Homossexuais contam como enfrentam rejeição e violência no Norte de Minas

Relatos revelam esforço para superar preconceitos encontrar a felicidade na sociedade

Luiz Ribeiro

O locutor Renato foi espancado na porta de casa e só escapou porque os vizinhos o ajudaram. Hoje, ele tem receio de sair de casa e ser morto - Foto: Luz Ribeiro/EM/D.A Press

Montes Claros/Francisco Sá/Jaíba – Após ser atacado com chutes e pancadas na cabeça e quase ser morto, Renato está amedrontado, temendo um novo ataque. Igor foi rejeitado pela família e se viu obrigado a mudar de cidade. Adilson se sente impedido de frequentar festas. Ele conta que já escapou da morte numa tentativa de agressão.

Os relatos acima são de vítimas de violência e retaliação simplesmente por conta da orientação sexual. Essa realidade do sertão espelha o cenário brasileiro, onde, a cada 18 horas, um homossexual é assassinado, de acordo com dados do Grupo Gay da Bahia. Um dos crimes contra homossexuais de grande repercussão no país foi a morte do bailarino Igor Xavier, em Montes Claros, principal cidade do Norte de Minas, em 2002. Passado todo esse tempo, o autor continua livre, mesmo depois de ter ido a julgamento e condenado a 14 anos de prisão.

Era fim de tarde de 14 de fevereiro, um domingo, e o locutor Renato Rômulo Kali Koury Silva estava sozinho em casa, no Bairro São Jorge, em Francisco Sá. Renato conta que ouviu o grito de alguém dizendo que “viado tem que morrer.” Na sequência, jogaram uma pedra no portão da residência.

O locutor decidiu sair à rua.
Nesse momento, apareceram dois rapazes. “Eles disseram que eu tinha que morrer. Depois, começaram a me agredir com pancadas na cabeça e chutes nas costelas. “ Renato relata que somente não foi morto por ter sido socorrido pelos vizinhos. Os agressores fugiram antes da chegada da Polícia Militar.

De acordo com o locutor, o caso está sendo investigado pela Polícia Civil, mas até hoje ninguém foi preso. Renato disse que, depois do ocorrido, passou a adotar uma série de precauções, temendo pela sua vida, e só sai à rua para ir à rádio comunitária da cidade (situada a 200 metros de sua casa), onde apresenta um programa todas as manhãs. “Fui vítima de homofobia. Tenho medo de sair de casa. Evito andar sozinho e não saio mais à noite”, diz.

Renato conta que descobriu sua homossexualidade ainda criança, mas somente se assumiu aos 18 anos. “Na adolescência, fui vítima de brincadeirinhas maldosas e chacotas. O problema é que, numa cidade pequena como Francisco Sá, por causa da limitação cultural, é mais difícil as pessoas aceitarem e respeitarem a condição de cada um. Muita gente ainda acha que ser homossexual não é normal. Por isso, muitos preferem esconder sua verdadeira orientação sexual”, afirma o locutor.

Adilson evita ir a festas, para não ser discriminado, e quase foi assassinado por quatro rapazes - Foto: Solon Queiroz/Esp. EM/D.A Press Ele salienta que o preconceito também impede a demonstração de afeto em público nesses lugares.
“Não podemos manifestar carinho em público porque, no lugar pequeno, muita gente ainda não aceita o amor entre pessoas do mesmo sexo.” Renato viveu com um companheiro durante 13 anos e, atualmente, não tem relacionamento fixo.

SEM FESTAS “Não vou a festas de aniversário e casamentos. O sentimento que tenho é da falta de liberdade”, revela Adilson Dutra de Carvalho, de 51, morador de Jaíba. Ele justifica que evita ir às festinhas para não ter que ouvir coisas desagradáveis por ser homossexual assumido e ser chamado de “Loura Louca.”

O apelido surgiu pelo fato de Adilson se vestir e se comportar como mulher: deixou o cabelo crescer, usa batom, brincos, maquiagem e shorts curtos. “Também uso roupas íntimas femininas”, completa o transformista, que, durante 26 anos, trabalhou como serviçal de uma escola da cidade e recentemente se aposentou.


"Gosto de homem e ninguém tem nada com isso", diz Adilson sobre opção sexual



Adilson considera seu estilo um pouco avançado para um lugar como Jaíba. “Mas acho que cada pessoa tem o direito de andar do jeito que gosta. Nasci assim e assim vou permanecer”, diz. Ele conta que só passou a se vestir como mulher há quatro anos, após a morte de sua mãe. “Antes, não poderia assumir minha condição diante da minha mãe por respeito a ela”, explica. Conta, por fim, que, além do preconceito, já sofreu uma tentativa de agressão em Jaíba e, por pouco, não perdeu a vida. “Certa vez, eu estava em companhia de quatro rapazes, que queriam que eu ficasse com todos eles.

Como não aceitei, vi um deles pegar uma machadinha para me matar. Gritei por socorro e eles saíram correndo”, relata.

O ex-funcionário público conta que, quando criança, descobriu que gostava de brincar com bonecas. Ele teve uma infância difícil. Aos 13 anos, perdeu o pai e ajudou a mãe a criar três irmãos e três sobrinhos. Eracledes de Jesus, de 22, mora com Adilson até hoje e chama o tio de pai, aceitando plenamente a sua condição sexual. Em harmonia, na mesma casa, vive Vilma de Jesus Santos, companheira do rapaz, tratada por Adilson como nora.

Enquanto isso...Assassino em liberdade

Um dos crimes contra homossexuais de maior repercussão no Brasil foi o assassinato do bailarino Igor Xavier, em Montes Claros, em 1º de março de 2002. Desde o homicídio, a mãe do bailarino, a aposentada Marlene Xavier, luta por justiça. No entanto, até hoje, o autor, o fazendeiro Ricardo Vasconcelos Athayde, continua solto. Integrante de uma família conhecida de Montes Claros, Ricardo Vasconcelos matou Igor a tiros, em seu apartamento, logo depois de os dois terem saído de um bar da cidade. Em 28 agosto de 2013, o assassino foi condenado a 14 anos de prisão, pena depois reduzida para 12 anos de detenção. Porém, a defesa recorreu e o réu ganhou o direito de aguardar o julgamento do recurso em liberdade.

 

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