O combustível para a criação do Transvest foram as estatísticas. “A Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) mostra que a expectativa de vida dessas pessoas não passa de 35 anos, que 95% dos travestis estão na prostituição”, afirma o idealizador do cursinho, o professor de literatura Eduardo Salabert, mais conhecido como Dudu, que dá aula em escolas tradicionais da capital. Militante da causa, ele é quem está arcando com custos do aluguel da sala e conta com trabalho voluntário de outros professores.
O preconceito acaba afastando essas pessoas da sala de aula. Articulada, culta e dona de si, Emilly Valentine se transexualizou já adulta e, por isso, conseguiu concluir o ensino médio. Mas, como em outros tantos casos, a falta de emprego se impôs como barreira. “Abandonei a faculdade particular de farmácia, porque não tinha como pagar. Já fiz mais de 100 entrevistas de emprego e, quando veem que sou transexual, perco a vaga”, afirma. “A impressão que tenho é que acham que deveria estar na Afonso Pena (ponto de prostituição de travestis e transexuais)”, diz.
Além de aulas preparatórias para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o Transvest oferece cursos de inglês, supletivo e educação para jovens e adultos (EJA). “Panfletando na Guaicurus e em outros lugares, vi que várias trans não têm nem o primeiro grau”, afirma Dudu. O lugar também pretende se consolidar como espaço de convivência, de combate à transfobia e inclusão de travestis e transexuais na sociedade.
Dany Castelumbre já vislumbra a oportunidade de dar cursos de maquiagem na salinha do Maletta. “Quero fazer enfermagem porque acho bonito cuidar dos outros e ter uma coisa boa no currículo. Sonho ainda em abrir meu estúdio de maquiagem e, quem sabe, ser também perita criminal”, conta, cheia de planos. A volta à sala de aula representa uma virada na vida de Dany, que há seis anos fez sua transformação pessoal, e um dos passos para sair da prostituição. O outro foi ter encontrado um amor – Dany se casa ainda este ano. A transexual quer completar o ensino médio para fazer o Enem e conseguir uma cadeira na universidade.
Para essa estrutura do Transvest funcionar, toda ajuda é muito bem-vinda. O cursinho está arrecadando fundos para a compra do ar-condicionado e datashow para o espaço, que custam, ao todo, R$ 2.500. Na página do espaço no Facebook, há um link para contribuir.
APROVADOS O Transvest não foi o primeiro a abrir as portas do ensino superior para alunas e alunos transsexuais e travestis. No ano passado, a advogada Adriana Ribeiro Salles, militante da causa e presidente da Comissão de Diversidade Sexual e Gênero da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seção Minas Gerais, criou o TransEnem BH. Logo no começo, a iniciativa mostrou seu potencial. As aulas eram apenas aos sábados e começaram em agosto, dois meses antes do Enem, em outubro. “Tivemo s 12 alunos, nove fizeram o Enem e três foram aprovados, todos em universidades públicas”, afirma Adriana.
A coordenadora reforça que os ganhos vão muito além da educação. “Essa experiência desenvolve a autoestima e o empoderamento dessas pessoas, que conseguem perceber o direito a enfrentar as dificuldades com cabeça erguida”, diz. Este ano, as oportunidades aumentaram. Agora, são 20 vagas e as aulas ocorrem de segunda-feira a sexta-feira, das 19h às 22h30.
O curso é gratuito e ainda há vagas disponíveis. Para se inscrever, basta entrar na página do Facebook do TransEnem BH e preencher formulário. O grupo começou uma campanha na internet para recolher fundos para a arcar com as despesas do cursinho, que vai desde a vale-transporte para os estudantes até material didático. O objetivo é arrecadar R$ 15 mil.