Ele e cerca de 100 atingidos pela represa retornaram ao antigo lugarejo no fim de semana, em busca de objetos que contam tanto a própria história pessoal quanto a do povoado, fundado há três séculos por um bandeirante. Para José e os amigos, as pequenas coisas resgatadas dos montes de barro são como grandes tesouros. Diante de escombros e ruínas, eles se permitiram sorrir.
A pequena Ana Luiza Euzébio, de 10, nem se incomodou com o vento que jogou poeira em seu rosto. Em uma das mãos, exibia um porta-retrato cor-de-rosa com a fotografia tirada quando ela era bem pequena. Na outra, um relógio que pertence ao pai. A menina não sabia se o acessório funcionava. Para ela, isso não tem a menor importância: “São nossos. A foto e o relógio estão sujos. Vou limpar e levar para casa”.
Lenice Gonçalves do Carmo, de 46, fará o mesmo com o vaso de mudas de orquídeas resgatado dos escombros da antiga moradia. “Dá dó ver o Bento assim. Minha casa, seu moço, era ao lado daquele pé de pinho. Perto da mangueira. A lama veio, ouvi um zueirão danado e só tive tempo de sair com a roupa do corpo. Agora acho o vasinho. Vou fazer mais mudas com as orquídeas.
A espécie de caçada a tesouros trouxe um pouco de alento aos desalojados. Debaixo do sol escaldante, no último sábado, Gilberto Pereira, de 33, chamou os amigos em voz alta. O motivo? Ele e Maria das Graças acharam uma garrafa, de 900ml, cheia de uma aguardente de marca famosa. Ele não pretende destampá-la: “É uma relíquia. Não é para ser aberta”.
Wallace acomodou um galho sobre os ombros, caminhou até a encruzilhada onde havia o açougue e, do outro lado, o bar com mesa de sinuca. Lá, mostrou o seu troféu a Eva Aparecida de Souza, de 48. Ela ajeitou no colo a neta Melissa, de 2, e olhou com satisfação os caquis ainda verdes.
“A gente não comprava nada disso. Agora, sem horta, pago caro para ter o que tinha de graça. Minha neta brincava no gramado. Entrava nas casas dos vizinhos. Estamos hoje num apartamento (alugado pela Samarco) em Mariana. Ela perdeu a liberdade e não entende o que aconteceu. Fica pedindo para a gente voltar para a casa do Bento”, contou.
As famílias de Bento Rodrigues afetadas pelo desastre aguardam indenização e a construção do novo lugarejo para recomeçar a vida. No sábado, visitaram uma área de 100 hectares onde o povoado pode ser reerguido. O terreno, que pertence à Arcelor Mittal, fica a 12 quilômetros do Centro Histórico de Mariana e foi o escolhido pela maioria dos desalojados para sediar o novo distrito, mas ainda serão apresentadas outras duas opções.
Enquanto isso... Acordo com empresas deve ser firmado hoje
Há expectativa de que o acordo entre a Samarco e suas controladoras – Vale e BHP Billiton – seja assinado, hoje, em Brasília, com a Advocacia-geral da União (AGU) e os estados de Minas Gerais e Espírito Santo. As mineradoras se comprometeram a recuperar o meio ambiente e a indenizar os atingidos. A ação que tramita na Justiça Federal em BH, cobrando das empresas R$ 20 bilhões, terá o trâmite suspenso. Até 2018, R$ 4,4 bilhões devem ser investidos em ações e obras por meio de uma fundação a ser criada pelas mineradoras. Outros valores serão calculados para os triênios seguintes..