Um crime contra o patrimônio cultural, desrespeito pelo conjunto modernista e mais um ato de vandalismo na cidade. A três meses do anúncio do aguardado título de patrimônio da humanidade, concedido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), a Igreja de São Francisco de Assis, também conhecida como igrejinha da Pampulha, sofre o duro golpe da pichação. Na manhã de ontem, o monumento concebido pelo arquiteto Oscar Niemeyer (1907-2012) exibia marcas de spray roxo em dois pontos: sobre os mosaicos da lateral esquerda (para quem olha a construção de frente) e no painel de azulejos do fundo, de autoria de Cândido Portinari (1903-1962). “É lamentável”, disse, boquiaberto, o economista suíço Ronan Calvez, que passeava na Pampulha com a mulher Fernanda Leite, mineira de BH, e a amiga Lorena Caixeta, engenheira civil.
Se está pichado, o mais famoso cartão-postal de BH corre o risco de ficar também sem dinheiro para a restauração, prevista para começar não mais em agosto, como estava anunciado, mas em janeiro de 2017. Conforme apurou o Estado de Minas, a verba de R$ 1,4 milhão prometida pelo governo federal, via Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) das Cidades Históricas, não deverá ser liberada, valendo o mesmo para o Museu de Arte da Pampulha (MAP), também na orla da lagoa. O caminho encontrado pela PBH foi apresentar o projeto ao Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e obter o valor.
A superintendente do Iphan em Minas, Célia Corsino, informou ontem que está “em busca” dos melhores especialistas em restauração de azulejos do país, especialmente da Bahia, para que se faça a limpeza do monumento histórico. Ela descarta a possibilidade de faltarem recursos para o restauro. “A igrejinha da Pampulha e o MAP são prioridades para o Iphan”, afirmou Célia, esclarecendo, no entanto, que o dinheiro do PAC está sendo liberado “a conta-gotas”, devendo ser honrados os contratos já assinados. A superintendente disse ainda que, tendo em vista o grande número de casamentos marcados para este ano (mais de 200) no templo, ficou acertado com a Arquidiocese de BH que as obras só vão começar mesmo em janeiro. A novidade, sem dúvida, tranquiliza os noivos que se recusavam a casar em outra paróquia.
INDiGNAÇÃO No início da tarde de ontem, o secretário da Administração da Regional Pampulha, José Geraldo Prado, esteve na igreja e não conseguiu esconder a revolta diante da pichação, ocorrida de domingo para segunda-feira, que atingiu três partes do painel, incluindo a figura de São Francisco de Assis. “É um crime, um absurdo”, afirmou o secretário, cuja equipe foi ao local para avaliar os danos. Também consternado com a situação, o presidente da Fundação Municipal de Cultura (FMC), Leônidas Oliveira, explicou que será feita a limpeza, com critérios. “Já acionei toda nossa equipe de restauradores. Será escolhido o melhor material para remover a sujeira, pois, como se trata de um painel de Portinari, não pode ser algo abrasivo, que possa corroer os azulejos”, disse.
Os visitantes reagiram com indignação. A paranaense de Curitiba Denise Laporski considerou um “pecado” a pichação. “Isso contamina o patrimônio”, observou ao lado da amiga Rossela Iacobis, italiana radicada em BH. Para ela, uma ação desse tipo “envergonha” os brasileiros.
Cartão-postal de BH
Uma das principais atrações do conjunto arquitetônico e urbanístico da Pampulha, a Igreja São Francisco de Assis, construída entre 1943 e 1945, recebe a visita de cerca de 3 mil pessoas por mês, segundo a Arquidiocese de Belo Horizonte. A obra reúne o talento do arquiteto Oscar Niemeyer, do paisagista Burle Marx e do pintor Cândido Portinari. A união gerou a construção em tons azuis, com linhas e curvas totalmente revestida por azulejos e pelos painéis que retratam a Via Sacra e a imagem de São Francisco. A igreja ficou durante 14 anos proibida ao culto. Aos olhos do arcebispo dom Antônio dos Santos Cabral, o templo era apenas um galpão, apesar de, em seu interior, abrigar a Via -Sacra, constituída por 14 painéis de Cândido Portinari. Os painéis externos também são de Cândido Portinari e Paulo Werneck (1903-1962).