Laudo feito por moradores alertava para risco de tragédia no Bairro São Bento

Em setembro de 2014, documento sobre inclinação de rua e tráfego de veículos pesados foi entregue pela comunidade à BHTrans

Landercy Hemerson João Henrique do Vale
Veículo carregado de cimento, que provavelmente desviava de trecho proibido na Avenida Nossa Senhora do Carmo/BR-356, espalhou destruição pela Avenida Cônsul Antônio Cadar - Foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press

Uma tragédia já prevista por moradores do Bairro São Bento, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, se concretizou ontem, às 16h57, e matou pelo menos duas pessoas, deixando outra gravemente ferida. O motorista do caminhão placa LCE 2467, de São Gonçalo (RJ), carregado com 15 toneladas de cimento, desrespeitou a sinalização de tráfego proibido para veículos pesados e desceu o trecho íngreme da Rua Centauro – provavelmente para fugir da fiscalização na Avenida Nossa Senhora do Carmo. Sem controle, o veículo só parou depois de invadir a contramão da Avenida Cônsul Antônio Cadar e tombar sobre o muro de uma quadra de peteca e do escritório de uma mineradora. Uma pedestre foi arrastada por cerca de 30 metros e prensada pela carroceria e pela carga. O condutor e a mulher morreram no local e o ajudante foi socorrido em estado grave. Um dossiê sobre os riscos de desastres do tipo foi produzido pela comunidade e encaminhado à BHTrans em setembro de 2014. Em janeiro deste ano, a empresa argumentou que a fiscalização não constatou trânsito de veículos de carga no local.

O desastre de ontem poderia ser ainda mais grave, como provam imagens da câmera de segurança do advogado Leandro Lemos, que mora em frente e relata vários acidentes no local. No cronômetro do vídeo, às 16h57min40, surge o caminhão desgovernado.
Instantes antes, trafegavam pelo trecho carros e motocicletas. Apenas 48 segundos depois, às 16h58min28, um ônibus passou pelo local, ainda em meio à poeira do acidente.

O almoxarife Wenderson Barbosa Santos, de 23 anos, assistiu de perto a batida e, por questão de segundos, também não foi envolvido. De acordo com ele, o motorista do veículo de carga teve morte imediata e o ajudante estava bastante ferido.“Eu vinha do meu trabalho pela Rua Kepler, quando parei na rotatória. Só vi um vulto e, em seguida, o estrondo e muita poeira. Estacionei a moto e corri para o local, mas não tinha mais nada a fazer”, contou. Para o motociclista, foi um milagre ter escapado, já que ele passa com frequência pela rotatória e normalmente não chega a parar, apenas diminui a velocidade.

Vídeo mostra o momento do acidente



A advogada Maria Carolina Campos, de 36, conta que em novembro de 2014 foi enviado à BHTrans dossiê relatando os riscos no local. Segundo ela, a empresa respondeu em 18 de janeiro deste ano, informando que seriam feitas alterações, mas que não havia sido constatado trânsito de veículos pesados no local. “A Rua Centauro tem um trecho de declive de quase um quilômetro e é mão dupla. Pedimos à BHTrans que a tornasse mão única. Porém, nada foi feito e o risco de acidente estava visível, com cada dia mais veículos de carga desviando da Avenida Nossa Senhora do Carmo, no Sion, pela Centauro, para passar por dentro do bairro”, disse.

Documento enviado à BHTrans aponta que cinco dos seis quarteirões da Centauro são de declive, num trecho de 949 metros. Medições feitas com um altímetro constataram que são 57 metros entre a Praça das Constelações e a Avenida Cônsul Antônio Cadar. Na Centauro, placas mostram a proibição para veículos de carga, que só podem circular com autorização.

A também advogada Marta Leite, de 59, conta que mora no bairro há 35 anos. “Estávamos há muito preocupados com a situação no cruzamento da Centauro com a Avenida Cônsul Antônio Cadar e a Rua Kepler, pois, com a instalação da rotatória, os acidentes com danos materiais aumentaram.
Há muitos anos ocorreu um desastre com um Kombi, em que uma criança morreu”, afirmou. Segundo ela, a via tem tráfego intenso, inclusive de ônibus.

Marcelo Fábio Vieira Gomes, de 72, mora há quase 40 anos no bairro e ficou assustado com o desastre, já que faz caminhadas constantemente com a mulher pela Cônsul Antônio Cadar. “Pelo grande movimento de veículos e até pela maneira que muitos desciam em velocidade a Rua Centauro, ficávamos temerosos. Agora, vou avisar minha mulher para mudarmos o roteiro de caminhada, já que o risco é real”, disse..