Uma barricada criada em uma obra de abastecimento da Copasa e a falta de uma estrutura segura da Prefeitura de Sabará para escoamento da água de chuva criou uma armadilha que contribuiu para o que pode ser a quinta morte do atual período chuvoso em Minas Gerais. Essa é a opinião de parentes e vizinhos da pequena Ana Alice Costa Martins, de 8 anos, desaparecida depois de ter sido arrastada por uma enxurrada no Bairro Santo Antônio de Roça Grande, em Sabará, na Grande BH, no último sábado. A criança estava com o avô, Itamar Costa, de 60, que também chegou a ser levado pela força da água, mas foi salvo por uma pessoa que passava no local, e a avó, que não se feriu. Moradores acreditam que, se existisse um sistema de escoamento de águas pluviais na Rua São Paulo, que é extremamente íngreme, com manilhas fechadas com grades, Ana Alice poderia ter uma chance maior de escapar com vida. Já a barreira colocada pela Copasa para demarcar um buraco em uma obra contribuiu para aumentar a força da enxurrada e dificultar a situação da menina, segundo a população local.
“Nós estamos acostumados a descer essa rua com chuva. A enxurrada se espalhava, sem grandes problemas. O que aconteceu foi que essa barricada, colocada na sexta-feira por conta de um buraco, afunilou a água e aumentou a força (da água)”, diz a cobradora de ônibus Suellen Joyce da Cruz Santos, de 32, tia de Ana Alice. Ela conta que a família está em estado de choque pelo ocorrido. Ana morava com o pai, a mãe e um irmão, e seguia com os avós maternos para uma festa de aniversário no Bairro Jaqueline, na Região Norte de BH. No momento do acidente, os três andavam em direção a um ponto de ônibus, onde encontrariam a mãe e um tio de Ana. A chuva forte provocou uma enxurrada canalizada para o canto direito da rua, bem perto de uma escadaria que funciona como escoamento de águas pluviais até uma manilha na Rua São José. A Rua São Paulo é bem mais alta e a escadaria possui um declive elevado, o que pode ter causado graves ferimentos à criança no momento em que ela foi arrastada.
Ontem, o Corpo de Bombeiros continuou as buscas pela criança no curso do Rio das Velhas, manancial para onde a tubulação leva a água captada na Rua São Paulo. A tenente Vanessa Ávila, do 3º Batalhão, vistoriou novamente o local onde ocorreu o acidente e afirmou que a declividade do terreno pode ter influenciado na força da água. “Não estive no local no momento exato da chuva, mas as barreiras com sacos podem ter mudado o caminho das águas que desciam de uma rua bastante inclinada”, afirma. O desaparecimento de Ana Alice completou 48 horas na tarde de ontem. As buscas recomeçaram por volta das 6h40 e foram até as 12h. Os militares voltaram ao rio na altura do trevo para o distrito de General Carneiro, às 14h30, e trabalharam até o momento em que a luz natural permitiu a visualização do rio, sem sucesso. Quem também ajudou nas buscas, fazendo vistoria por terra, foi a Defesa Civil de Sabará. “Choveu muito na cabeceira, em Nova Lima, e desse ponto para baixo (General Carneiro) o rio tem muito remanso, o que pode ter prendido a criança”, afirma o tenente Marcelo Oscar de Queiroz, chefe do órgão municipal.
O estudante Danrley Rafael Fortes Moreira, de 19, também é morador do Bairro Santo Antônio de Roça Grande e se arriscou para tentar salvar a garota no meio da enxurrada. Acostumado a rodar por todas as ruas da região, ele diz que sua maior esperança ao descer o barranco atrás da criança era encontrar alguma manilha tampada com grade, o que poderia facilitar o trabalho de resgate. O grande problema é que o escoamento é feito por uma escada com 72 degraus, a maioria desgastados, além de um paredão de cerca de 6 metros com queda livre. Só depois disso é que a água encontra uma manilha, que na prática é um buraco aberto no meio de uma rua de terra. “Quando desci, achando que poderia encontrá-la, a água caía igual uma cachoeira dentro do buraco”, afirma o jovem. A tia de Ana Alice, que também é madrinha da criança, voltou ontem ao buraco e não se conteve. “Se tivesse grade, minha menina não tinha descido por esse cano.”
O ônibus escolar da Prefeitura Municipal de Sabará chegou ontem à Escola Municipal Maria Célia de Freitas sem uma das alunas de maior destaque da turma de 27 crianças do 3º ano do ensino fundamental. A professora Regina Maria Santos, de 50, precisou da ajuda de medicamentos para se acalmar. “Ela se preocupava com os colegas e ajudava aqueles que precisavam. É uma verdadeira alma bondosa e solidária”, afirma.
APURAÇÃO Em nota, a Copasa informou que “está atuando no levantamento técnico para apuração das responsabilidades sobre o ocorrido e irá se pronunciar após a conclusão do laudo”. A Prefeitura de Sabará afirmou que, “de acordo com as normas técnicas, não é permitido colocar grades de contenção nas manilhas e tubulações e nas escadas dissipadoras, pois isso pode acarretar no acúmulo de lixo e, consequentemente, em maiores alagamentos, colocando em risco a população do entorno”. Segundo o texto enviado, as grades só são permitidas nas chamadas bocas de lobo, que recebem um volume menor de água. “A prefeitura reitera que todo o sistema de drenagem possui uma infraestrutura adequada para o correto escoamento das águas pluviais”, declarou o órgão público.
Entrevista - Danrley Rafael Fortes Moreira
'Cheguei a esticar a mão, só que ela passou de costas'
Como você se deparou com a situação?
Tinha ido com uma amiga comprar ração e, na volta, a chuva ficou muito forte. Paramos para esperar ela passar debaixo de um telhadinho, bem perto do ponto de escoamento da água para a rua debaixo. Nesse lugar estavam o seu Itamar com a neta e a esposa.
O que aconteceu?
Ele tentou atravessar a enxurrada, mas quando pisou na primeira poça, a água veio mais ou menos na altura da cintura dele de tão forte que estava. Faltava uns três passos para completar a travessia quando ele se desequilibrou e caiu. A menina estava de mãos dadas e caiu junto.
Você ainda tentou ajudar?
Sim, eu e o Fernando, um rapaz que também estava lá parado esperando a chuva passar. Ele atravessou pela enxurrada e segurou os dois, mas, no susto, o seu Itamar pegou os dois pés do Fernando, que também caiu. Se eu entrasse, ia ser pior para nós quatro. Então, dei a volta em um poste e esperei a menina. Cheguei a esticar a mão, só que ela passou bem perto do outro canto e de costas.
Ela sumiu depois disso?
Achei que, se eu não parasse de descer, chegaria lá embaixo primeiro, mas não vi mais nada. No meio da escadaria, o Fernando conseguiu tirar o Itamar, que estava muito machucado e foi levado para a UPA de Sabará.
“Nós estamos acostumados a descer essa rua com chuva. A enxurrada se espalhava, sem grandes problemas. O que aconteceu foi que essa barricada, colocada na sexta-feira por conta de um buraco, afunilou a água e aumentou a força (da água)”, diz a cobradora de ônibus Suellen Joyce da Cruz Santos, de 32, tia de Ana Alice. Ela conta que a família está em estado de choque pelo ocorrido. Ana morava com o pai, a mãe e um irmão, e seguia com os avós maternos para uma festa de aniversário no Bairro Jaqueline, na Região Norte de BH. No momento do acidente, os três andavam em direção a um ponto de ônibus, onde encontrariam a mãe e um tio de Ana. A chuva forte provocou uma enxurrada canalizada para o canto direito da rua, bem perto de uma escadaria que funciona como escoamento de águas pluviais até uma manilha na Rua São José. A Rua São Paulo é bem mais alta e a escadaria possui um declive elevado, o que pode ter causado graves ferimentos à criança no momento em que ela foi arrastada.
Ontem, o Corpo de Bombeiros continuou as buscas pela criança no curso do Rio das Velhas, manancial para onde a tubulação leva a água captada na Rua São Paulo. A tenente Vanessa Ávila, do 3º Batalhão, vistoriou novamente o local onde ocorreu o acidente e afirmou que a declividade do terreno pode ter influenciado na força da água. “Não estive no local no momento exato da chuva, mas as barreiras com sacos podem ter mudado o caminho das águas que desciam de uma rua bastante inclinada”, afirma. O desaparecimento de Ana Alice completou 48 horas na tarde de ontem. As buscas recomeçaram por volta das 6h40 e foram até as 12h. Os militares voltaram ao rio na altura do trevo para o distrito de General Carneiro, às 14h30, e trabalharam até o momento em que a luz natural permitiu a visualização do rio, sem sucesso. Quem também ajudou nas buscas, fazendo vistoria por terra, foi a Defesa Civil de Sabará. “Choveu muito na cabeceira, em Nova Lima, e desse ponto para baixo (General Carneiro) o rio tem muito remanso, o que pode ter prendido a criança”, afirma o tenente Marcelo Oscar de Queiroz, chefe do órgão municipal.
O estudante Danrley Rafael Fortes Moreira, de 19, também é morador do Bairro Santo Antônio de Roça Grande e se arriscou para tentar salvar a garota no meio da enxurrada. Acostumado a rodar por todas as ruas da região, ele diz que sua maior esperança ao descer o barranco atrás da criança era encontrar alguma manilha tampada com grade, o que poderia facilitar o trabalho de resgate. O grande problema é que o escoamento é feito por uma escada com 72 degraus, a maioria desgastados, além de um paredão de cerca de 6 metros com queda livre. Só depois disso é que a água encontra uma manilha, que na prática é um buraco aberto no meio de uma rua de terra. “Quando desci, achando que poderia encontrá-la, a água caía igual uma cachoeira dentro do buraco”, afirma o jovem. A tia de Ana Alice, que também é madrinha da criança, voltou ontem ao buraco e não se conteve. “Se tivesse grade, minha menina não tinha descido por esse cano.”
O ônibus escolar da Prefeitura Municipal de Sabará chegou ontem à Escola Municipal Maria Célia de Freitas sem uma das alunas de maior destaque da turma de 27 crianças do 3º ano do ensino fundamental. A professora Regina Maria Santos, de 50, precisou da ajuda de medicamentos para se acalmar. “Ela se preocupava com os colegas e ajudava aqueles que precisavam. É uma verdadeira alma bondosa e solidária”, afirma.
APURAÇÃO Em nota, a Copasa informou que “está atuando no levantamento técnico para apuração das responsabilidades sobre o ocorrido e irá se pronunciar após a conclusão do laudo”. A Prefeitura de Sabará afirmou que, “de acordo com as normas técnicas, não é permitido colocar grades de contenção nas manilhas e tubulações e nas escadas dissipadoras, pois isso pode acarretar no acúmulo de lixo e, consequentemente, em maiores alagamentos, colocando em risco a população do entorno”. Segundo o texto enviado, as grades só são permitidas nas chamadas bocas de lobo, que recebem um volume menor de água. “A prefeitura reitera que todo o sistema de drenagem possui uma infraestrutura adequada para o correto escoamento das águas pluviais”, declarou o órgão público.
Entrevista - Danrley Rafael Fortes Moreira
'Cheguei a esticar a mão, só que ela passou de costas'
Como você se deparou com a situação?
Tinha ido com uma amiga comprar ração e, na volta, a chuva ficou muito forte. Paramos para esperar ela passar debaixo de um telhadinho, bem perto do ponto de escoamento da água para a rua debaixo. Nesse lugar estavam o seu Itamar com a neta e a esposa.
O que aconteceu?
Ele tentou atravessar a enxurrada, mas quando pisou na primeira poça, a água veio mais ou menos na altura da cintura dele de tão forte que estava. Faltava uns três passos para completar a travessia quando ele se desequilibrou e caiu. A menina estava de mãos dadas e caiu junto.
Você ainda tentou ajudar?
Sim, eu e o Fernando, um rapaz que também estava lá parado esperando a chuva passar. Ele atravessou pela enxurrada e segurou os dois, mas, no susto, o seu Itamar pegou os dois pés do Fernando, que também caiu. Se eu entrasse, ia ser pior para nós quatro. Então, dei a volta em um poste e esperei a menina. Cheguei a esticar a mão, só que ela passou bem perto do outro canto e de costas.
Ela sumiu depois disso?
Achei que, se eu não parasse de descer, chegaria lá embaixo primeiro, mas não vi mais nada. No meio da escadaria, o Fernando conseguiu tirar o Itamar, que estava muito machucado e foi levado para a UPA de Sabará.