A violência está presente no cotidiano de boa parte dos homens e mulheres que dormem debaixo de marquises na Savassi: 25% deles já sofreram, na região ou em outros bairros, tentativa de homicídio praticada por indivíduos que também não têm um teto. Engana-se quem pensa que os moradores em situação de rua são alvo de ações praticadas apenas por grupos que disputam espaços públicos: 45% foram vítimas de violência causada por consumidores e transeuntes.
A dissertação “A experiência do urbano da população em situação de rua: territorialidades na Savassi”, defendida pela geógrafa Juliana Carvalho Ribeiro na PUC Minas, apurou que um em cada 10 indivíduos nessa condição também foi alvo de violência praticada por porteiros ou síndicos de prédios da região.
Rogério Gomes, de 58 anos, teme fazer parte dessas estatísticas. Ele passa boa parte do dia pedindo esmolas em calçadas da Avenida Getúlio Vargas. À noite, sente-se seguro em dormir próximo a uma agência do Banco do Brasil. Ele mesmo explica o porquê: “Tem câmeras na entrada do banco. Aí o pessoal, acho, não vai fazer maldade comigo”.
Ele nasceu em Nova Dores (BA) e chegou a BH, como diz, “há muito tempo, na época em que o pirulito (apelido do obelisco da Praça Sete) estava bem ali (na encruzilhada da Avenida Getúlio Vargas com Cristóvão Colombo)”. Construído em 1924, o pirulito enfeitou a Savassi de 1963 a 1980. Rogério trabalhou numa feira perto do obelisco: “Eu era empregado.
Lá se vão cinco anos. Sua filha, Rose, teve um neto e tentou levá-lo para casa, mas ele optou por dormir sobre um papelão. “A última vez que vi minha menina, ela desceu de um ônibus, aqui perto, e mostrou meu neto. Não tenho como ajudar no sustento da casa. Também não quero dar trabalho. Resolvi continuar aqui.”
Ele se alimenta do que ganha de moradores dos condomínios e comerciantes. Alessandro Runcini, diretor do conselho Savassi da Câmara de Dirigentes Lojistas da capital (CDL-BH), lamenta a condição sub-humana em que muitos moradores em situação de rua vivem na cidade. Baseando-se no censo que levantou as estatísticas dessa população em toda a cidade – o estudo foi elaborado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e prefeitura –, ele concluiu que a maioria pensa o oposto de Rogério.
“Mais de 90% dos moradores em situação de rua em toda a cidade querem sair dessa situação. Até porque ninguém, em sã consciência, pode querê-la. E 67% querem trabalhar. Ou seja, com esses dois dados, podemos dizer que eles desejam voltar a uma vida digna. O problema é que há meliantes que se camuflam entre moradores em situação de rua para praticar delitos. Devemos separar o joio do trigo”, alerta o lojista.
Luís Henrique Torres, o Cebolinha, o morador em situação de rua que gosta de estudar gramática, reconhece que há quem pratique furtos e roubos na região.
Ele, porém, prefere comprar o almoço no Centro. Diariamente, assegura, caminha até um estabelecimento próximo ao terminal rodoviário destinado ao público de baixa renda. “Não é o restaurante popular. É outro. E o preço é mais baixo: R$ 2 o prato de comida”. Durante a caminhada diária, ele garimpa latas e, quando a sorte o acompanha, algum livro.
A dissertação não informou a escolaridade dos que vivem debaixo de marquises na Savassi, mas, segundo o censo elaborado pela UFMG e prefeitura, em 2014, houve um aumento no nível educacional dos moradores em situação de rua em toda a capital em comparação ao levantamento de 1998. Levando-se em conta todas as regiões da cidade, houve crescimento de 10,6% entre os entrevistados que declararam saber ler e escrever.
Palavra de especialista
Soraya Romina
coordenadora do comitê de acompanhamento
e assessoramento da política municipal para a população
Soraya Romina
coordenadora do comitê de acompanhamento
e assessoramento da política municipal para a população
em situação de rua de BH
Solidariedade e regras
“Essa disputa por território acontece na cidade como um todo. Essas pessoas se agrupam por questão de sobrevivência. Há um espírito de solidariedade, mas de regras muitas vezes mais duras que as sociais. Na medida em que um indivíduo se mantém no grupo, ele tem a facilitação de sua permanência na região, pois o grupo o protege. É solidário a ele. O carro-chefe da nossa política é o serviço especializado em abordagem social. Os profissionais tentam estabelecer um vínculo de confiança, a partir do qual é possível se aproximar do sujeito e construir uma saída para uma vida melhor. Não há receita de bolo. Pode ser o retorno à família, à cidade de origem, o encaminhamento a emprego etc. As ofertas são inúmeras. Dependerá da história da pessoa e do que ela aceita.
. Solidariedade e regras
“Essa disputa por território acontece na cidade como um todo. Essas pessoas se agrupam por questão de sobrevivência. Há um espírito de solidariedade, mas de regras muitas vezes mais duras que as sociais. Na medida em que um indivíduo se mantém no grupo, ele tem a facilitação de sua permanência na região, pois o grupo o protege. É solidário a ele. O carro-chefe da nossa política é o serviço especializado em abordagem social. Os profissionais tentam estabelecer um vínculo de confiança, a partir do qual é possível se aproximar do sujeito e construir uma saída para uma vida melhor. Não há receita de bolo. Pode ser o retorno à família, à cidade de origem, o encaminhamento a emprego etc. As ofertas são inúmeras. Dependerá da história da pessoa e do que ela aceita.