Depois de amargar uma crise hídrica que levou mananciais a níveis críticos em Minas Gerais, a água ainda não saiu da pauta de preocupações de especialistas e autoridades, mesmo com um refresco no nível dos reservatórios após as chuvas dos últimos meses. No ano passado, em janeiro, com o risco de racionamento batendo à porta, o governo anunciou a necessidade de economizar 30% no consumo da Região de Metropolitana, o que chegou a apenas 11,6%, entre fevereiro e dezembro. Apesar de a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) atualmente descartar a necessidade de economia de água, especialistas defendem que a situação das bacias hidrográficas é preocupante, tanto do ponto de vista do abastecimento, quanto da preservação. E ainda destacam uma série de problemas que ganham força com o Dia Mundial da Água, comemorado hoje.
A lista de desafios é extensa. Na avaliação do mestre em recursos hídricos, saneamento e meio ambiente e professor do Departamento de Engenharia Civil da PUC/Minas, José Magno Senra, falta priorização dos governos para resolver questões relacionadas à outorga (instrumento legal que assegura ao usuário o direito de utilizar os recursos hídricos), ao monitoramento e à fiscalização dos recursos. Conter problemas de desvios de cursos d’água, roubo de água e, mais que isso, garantir a conservação dos mananciais, são questões que não têm tido a priorização necessária, segundo o professor.
“Sabemos que há legislação, planos de preservação, mas o que vemos a cada dia é a constante deterioração dos recursos hídricos. Faltam investimentos, fiscalização, investir na proteção de nascentes e matas ciliares, além de programas de replantio”, afirma. O especialista ressalta ainda a falta de obras para otimizar os sistemas de abastecimento, especialmente na Região Metropolitana de Belo Horizonte. “A última obra feita foi emergencial, no Rio Paraopeba, que é uma captação direta de uma água poluída”, critica.
A situação dos comitês de bacias hidrográficas também chama atenção. Ontem, o assunto foi amplamente tratado no Debate Público Águas de Minas: Revitalização e Gestão dos Rios de Minas, realizado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Representantes desses órgãos colegiados falaram das dificuldades locais. Na Bacia Hidrográfica dos Afluentes Mineiros do Rio Mucuri, a vice-presidente do comitê, Alice Lorentz, explica que o órgão foi criado em 2008, mas até hoje não possui recursos, sede, plano diretor ou regimento interno. Ela pediu que os procedimentos no setor fossem simplificados, para acabar com a “burocracia que muitas vezes impede o trabalho”.
Para o representante do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, Antônio Eustáquio Vieira, a comunidade precisa estar comprometida com a participação na gestão dos recursos hídricos. Caso contrário, não adianta aprovar normas e leis. Na Bacia Hidrográfica dos Afluentes Mineiros do Médio e Baixo Rio Jequitinhonha/Almenara, a vice-presidente Emanuele Mares Oliveira ressaltou que o comitê é composto por 34 municípios, onde faltam gestão política, abastecimento de água e geração de emprego, entre outras demandas.
A Secretaria de Estado de Meio Ambiente foi procurada para falar sobre o assunto, mas, por meio de sua assessoria de imprensa, informou não ter fonte disponível para comentá-lo ontem. Por meio de nota, a Copasa informou que, atualmente, a situação do abastecimento de água na Região Metropolitana é bem melhor do que no ano passado. Segundo a empresa, naquela época, a Copasa dependia dos reservatórios do Sistema Paraopeba para abastecer parte da Grande BH e, hoje, além dos reservatórios, dispõe de uma captação alternativa de água, no Rio Paraopeba, de 5 mil litros/segundo. “Com o início dessa captação em dezembro de 2015, ficou afastado qualquer risco de racionamento”, garantiu, acrescentando que a obra garante o abastecimento de água da RMBH pelos próximos 20 anos.
A médio e longo prazos, a Copasa afirma apostar no programa Cultivando Água Boa (CAB), para garantia da segurança hídrica. As atividades compreendem mobilização da comunidade, ações de recuperação ambiental, de matas ciliares, controle de processos erosivos e outras práticas, de acordo com a Copasa. Essas ações embora tenham efeito a mais longo prazo, são importantes para a preservação dos mananciais. O combate às perdas de água nos sistemas e a busca de novas soluções de captação também estão na pauta”, informou o órgão. Além disso, a Companhia disse trabalhar constantemente com estudos que preveem o pior cenário hídrico nas cidades mineiras em que detém a concessão do serviço de abastecimento de água e quais medidas tomar para evitá-los.
RIO DOCE Prova da degradação dos cursos d’água no estado ficou escancarada com o rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana, na Região Central de Minas, que deixou um rastro de destruição em toda a Bacia do Rio Doce, até o mar no Espírito Santo. Com o acidente, 58 milhões de toneladas rejeitos de mineração vazaram do reservatório, matando fauna e flora e comprometendo o abastecimento de água das cidades ao longo do rio. “O que aconteceu com o Doce é inaceitável e, apesar de não ser a solução, merece ser punido exemplarmente. A recuperação da bacia é delicada e vai demorar décadas”, disse José Magno Senra. Por meio de nota, a empresa Samarco, dona da Barragem do Fundão, informou que já entregou, em 17 de fevereiro, a versão atualizada do Plano de Recuperação Ambiental e o Relatório de Ações Executadas das áreas atingidas pelo rompimento da barragem e que os impactos e ações de recuperação ambiental vêm sendo debatidas com os órgãos e entidades ambientais dos governos dos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo.