, há alguns anos, foi encontrado um andor, virado, num canto da igreja. Ao colocá-lo na posição normal, os fiéis encontram um santo preso a ele, com o nome de Manoel Pereira Maia e o ano de 1883. Mesmo degradada, a capela é um dos ícones culturais de Paracatu, nascido no início do século 18, com o nome de São Luiz e Santana das Minas do Paracatu. O município de cerca de 84 mil habitantes tem sua história vinculada ao movimento das bandeiras que corriam a região em busca de ouro. Antes de 1730, já ocorria a povoação do primitivo arraial. De acordo com as pesquisas, foi em 20 de outubro de 1798 que um alvará da rainha de Portugal Dona Maria I (1734-1816) elevou o local à categoria de Vila de Paracatu do Príncipe. Já à de cidade se deu em 1840.