Passo importante para conquistar o sonho foi dado no ano passado. Mesmo diante de condições desfavoráveis, Lorena foi muito bem no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e conquistou o 15º lugar no curso de letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Na redação, obteve 920 pontos. Por dois erros não alcançou a nota total.
O feito de Lorena se tornou público em janeiro, depois de ela responder a uma estudante, que, em mensagem pública no Facebook, se posicionou contra os sistemas de cotas. Lorena escreveu: “Sou uma preta lacradora, inteligente e cotista que entrou em letras no seu lugar. Pode ter certeza de que vou fazer jus à minha 15ª colocação nesse curso. Vou ser uma aluna excelente e uma ótima profissional”. O comentário viralizou, reacendendo o debate sobre as cotas raciais no Brasil.
Quinta-feira foi o primeiro dia de aula de Lorena. “Carrego um cargo pesado. Ouvi que não seria capaz, mas quebrei uma linhagem familiar forte. Da minha casa, serei a única a me formar. Venho de um bairro periférico, de uma escola pobre. Quero ser absurdamente reconhecida no meu trabalho”, planeja. A família e Lorena moram no Bairro Jardim Felicidade, na Região Norte de Belo Horizonte. A jovem relembra as condições precárias da escola, que ficava às margens de um córrego e com frequência tinha as aulas suspensas por falta de professores ou por infestação de insetos.
Quem a vê senhora de si num vestido preto longo pelos espaços da cidade não pode imaginar que a jovem foi vítima de bullying durante toda a vida escolar.
Um dos livros fundamentais para que forjasse sua personalidade foi Diário de Carol, de Inês Stanisiere. Lorena se identificou com os dilemas próprios da idade relatadas pela personagem, uma menina que passava da infância para a adolescência. “Minha mãe me ajudou muito. Enchia-me de livros, me levava ao cinema. Tinha toda a coleção das revistas da Turma da Mônica, que eu colocava em duas caixas”, recorda. Criança, não tinha consciência racial, mas desconfiava de que a cor da pele e a textura de seu cabelo eram os motivos da ofensa dos amigos.
A consciência da negritude foi se revelando tempos depois, quando começou a usar a linguagem da fotografia e a arte para se expressar. Depois que o pai lhe deu uma câmera fotográfica, matriculou-se em aulas para manejar o aparelho e, posteriormente, em um curso de arte, que lhe abriram um mundo de possibilidades. Por meio dos cliques, pôde acompanhar o processo de diversas meninas de assumir a textura natural dos cabelos. Nas palavras de Lorena, o “encrespar”, um movimento de autoaceitação dos cabelos crespos. As fotos abriram caminho para um projeto maior, que incluiu entrevistas com meninas negras, o que permitiu a Lorena se confrontar com sua identidade. As fotografias e entrevistas viraram o livro Encrespar, lançado de maneira independente na Funarte, em outubro de 2014. No ensino médio, Lorena mudou de escola, os insultos diminuíram. Na mesma época, teve contato com grupos feministas. Participou de marcha de mulheres e congressos. “O movimento feminista me salvou, me tirou do fundo do poço e me ajudou a resgatar minha autoestima. Possibilitou que me reconhecesse como negra”, diz Lorena, que hoje se autodefine como feminista negra.
A jovem ingressou no curso de jornalismo, mas sofria com falas preconceituosas de professores. Resolveu largar, mas o interesse pela comunicação seguiu. Criou o site Mulher Mineira. A internet tornou-se plataforma para que Lorena pudesse se expressar, o que tem feito com boa aceitação. No seu perfil pessoal, tem 3.117 amigos e 6.246 seguidores. Em outro texto seu que repercutiu, ela faz uma releitura do poema E agora, José?, de Drummond. Lorena escreveu E agora, mulher?, em que fala dos dilemas vividos pela mulheres todas depois que os sutiãs foram queimados. O título do poema foi tatuado nas costelas com o símbolo do sexo feminino e mão fechada. Nas leituras diárias, mais feminismo: o livro Mrs. Dalloway, de Virgínia Wolf, e os textos da colunista Djamila Ribeiro.
“Carrego um cargo pesado. Ouvi que não seria capaz, mas quebrei uma linhagem familiar forte. Da minha casa, serei a única a me formar (...) Quero ser absurdamente reconhecida no meu trabalho”
“Atacavam meu cabelo e meu biotipo muito magro. Não me encaixava no padrão estético que me era exigido” .